Por um sobressalto cívico

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Os partidos do dito arco do poder apropriaram-se do aparelho de Estado e, agindo como se fosse coisa sua, governam-se primeiro e, do pouco que resta, tentam dar-nos a ideia que estão a fazer tudo pelo bem comum.

Já há muito que todos, ou quase, demos conta disso mas, ou por esperarmos que nos sobre uma “bucha” do farto manjar ou por mansidão e condescendência quase criminosa, mantemo-nos quedos e mudos e, desse modo, somos cúmplices de tudo o que devíamos combater ou somos mesmo agentes ativos, sempre secundários e secundarizados, dessa horripilante  e viscosa forma de ser e estar que nos levou à mediocridade condenável com que tão bem nos temos dado desde que adotamos esta espécie de democracia.

Fosse o regime mais consentâneo com os valores que defendemos e não andaríamos agora preocupados os milhares de milhões que virão da União Europeia (UE). É que ainda temos bem presentes as formas como foram geridos os fundos comunitários em outras situações.

Foi quando, em vez da defesa do emprego e desenvolvimento económico, nos habituamos a ver e a conviver com a construção de inúmeras rotundas onde, frequentemente, se cruzavam os carros de bois com os mais potentes Ferraris.

O resultado foi o que se viu. Mais desigualdades sociais, mais ricos cada vez mais ricos, mais pobres cada vez mais pobres.

Que tememos, então, agora?

Que a corrupção instalada continue a usar e a abusar de nós. Exemplos não nos faltam. Desde o dinheiro que há sempre para os bancos e se nega às empresas que criam mais valor ou aos trabalhadores que multiplicam a riqueza, mas dela são apenas geradores explorados.

Tememos as obras desnecessárias que resultam em elefantes brancos, tememos os ajustes diretos que só servem as clientelas partidárias, tememos a incompetência e, até a falta de seriedade, de quem detém o poder ou está próximo dele.

Fiquemo-nos pelo Poder Local.

Que esperança podemos ainda ter?

Primeiro precisamos de ser lúcidos para perceber que a mudança nunca poderá ser feita por aqueles que viveram e vivem à custa do poder. Não serão os mesmos a fazer diferente.

Também não será a juventude sem ideologia que salta de partido em partido à procura do que não merece porque, sem olhar a meios, só busca proveitos pessoais à custa das lambidelas nas botas daqueles que, julgam, podem vir a servir os seus interesses pessoais. Estão muito enganados. São agora e serão a sempre meras marionetas nas mãos daqueles que fazem questão de manter os sapatos a brilhar, mesmo quando vivem na lama das suas inconfessáveis intenções. Passarão a vida como figurantes em filmes onde poderiam ser protagonistas. Esses que nunca se esqueçam que a vida de um político dura mais do que a dos futebolistas.

Não há esperança, então?

Claro que sim. Há uma nova geração de pessoas habilitadas que se construiu à custa de muito esforço e méritos próprios.

Há uma geração que já se submeteu a eleições, lutou cara a cara com os donos desta democracia e lhes ganhou.

Há uma geração de gente nova, sem vícios, com sabedoria e que está ansiosa por entrar na vida pública, mas se recusa a fazê-lo por “deferência” ou obra de caridade dos instalados.

Há uma geração inteligente capaz de se aliar à experiência dos idealistas que lhes servem também de exemplo.

Há cidadãos fartos do bolor que se alojou nas causas e nas coisas públicas.

Há muitos eleitores com vontade de acabar com os fungos que destroem a democracia em que acreditamos.

Há, tem de haver, cidadãos capazes de se libertarem dos jugos partidários para se afirmarem como alternativas válidas e nos fazerem acreditar num futuro melhor.

Há uma nova geração capaz de levar a cabo um sobressalto cívico que primeiro ponha em sentido os poderes instalados para os vencer depois.

Há, sobretudo, esta certeza: quando somos novos é normal revoltarmo-nos. Quando não nos revoltamos é normal estarmos velhos.