“Enquanto viver vou fazer sempre estes bonecos. Isto é uma dependência e a minha terapia. Sou muito feliz a fazer isto”, diz Clemência Rocha, de 85 anos. A natural de Campo, Valongo, mais conhecida como ‘Mença’, refere-se às figuras que faz em croché com que compôs um presépio com mais de mil peças, que ilustra quadros bíblicos, mas não só. Grande parte da obra pode ser vista na Exposição/Venda de Presépios de trabalhos de artesãos concelhios e de alunos da Escola Básica Vallis Longus, no Edifício do Museu e Arquivo Municipais – sede da Loja Interactiva de Turismo, até 6 de Janeiro.
Demorou quatro anos e fazê-lo e já está a fazer uma nova versão inspirada na tradição do pão e regueifa do concelho.
Paixão começou em 2014 e nunca mais parou
Clemência Rocha nasceu num tempo em que Campo era terra pobre, conta. Era a mais nova de oito irmãos, já todos falecidos. Os pais eram merceeiros e tinham uma padaria e campos de cultivo. “Fome não passei, mas vi muita à minha volta”, assume a octogenária.
Na escola foi só até à segunda classe e passou a ajudar em casa. “Trabalhava-se de manhã à noite”, recorda. Nessa altura da juventude não gostava muito de croché, era mais adepta do bordado. As irmãs faziam várias peças de renda, mas ela nunca quis aprender, embora soubesse os pontos.
Cristã desde sempre, fazia todos os anos um presépio em cerâmica pelo gosto pelos temas da Bíblia. E foi então que, em 2014, surgiu uma paixão inesperada. Começou a fazer bonecos em croché e nunca mais parou.
Apesar de nunca ter parado para as contar, durante quatro anos tricotou mais de mil peças (são 1.058), de todos os tamanhos, cores e feitios, que representam vários quadros bíblicos e também figuras de Valongo e do mundo. Muitas são pequenas árvores, flores e animais, depois há o nascimento de Jesus, quadros sobre a criação, os profetas Moisés e Abraão, a Anunciação, Maria grávida a caminho de Belém, pastores e reis magos, apresentação de Jesus no templo, a cena do lava-pés, a crucificação, a última ceia e Jesus morto e ressuscitado, entre outros. A composição termina com figuras do concelho como as figuras dos bugios e mourisqueiros ou a exploração da ardósia, mas também ilustra a chegada do homem à lua, alguns santos e filósofos e o Papa. “As pessoas iam dando sugestões e eu ia fazendo”, explica Mença, que fez tudo sem moldes, só de cabeça ou a olhar para fotografias. Numa semana fazia duas a três figuras.
A natural de Valongo abriu as portas de casa onde, por alguns anos, mostrou a obra. “Foi visitado por centenas de pessoas, era uma sala cheia de peças. Ouvi histórias muito bonitas e convivi com muita gente. Às vezes dizia para mim ‘o trabalho valeu a pena’”, refere Clemência Rocha, que não sabe dizer de qual figura gosta mais.
Outro presépio quase pronto
Das suas mãos está já a sair um novo presépio, que espera concluir em Março do próximo ano. Terá peças maiores e é focado no pão e na regueifa de Valongo, adianta. Vai mostrar desde a seara do trigo à desfolhada do milho, os moinhos e o amassar do pão, a padaria e a venda, o pão-de-ló e a sopa seca e acabar com um desfile da confraria. “Vai ficar tudo ligado à regueifa de Valongo, acho que vai ficar muito bonito”, garante. Na parte bíblica, ou não fosse um presépio, não vai faltar o nascimento de Jesus, mais uma vez, a visita dos pastores, o baptismo, a multiplicação do pão e a última ceia, tudo com legendas a explicar.
Mesmo com 85 anos, Clemência Rocha não dá mostras de querer parar. Ainda quer fazer outro presépio, sobre música, em homenagem à Banda de Campo.
O presépio pode ser visto até 6 de Janeiro, no Museu de Valongo, incluindo aos fins-de-semana.