“Vai ser muito difícil conservar esta arte”, lamenta escultor de madeira de Paredes (C/FOTOS)

Carlos Ferreira, natural de Rebordosa mas residente em Lordelo, está a participar, no âmbito do Festival das Artes em Madeira, num oficina em que dá dicas e tira dúvidas sobre as melhores madeiras, as ferramentas e técnicas a usar. Mas não há interesse dos mais jovens

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Há décadas que Carlos Ferreira se dedica à arte de esculpir a madeira, em Paredes. Mas teme que esta tradição se perca. Poucos são já os mestres e artesãos do concelho que se dedicam a esta matéria-prima e menos ainda são os jovens com interesse em aprender. Ele nunca ensinou nenhum, lamenta. “Gostava que isto tivesse continuidade, mas acho muito difícil. Isto vai acabar porque não tem seguidores. Os jovens não têm interesse. Vai ser muito difícil conservar esta arte”, sentencia.

O natural de Rebordosa, mas que vive em Lordelo há cerca de 40 anos, onde tem uma oficina, recebe, por estes dias, aprendizes, a quem dá dicas e tira dúvidas sobre as melhores madeiras, as ferramentas e técnicas a usar. É o protagonista de uma Oficina de Escultura do Festival de Artes em Madeira de Paredes, que, até dia 9, promove várias actividades de homenagem aos mestres e artesãos da madeira do concelho. Também está a ser realizada outra oficina, de idêntico objectivo, dedicada à preservação da talha.

“Mostrar que em Paredes também se fazem coisas boas” e revelar o que estava “escondido”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Façam assim, ao través, que assim vai para onde nós queremos. Quando é nos rostos, tira-se só bocadinhos pequeninos”, orienta Carlos Ferreira, autodidacta que trabalha com a madeira há décadas. Filho de marceneiro, começou na talha aos 13 anos, mas foi na escultura que encontrou a vocação. “Aprendi a ver e a ouvir os mais antigos”, recorda. Naquele tempo a talha era “uma arte requisitada e bem paga” e valorizada. Agora não é assim. “No meu tempo, qualquer rapaz ia para aquela área, usava-se ser entalhador. Há famílias que tinham quatro irmãos e eram todos entalhadores. Nessa altura, as artes eram muito valorizadas, agora não”, dá como exemplo. Também acredita que “um bom entalhador e bom escultor têm de ter vocação”, ou então não consegue evoluir a partir de certo ponto.

Quando começou, tudo era feito de forma manual, agora, aos 57 anos, o processo já passa pelo uso de algumas máquinas. “Agora usamos máquinas para nos ajudar. Fazemos a figura base na máquina e sai logo muita madeira, recortamos. Depois só fazemos o esboço da figura e o pormenor. Isso diminui o valor que o cliente vai pagar. Fazemos isso para ser preços acessíveis, mas mesmo assim são peças caras”, já que levam horas a fazer, reconhece.

Faz escultura, sobretudo de arte sacra, e sente que há menos procura. “As pessoas não reconhecem tanto valor nestas peças”, refere. “É difícil porque é uma peça muito cara e as pessoas não estão disponíveis para despender muito dinheiro. Tem de ser alguém que goste muito”, afirma Carlos Ferreira.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Trabalha por encomenda. Só na Igreja de Lordelo estão cinco imagens feitas por ele. Também já fez restauros no Mosteiro de Leça de Balio, num São João de 1,20 metros e num Espírito Santo. “São peças muito valiosas e restaurei-as aqui na minha oficina”, recorda.

“Eu gosto muito desta área e tudo o que eu faço, do mais pequenino ao maior, faço com gosto”, garante. A maior peça que já fez foi um “guardião” para um hotel em Chaves, com 1,20 metros.

“É difícil viver da escultura em madeira, mas formei uma filha médica com o meu trabalho. Agora está mais difícil”, conta o escultor. “As pessoas desligaram-se um bocadinho disto, não reconhecem tanto valor nestas peças”, atesta. Além disso, há o problema da continuidade da arte. “Abaixo da minha idade não há ninguém a fazer escultura em madeira aqui nesta zona. Isto vai acabar por acabar porque não tem seguidores. Os jovens não têm interesse por isto”, lamenta. Por isso, Carlos Ferreira entende que este Festival é importante para promover a arte e “mostrar que em Paredes também se fazem coisas boas”. Por trazer à ribalta uma arte e artesãos, como ele próprio, que estavam “um bocadinho escondidos”. “Havia pessoas ao meu lado que não sabiam que eu fazia isto aqui”, refere.

