Seis funcionários que trabalhavam como fiscais da Parque Ve, empresa que geria o estacionamento pago à superfície em Valongo e Ermesinde, apresentaram uma providência cautelar em Agosto do ano passado, depois do resgate da concessão, exigindo ser integrados nos quadros da Câmara de Valongo. O tribunal deu-lhes razão, dizendo que cabia ao município assumir os funcionários e pagar-lhes os ordenados, mas a autarquia recorreu da decisão e pediu efeito suspensivo da mesma.
Como resultado, os trabalhadores estão há nove meses sem trabalho e sem rendimentos, já que não têm acesso ao subsídio de desemprego.
Uma decisão recente do Tribunal da Relação sobre parte do recurso levantou o efeito suspensivo e libertou a caução de 30 mil euros depositada pela Câmara para que os trabalhadores pudessem fazer face às despesas familiares, mas nada foi pago.
Tribunal deu-lhes razão, mas providência cautelar está em recurso
Em Agosto de 2019, quando ficou concluído o processo de resgate da concessão de estacionamento pago à superfície à Parque Ve, seis funcionários da empresa que exerciam funções de vigilância e fiscalização dos lugares de estacionamento na apresentaram-se na Câmara de Valongo para trabalhar. O município não os aceitou.
Em causa estava uma carta enviada pela autarquia à concessionária determinando “a reversão de todo o equipamento afecto à concessão para a propriedade do município” bem como a obrigação de serem entregues “todos os bens abrangidos”. Os trabalhadores defendem que houve uma transmissão de entidade patronal da Parque Ve para a Câmara de Valongo e interpuseram uma providência cautelar contra o município exigindo que o seu despedimento fosse considerado ilícito e fosse suspenso, com integração nos quadros da câmara e pagamento dos salários desde Agosto.
O Tribunal Judicial do Porto deu-lhes razão. Segundo o tribunal, existiu “uma transferência dos contratos de trabalho para a Câmara de Valongo e uma situação de despedimento ilícito”, pelo que a autarquia devia integrar os trabalhadores “mantendo as categorias profissionais, antiguidade, retribuição e demais condições resultantes dos respectivos contratos de trabalho”. O município era ainda condenado ao pagamento das remunerações que deixaram de receber desde o dia 29 de Agosto de 2019, altura em que ficou concluído o processo de resgate.
Mas a Câmara de Valongo recorreu da decisão pedindo efeito suspensivo da mesma. Argumentou na altura que não era “obrigada a receber a prestação de trabalho dos trabalhadores da Parque Ve” e apontou ainda que “os trabalhadores em causa nem sequer estavam equiparados a agentes de autoridade administrativa” para poderem exercer a fiscalização em nome do município, de acordo com o exigido pelo Regulamento Municipal de Trânsito. Além disso, sustentava a autarquia, tratava-se de uma decisão da providência cautelar e não de uma acção principal, que os trabalhadores ainda teriam de interpor em tribunal.
“O Município de Valongo não aceita a sua prestação de trabalho, mas assegura-lhes os direitos que lhes estão garantidos na lei, isto é, o pagamento das respectivas retribuições, através da prestação de caução no processo”, dizia a câmara na altura.
Avançou então com o recurso, no final do ano passado, e com uma caução de 30 mil euros.
Apanhados no meio de uma “guerra”
No final de Abril deste ano, o Tribunal da Relação do Porto determinou que o efeito suspensivo atribuído pelo tribunal de primeira instância estava “incorrecto” e deveria ser devolutivo, pelo que a Câmara de Valongo era libertada da obrigação de manter depositada a caução de 30 mil euros que devia ser disponibilizada aos trabalhadores para fazerem face a “despesas familiares”.
Isso implica a integração na Câmara e o pagamento das retribuições devidas até à decisão final do recurso, defendem os funcionários que não escondem as dificuldades que estão a atravessar.
Há praticamente nove meses que não têm emprego nem rendimentos para assumir as despesas. Dizem-se “desesperados” e com a vida suspensa.
Patrícia Cardoso trabalhou na Parque Ve cerca de três anos e o marido, Sérgio Soares, 10 anos. De um momento para o outro viram-se sem os dois ordenados. Têm duas filhas, uma com três anos e uma com 20 e com uma doença oncológica.
“O tribunal deu-nos razão e estamos sem trabalhar e sem receber. Não temos subsídio de desemprego e isto dura há quase nove meses”, queixa-se Patrícia. “A Segurança Social tem-nos fornecido bens alimentares e a família tem ajudado. Mas por mim estava a trabalhar. Não fizemos nada para perder o nosso emprego. Revolta-nos deixarem-nos assim sem resposta e sem nada. Andam a brincar com a nossa vida”, lamenta.
O mesmo acontece com Nelson Brás, que também tem ajuda alimentar. “Não podemos continuar assim muito mais tempo. Temos rendas, água e luz para pagar. Não cabe na cabeça de ninguém estarmos numa situação destas, pelo menos o subsídio de desemprego”, realça o trabalhador, frisando a decisão da primeira instância. “Esta não é uma guerra nossa, é da Câmara e da Parque Ve”, sustenta, dizendo que as dificuldades são vividas pelos seis fiscais em causa.
Estavam esperançados com esta última decisão do tribunal, mas quando se apresentaram mais uma vez ao serviço da Câmara, no início do mês, foram novamente recusados. Receberam então uma carta dizendo que o seu contrato de trabalho era nulo e que não estavam equiparados a agentes de autoridade administrativa.
Mas garantem ter curso profissional de fiscalização de estacionamento.
“Foram despedidos pela Parque Ve e não pelo Município”
Contactada, a Câmara de Valongo mantém a postura do início do processo e culpa a Parque Ve.
“Compreendemos o desespero destes trabalhadores, mas a responsabilidade pela situação em que se encontram é da empresa Parque Ve, com a qual têm o respectivo vínculo laboral. Além disso, a sua admissão pelo município de Valongo seria uma grave ilegalidade, por violar a Constituição da República Portuguesa. Não podemos integrar ninguém sem concurso público!”, salienta o presidente da Câmara Municipal de Valongo, José Manuel Ribeiro, frisando que os trabalhadores estão a ser “enganados” pela empresa. “Foram despedidos pela Parque Ve e não pelo Município”, frisa.
Enquanto funcionários da concessionária, estes trabalhadores “exerciam funções sem estarem sequer equiparados a agentes de autoridade administrativa”, critica o autarca.
“Esta situação é ainda mais grave e incoerente, porque a empresa sempre se recusou a entregar à Câmara Municipal de Valongo os recursos materiais afectos à concessão, designadamente os parcómetros, conforme previsto no contrato de concessão e na Lei, impedindo a gestão e usufruto dos mesmos”, refere ainda o presidente da Câmara.
José Manuel Ribeiro esclarece ainda que “não existe qualquer decisão judicial que vincule o município a admitir ao seu serviço os trabalhadores da Parque Ve”. “Está apenas em curso a apreciação do recurso interposto pelo município de Valongo, no âmbito de uma providência cautelar interposta pelos trabalhadores da Parque Ve que pretendem ser integrados nos quadros de pessoal” da Câmara, realça.
Em tribunal, continua a análise do recurso apresentado pelo município a esta providência cautelar.