Não é uma crónica qualquer e muito menos é sobre política. É a crónica, sem dúvida alguma, que mais me custou escrever.
Enquanto escrevo esta crónica são já 18 os dias em que a Rússia invade, destrói e mata um povo e um país com uma história tão longa como o tamanho da Rússia.
Ainda há semanas, o vendaval de notícias que se abatia sobre nós era como a pandemia se vinha a transformar numa endemia e, finalmente, voltaríamos a viver as nossas vidas sem o maldito bicho. Falávamos sobre o plano de resiliência e de como o governo não poderia tomar posse. Falávamos de como o país se encontrava em seca extrema e como pedíamos que a chuva fosse a previsão do tempo para o dia seguinte. Enfim, mal sabíamos nós dos ventos que vinham de leste.
Hoje, tudo isso passou para segundo plano. Hoje apenas falamos da tragédia que acontece na Ucrânia.
Todos os dias e quase ao segundo temos dentro das nossas casas um cenário dantesco que nos envergonha e entristece como poucos acontecimentos históricos nos fizeram sentir.
Hoje vemos famílias desfeitas atravessar a fronteira e a fugir de suas casas. Hoje vemos pais e avôs a chorar junto a um comboio onde deixam filhos e netos na ânsia que estes encontrem um lugar seguro. Hoje vemos prédios e cidades destruídas por mísseis. Hoje vemos pessoas frágeis ou acamadas sem possibilidade de escape ou fuga para um local seguro. Hoje vemos pessoas sem acesso a água, comida ou medicamentos. Hoje vemos misseis que destroem escolas. Hoje vemos ataques a hospitais e maternidades sem qualquer escrúpulo. E isto tudo acontece na Europa, em pleno século XXI.
Não há palavras que sejam capazes de descrever o sofrimento de uns pais que entregam os seus filhos ao destino, na fronteira e apenas com um número de telefone escrito na mão.
São horas intermináveis de chacina a que assistimos irrequietos todos os dias através da nossa televisão. Nas redes sociais, como o Facebook ou o Twitter, a violência das imagens e vídeos ultrapassa o que uma pessoa comum consegue compreender.
A cada dia que passa, vemos um povo sobre-humano a resistir ao invasor,defendendo como conseguem a sua história e o seu futuro.
Cada tanque abatido, cada avião que cai, cada dia que passa resistindo ao ataque, aumenta a coragem e a esperança de cada um dos homens que defendeaquele país.
E que dizer daquele homem que lidera, resiste e acredita num país numa das piores crises da sua longa história? Ao decidir ficar em Kiev já depois das tropas russas se aproximarem da capital transformaram Zelenskii, com uma das menores taxas de aprovação, num líder respeitado, exemplar e herói. É extraordinário pensarmos na capacidade de um homem que até há dias, “apenas”, geria um país e hoje tem de gerir, resistir, lutar e todos os dias impulsionar a esperança da vitória num povo devastado por misseis e destruição!
Já em Portugal, as nossas gentes estão a mobilizar-se para ajudar um país em tragédia. Todos os dias, vemos camiões e carrinhas com bens de primeira necessidade saindo de empresas e comunidades com destino à Ucrânia. Homens e mulheres corajosas conduzem-se até à fronteira para levar o que aquele povo mais precisa. Na viagem de retorno, quase sem exceção, todos trazem refugiados para um porto de abrigo em Portugal.
A onda de solidariedade que nasceu à volta desta tragédia é extraordinária.
Os países e os seus povos, em última instância, são construídos sobre histórias. Todos os dias, aquele povo constrói a sua história com a esperança de que um dia possam novamente ser livres da opressão.
Todos, sem exceção, podemos ousar fazer algo. Seja com uma doação através da UNICEF, seja acolhendo refugiados ou ajudando na recolha de bens.
Não é tempo de dúvidas! Os próximos tempos serão difíceis e o novo normal vai chocar com valores e direitos que temos como adquiridos. Vamos ter de abdicar parte da nossa riqueza em detrimento da ajuda à Ucrânia.
Muitas dúvidas e tentações vão surgir com a crise que se aproxima, mas uma coisa temos de ter claro nas nossas mais sombrias ideias: se a tirania, a agressão e os desalmados ousarem vencer, o mundo tal como vivemos, deixará de existir.
Como disse, não é tempo das dúvidas! A liberdade tem mesmo um preço!
Até para a semana!