Não ensinou ninguém, porque até agora ninguém quis aprender. “Se aparecesse ensinava, mas também é preciso vocação”, aponta.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Acho que não há poucos jovens a querer aprender, não estamos é a conseguir chegar a eles”

Na sua oficina, em Lordelo, recebeu agora quem quis aprender mais. “Estou a ensinar sobre as ferramentas e as madeiras que usamos, quais as melhores, e aprender a manusear as ferramentas, a ver se ganham gosto. E devem fazer uma peça simples”, adiantava no primeiro encontro. O segundo decorre esta semana.

César Costa, de Alfena, é neto de fabricante de brinquedos de madeira e apaixonado por esta matéria-prima. É da área do teatro e da cenografia e, ele próprio, começou recentemente a fazer experiências de brinquedos para criança. Veio obter mais conhecimentos e, possivelmente, criar sinergias. “A minha família paterna é de Rebordosa e estavam todos ligados à madeira. Eu com 13 anos trabalhava na fábrica dos meus tios”, explica.  

“Já tinha experiência com a madeira. Não gostava de trabalhar com esferovite e fibra de vidro e comecei a fazer criações pessoais. A madeira é uma paixão e é o material que mais utilizo nas artes performativas e gostaria de aprofundar mais o trabalho da madeira no sentido da talha e da escultura”, adianta.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

César também teme que a juventude não esteja vocacionada para estas artes manuais. “É importantíssimo preservar as artes da madeira. Não sinto que haja interesse da juventude em aprender. A arte em madeira exige paciência. E depois não há muita valorização, porque o design do móvel evoluiu para um lado mais minimalista e perdeu-se a riqueza da talha”, sentencia.

Frederico Carvalho, que é de Lisboa mas mora em Marco de Canaveses, discorda. “Acho que não há poucos jovens a querer aprender, não estamos é a conseguir chegar a eles. Sinto que há jovens estrangeiros, como designers e arquitectos, que não perdem oportunidades de participar em workshops desta natureza. Interesse há, não estamos é a conseguir cativar”, refere, defendendo que é preciso deixar a ideia de cursos de três anos e ensinar em workshops deste género, vocacionados para grupos mais pequenos e dados por quem tem experiência na área. Ele, que tem um projecto de Escola da Floresta, quis vir aprender para depois ensinar as crianças.

“Em Lisboa já tinha feito uma formação de marcenaria. Não conhecia as artes de Paredes. Ouviu uma entrevista na rádio e fiquei a saber do festival. Inscrevi-me nos workshops de escultura e talha”, diz. Veio “aprender mais sobre como pegar nas ferramentas, fazer selecção das madeiras e como tirar partido das técnicas”. “Isso faz toda a diferença quando estamos a esculpir, não é só retirar madeira. Duas ou três movimentações da mão dão resultados diferentes”, acredita.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

“Este festival foi uma excelente ideia e deviam trabalhar com outros municípios para isto expandir, para este know-how se propague”, defende.

Preservar memórias e criar “roteiros do turismo industrial”

Até dia 9, o Festival de Artes em Madeira conta com roteiros, exposições, oficinas de escultura e da arte da talha, dança, música, teatro, fotografia, escultura e performance. “Neste festival procuramos homenagear todos os mestres e artesãos que estão de certa forma ligados às artes da madeira e do mobiliário e preservar memórias. As mãos dos entalhadores, dos carpinteiros, dos torneiros, dos escultores de madeira moldam a identidade e a indústria de Paredes”, salienta o presidente da Câmara, Alexandre Almeida. “Através da artes e da cultura promovemos também a evolução da indústria do mobiliário de Paredes que concentra a maioria das exportações nacionais de móveis. Mostramos a resiliência e a capacidade inovadora e empreendedora dos nossos empresários e industriais das madeiras e do mobiliário”, sustenta o autarca, adiantando que esta programação foi pensada para ser a semente dos “roteiros do turismo industrial” a criar no concelho, trabalho que será complementado pelo futuro Museu do Mobiliário que vai nascer no Mosteiro de Vilela e “do Parque Temático da Madeira, um projecto que o município irá promover em breve”.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar