No dia 8, diante da imagem da Imaculada Conceição, o Papa chorou quando pedia pela Ucrânia. Demorou, até conseguir continuar, ainda com a voz entrecortada e os olhos rasos de lágrimas:
— «Virgem Imaculada, (…) apresento-vos a súplica (…) daquela terra martirizada. (…) Sabemos que estás com eles e com todos os que sofrem, como estiveste ao lado da Cruz do teu Filho. Obrigado, Mãe nossa! Olhando para ti, (…) podemos continuar a acreditar e a esperar que o amor vença o ódio, que a verdade vença a falsidade, que o perdão vença a ofensa, e que a paz prevaleça sobre a guerra!».
A mensagem cristã é maravilhosa. Contudo, parece que o mundo se fechou à boa nova. Tudo são obstáculos. Até dentro da Igreja.
Alguns sentem-se como os discípulos: «Trabalhámos a noite toda e não pescámos nada». Vale a pena? Porque a perspectiva é desanimadora. Caminhamos a largos passos para a terceira guerra mundial, entre os objectivos imperialistas de uns e o egoísmo e a decadência moral, cada vez mais sufocante, de outros.
A Rússia anunciou há anos a sua ambição expansionista e, passo a passo, está a concretizá-la. Aliás, o nível de despesa em armamento já fazia prever que a ameaça não era apenas retórica. Depois de pequenas conquistas, ganhou confiança para invadir a Ucrânia com o pretexto de «combater os nazis». Pelo menos até agora, o plano parece demasiado ambicioso e corre mal, mas a frustração de não conseguir anexar o país deu lugar a uma vingança feroz contra o povo, as cidades, os hospitais, as centrais de energia, a rede de distribuição de água e as igrejas. O Papa recorda todos os dias a «martirizada Ucrânia» e apela ao fim do genocídio. Infelizmente, assistimos horrorizados a esta barbárie, incapazes de lhe pôr cobro. Por isso, o Papa pede que não a esqueçamos, que não nos habituemos. A Polónia tem sido exemplar, mas outros estão a cansar-se dos primeiros gestos de solidariedade. Outros, aproveitam a desgraça alheia para fazer negócio.
Do outro lado, a China avança. Kevin Rudd, que foi Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália, descreve na revista «Foreign Affairs» o recente Congresso do Partido Comunista Chinês. O Presidente Xi Jinping iniciou o novo mandato com a purga dos reformistas, incluindo aquela expulsão forçada e teatral do seu predecessor, diante das câmaras de televisão, para mostrar quem manda. A análise de Rudd aos discursos programáticos destes congressos ilustra a mudança: em 1992, Deng Xiaoping usou a palavra «economia» 195 vezes; este ano, Xi usou-a 60 vezes. Em 1992, Deng falou 54 vezes em «reforma e abertura»; este ano a expressão surgiu 9 vezes. Em contrapartida, «segurança nacional» apareceu 1 vez em 1992 e agora Xi repetiu-a 27 vezes. A palavra «marxismo» regressou, juntamente com «conflito» e «luta» (22 vezes). O investimento exorbitante da China em armamento diz tudo. A ambição de controlo concretiza-se dentro da própria China, inclui Hong Kong e Macau, estende-se a Taiwan e projecta-se na área de influência à volta.
Em 2016, a Rússia construiu um aeroporto militar em Matua, uma ilha desabitada do arquipélago japonês. Há um ano, instalou mísseis e, há uma semana, instalou mísseis noutras pequenas ilhas Curilas, próximas de Matua. Enquanto isso, russos e chineses realizavam manobras conjuntas com bombardeiros de combate na proximidade do Japão e penetravam no perímetro de defesa aérea do Japão e da Coreia do Sul sem aviso prévio. Há dias, alguns mísseis chineses caíram perto da costa do Japão. A cada avanço destes seus vizinhos, o Governo japonês protestou, sem os confrontar militarmente. Até quando?
Os imperialismos russo e chinês, e outros de menor escala, experimentam até onde os deixam ir. Outras violências são menos visíveis. Infelizmente, os jornais não têm noticiado os cristãos condenados à morte no Paquistão e no Irão, os padres e bispos presos na China e na Nicarágua, os cristãos raptados e mortos na Nigéria, no Sudão, no Congo, em Moçambique…
Noutros países, como o Canadá e em certas regiões da Europa, a imposição da ideologia de género não chega a extremos tão sangrentos, mas corrói a sociedade e discrimina injustamente as famílias que rejeitam esse modelo de educação sexual. Em Portugal, é vergonhoso o caso da família de Famalicão a quem o Governo e o Ministério Público pretenderam retirar os filhos (que têm um desempenho escolar excelente e um comportamento exemplar), por os pais não aceitarem o tipo de iniciação sexual que o Governo lhes quer impor. Às vezes, o Estado hesita em concretizar o seu propósito, com medo da opinião pública, mas não descansa. Entretanto, o nosso Parlamento aprova pela terceira vez a eutanásia.
«Trabalhámos a noite toda»… Vale a pena continuar? Os apóstolos lançaram as redes e descobriram a resposta.
