Por formação podíamos ser tentados a fazer a História destes serviços. Aliás, fomos membros do CA (Conselho de Administração) dos SMAS/Paredes numa altura em que a estratégia era uma só: investir tudo o que fosse possível no serviço público e na única empresa municipal que, em primeiro lugar, geria um bem escasso, dava lucro e podia discriminar positivamente os consumidores com mais dificuldades.
Era assim até que não. Em 2001, o então presidente, Granja da Fonseca, inopinadamente, decidiu acumular os cargos de presidente da câmara e de presidente do CA dos SMAS/Paredes, e foi o que se sabe. Infelizmente, para os consumidores. Para o próprio, dizem que não. Mas não é isso que nos interessa aqui e agora.
Não podemos, contudo, deixar de recordar aquilo que, provavelmente, poucos sabem. Foi o vereador Manuel Moreira, na altura eleito pelo CDS em mandatos presididos por Jorge Malheiro e por este escolhido para a negociação da extinção imposta pelo governo dos, então, SMAES (Serviços Municipalizados de Água, Eletricidade e Saneamento), a que todas as autarquias foram obrigadas. Foi, por isso, graças aos seus conhecimentos nestas áreas e à sua proverbial capacidade de negociação que, ainda hoje, as maiores freguesias do concelho, nomeadamente Lordelo e Rebordosa, dispõem de cooperativas de electricidade que permitem a distribuição de electricidade a custos muito mais baixos aos seus consumidores. Foi também, paradoxalmente, graças ao democrata-cristão Manuel Moreira e à sua argúcia política que, nesta mesma negociação, foi institucionalizado aquele modelo socialista/colectivista das cooperativas de distribuição de água que existe nas freguesias do sul do concelho.
Enfim, aparentes incongruências, que os períodos revolucionários e pós-revolucionários ajudam a compreender.
Voltemos à actualidade. O que pensamos sobre este assunto encontra-se, resumidamente, vertido na crónica que escrevemos, e pode ser consultada, neste mesmo jornal, em 15 de Setembro de 2020, que titulamos assim: “Municipalização do serviço de água e saneamento? É um não acordo!”.
Quase 8 meses depois o que mais poderíamos acrescentar? Meia dúzia de perguntas a que, mais cedo ou mais tarde, o presidente da câmara, Alexandra Almeida terá de responder e que, apesar de se ter desdobrado nos últimos dias em várias entrevistas, ainda não vi colocar-lhe:
– Se a municipalização dos serviços de água e saneamento não constava do programa eleitoral do Partido Socialista que o elegeu porque raio se tornou numa prioridade no ano que antecede novas eleições autárquicas?
– Das promessas eleitorais constava a diminuição do preço da água e saneamento. Quando chegarmos ao dia das eleições, passados 4 anos, esta promessa estará cumprida? O conflito com a BeWater vai servir de desculpa para explicar o incumprimento do compromisso eleitoral?
-O parecer da entidade reguladora, ERSAR, não é vinculativo, mas é uma entidade pública e responsável. Fazer o contrário do regulador não será dar trunfos ao opositor, neste caso, a Be Water?
– Alexandre Almeida calculou que os custos da rescisão do contrato com a BeWater seriam na ordem dos 22.500.000 (vinte e dois milhões e quinhentos mil) euros. A empresa responsável por estes estudos é a mesma que que calculou em 3 milhões os custos da rescisão de um contrato do género no concelho de Mafra, com a desvantagem para Paredes de o contrato de concessão, em Mafra, terminar daqui a 3 anos e em Paredes ainda faltarem cumprir 15 anos ( 2035). Em tribunal, a autarquia de Mafra foi condenada a pagar 7 vezes mais do que os montantes calculados pela consultora. Não faz jurisprudência, mas aconselha cautela. E se a coisa se assemelhar, 7x 22.500.000, como disse o outro: é só fazer as contas!
– Como é que Alexandra Almeida se decide por um empréstimo e consequente endividamento de 20.000.000 sem sequer saber – obviamente que não sabe – em quanto é que o tribunal condenará a autarquia?
– Ao pedir o empréstimo para indemnizar a BeWater a autarquia não está já a admitir que vai ser condenada? Qual a pressa? Porque é que o empréstimo é dividido por duas entidades bancárias diferentes? Não bastava a que desse melhores condições de crédito?
Apesar da procissão ainda ir no adro já são demasiadas as dúvidas que este processo levanta e é tanta a falta de transparência que ainda sobra um quantidade enorme de dívidas que, por razões de espaço, não faremos.
Sobra, por fim a pergunta que não vale um milhão de euros, mas pode custar 133 milhões aos consumidores. É quanto a empresa-mãe da BeWater pede, em processo que deu entrada no tribunal a 5 de abril:
– Como gestor privado, Alexandre Almeida faria assim este negócio? Como consultor financeiro privado aprovaria este negócio, nestes termos, a uma empresa que fosse sua cliente? Ou só o faz assim porque o dinheiro em causa é do erário público e por isso acha que não pode ser acusado de má gestão e nunca terá de pagar do seu bolso?
O tempo nos dirá e dará os resultados desta aventura irresponsável. Oxalá o presidente da câmara de Paredes venha a ter razão. E, desta vez, a obra não será “à Almeida”. Vai ser o que o tribunal decidir.