“Nos últimos 14 anos a maior casa que acolhe vítimas de violência doméstica do país não vê a comparticipação do Estado actualizada. Será justa esta situação? Quem poderá acolher com dignidade as vítimas a preços de 2004?”. Foi este o desabafo que Ângelo Guedes, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Figueira, em Penafiel, deixou ao Presidente da República, esta sexta-feira.
Depois de lembrar o trajecto da instituição, que acaba de celebrar 25 anos, o dirigente criticou os parcos apoios concedidos que criam dificuldades financeiras às instituições.
Esta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) “nasceu devagarinho”, prestando um serviço de ATL para as crianças e com um centro de dia, um centro de convívio e apoio domiciliário para os idosos. “Estas valências prestam serviço a 75 idosos e a 33 crianças, fazendo o transporte”, referiu.
Dez anos depois da fundação, a instituição começou a tratar a problemática da violência doméstica “com a construção da maior casa-abrigo do país e com a realização de um projecto piloto integrado de resposta à violência doméstica”, lembrou. “Até este momento, já acolhemos 585 famílias o que perfaz 1.500 utentes”, referiu Ângelo Guedes. Seguiu-se a construção de um lar residencial, em 2014, que acolhe 36 idosos e tem “uma enorme lista de espera”.
Já em 2016 abriu portas a unidade de cuidados continuados com capacidade para 25 camas e que já acolheu 129 utentes. “Para além desta obra física há a destacar outros serviços que prestamos à região tal como o Gabinete Janela Aberta que já acompanhou cerca de 1.000 casos de vítimas de violência doméstica”, deu como exemplo. A instituição também já acompanhou cerca de 500 pessoas com comportamentos aditivos e desenvolve o trabalho de RLIS – Rede Local de Intervenção Social, que funciona em todo o concelho acompanha mais de 2.000 pessoas.
Prejuízos de 7.500 euros por mês na Unidade de Cuidados Continuados
A última valência a arrancar foi uma Casa de Acolhimento de Emergência para Vítimas de Violência Doméstica, criada em 2017, que já recebeu 71 pessoas, sendo 43 vítimas e 28 descendentes.
Este trabalho, destacou Ângelo Guedes, só é possível pelo apoio da população de Figueira, pela qualidade do trabalho de todos os órgãos sociais da instituição e pelo esforço dos 97 colaboradores “que sempre estiveram ao lado do crescimento da associação”, além do apoio institucional.
“São grandes os desafios desta associação e conturbadas as marés onde navega o sector da solidariedade social”, desabafou o presidente da instituição, dizendo que é tempo de alertar para as dificuldades vividas pelas IPSS.
“Como sabe trabalhamos na violência doméstica há 14 anos, muito antes do palco mediático que os últimos crimes têm trazido à opinião pública. Pergunto se é justo o Estado dar tanta atenção mediática a este assunto e não actualizar o nosso acordo há 14 anos”, disse Ângelo Guedes, pedindo ajuda ao Presidente da República.
Mas os problemas não terminam ali. “Infelizmente não são só os acordos antigos que dão prejuízos às IPSS. Depois de esperamos três anos com a obra da unidade de cuidados continuados pronta, quando abrimos somos confrontados com prejuízos de exploração que rondam os 10 euros por utente por dia. O que significa 7.500 euros por mês”, sustentou. “Não há forma de nos fazermos ouvir e fazer entender isto quer à Administração Regional de Saúde quer à Segurança Social. Com o que comparticipam não garantem os serviços prestados. Todas as IPSS que têm esta valência estão a viver sobre uma bomba relógio que qualquer dia vai rebentar. Estamos a falar da possibilidade da falência destas instituições”, avisou.
Presidente da República tomou nota e defende mais apoio
“Tomei devida nota daquilo que disse e que sei que é a situação de muitas instituições de solidariedade social”, respondeu Marcelo Rebelo de Sousa.
“Sei que a Segurança Social faz o que pode. Sei que essas instituições, em muitos casos, esperariam um apoio maior no domínio da saúde, e também, em parte, da solidariedade social”, concordou o presidente da República. “A obra que aqui é desenvolvida e muitas outras obras por todo o país defrontam-se com desafios financeiros, técnicos, materiais e, às vezes, humanos. Precisam de uma atenção, de um apoio ainda maior”, assinalou ainda.
O chefe de estado recordou também que “quando o país atravessou várias crises, aquilo que suportou o tecido social, em larga medida, foi a rede de instituições de solidariedade social, que chegava onde o Estado não chegava, chegava onde até as autarquias sozinhas não podiam chegar”, pelo que o país deve muito a estas instituições.
“Espero que, à medida que nos afastamos da crise, seja possível olhar com ainda maior atenção e apoio o esforço de instituições como esta”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa.
Presidente da Câmara realçou papel da rede social no concelho
Antonino de Sousa salientou que “a visita de um Presidente da República é sempre uma circunstância especial para uma comunidade” e lembrou que, nos últimos 20 anos, o concelho só foi visitado três vezes por presidentes da república, uma por Jorge Sampaio e duas por Cavaco Silva.
O presidente da Câmara de Penafiel lembrou ainda o historial importante do município no apoio social. “Não surpreende que tenha sido aqui, num tempo em que ainda não se falava de violência doméstica, que foi criada uma casa abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica, a primeira com essa preocupação”, sustentou.
O autarca considerou esta visita de Marcelo Rebelo de Sousa como “um importante reconhecimento deste trabalho” e como “um estímulo” para todas as instituições do concelho.
Em Penafiel, disse o autarca, há 23 instituições e IPSS, que apoiam desde os jovens aos seniores, passando pela deficiência, num total de mais de 2.500 utentes, “muitos sem qualquer protocolo com a Segurança Social, num esforço feito apenas pelas próprias instituições”.
“É uma rede social extraordinária de que muito nos orgulhamos e que faz um trabalho notável em prol dos mais fragilizados”, frisou.