Na oficina de Manuel Fernandes, mais conhecido como “Fialho”, em Rebordosa, Paredes, há peças de talha de todos os tamanhos e feitios, que adornam o tecto, as paredes, os balcões… Cada uma delas exigiu muito trabalho, sobretudo manual, tempo e dedicação. Ali as coisas ainda se fazem com paixão pela arte que este entalhador com 40 anos de experiência teme ver desaparecer.
“Há cada vez menos pessoas a fazer esta arte. É pouco compensada e, por isso, o normal é acabar. Toda a arte só é valorizada quando está em vias de extinção”, lamenta, defendendo que as empresas do concelho ainda não estão a “ver o futuro”.
Na opinião de Manuel Fialho “a diferenciação” das indústrias portuguesas devia ser feita “pela arte manual”. “Montadores de móveis há em todo o mundo, técnicos especializados não”, sustenta o entalhador.
É que “formar-se nesta arte demora tanto como formar um médico”, salienta. Além disso, os jovens não a vão escolher se não a conhecerem. Ele, que tem 65 anos, ainda não pensa em reformar-se. O problema é que não existem interessados em aprender a arte.
“Nós chegamos a um ponto de ter de pedir: salvem-nos, ajudem-nos! Criem uma esperança para sobrevivermos e preservar esta arte. Parece que estamos num navio, no meio do mar, a naufragar”, desabafa.
Pela primeira vez, Paredes integra a iniciativa “À Descoberta do Turismo Industrial”, do Turismo Porto e Norte de Portugal, que se realiza de 10 a 16 de Abril, com a meta de revelar e promover os locais e experiências associados à indústria e ao património industrial, permitindo visitar, por exemplo, fábricas em laboração e equipamentos museológicos e compreender os processos de fabrico e experimentar o produto final.
No concelho serão realizados três roteiros, já experimentados durante o FAMP – Festival das Artes em Madeira de Paredes, que vão mostrar as tradições, nomeadamente ligadas à talha – na oficina da Móveis Fialho -, aos torneiros, cadeireiros e arte de empalhar, mas que também vão revelar a vertente mais moderna da indústria do mobiliário no concelho.
“Como é que os alunos vão optar por uma arte que não conhecem?”
Foi aos 14 anos que Fialho se iniciou na arte da talha. O pai deu-lhe a escolher entre mecânico ou entalhador. Não se arrepende do caminho que trilhou. Aprendeu com mestres e trabalhou em empresas antes de se estabelecer por conta própria e de ter adquirido mais conhecimento em livros que comprou em França. Tem hoje uma micro-empresa que faz móveis clássicos, sobretudo com talha, peças decorativas, arte sacra e restauros, entre outros. São quatro funcionários, ele incluído.
Mas teme pelo futuro da arte. Por isso, mostra-se satisfeito por abrir portas da oficina para divulgar esta paixão. “Como é que os alunos vão optar por uma arte que não conhecem?”, questiona, pedindo mais visitas como estas e que se fale da talha nas escolas e centros de formação. É também preciso pôr estes entalhadores do concelho, os que ainda preservam a arte, mais vezes a fazer trabalhos ao vivo em feiras e eventos, apela, agradecendo o trabalho que a Câmara de Paredes e a ASEP Paredes têm feito neste sentido de mostrar estas artes. É que empresas pequenas, como é o caso da dele, sozinhas, não têm capacidade económica para se mostrar neste tipo de eventos. “Já tive gente a chegar à minha beira em feiras e a dizer ‘ainda bem que você existe’, porque achavam que a arte estava quase em extinção”, dá como exemplo, argumentando que é “preciso mostrar e valorizar a arte” e mais cooperação e união nas empresas do concelho.
E Manuel Fialho acredita que “as pessoas quando têm contacto directo com esta arte dão-lhe mais valor”. Nestes roteiros, na sua oficina, vão procurar “cativar” as pessoas e pô-las a fazer uma peça para levarem “uma lembrança para casa”, algo que já fizeram durante o FAMP. Vão falar das peças, das ferramentas e de todo o processo, que começa com um desenho.
“O pilar de sustentabilidade do concelho é o sector do mobiliário que foi, durante anos, ignorado”, aponta o entalhador. “As grandes empresas fazem contas ao cêntimo, nós fazemos pela paixão pela arte”, explica, defendendo que devia haver fundos comunitários para subsidiar a formação na talha, preservando uma arte que podia “ser muito rentável para o concelho”. Sem isso, será muito difícil manter esta arte.
Uma das peças mais marcantes que Manuel Fialho já fez é um balcão que está na Biblioteca Municipal de Paredes, de grandes dimensões. Foram precisas quatro pessoas e três meses para o fazer.
Três roteiros em Rebordosa, Gandra e Lordelo
Do programa constam visitas em espaços de Rebordosa, Gandra e Lordelo, que visam mostrar as tradições, nomeadamente ligadas à talha, aos torneiros, cadeireiros e arte de empalhar, mas que também vão revelar o que é hoje a indústria do mobiliário em Paredes.
Assim, a 12 de Abril, realiza-se, entre as 14h00 e as 17h00, em Rebordosa e Gandra, o roteiro “Da Oficina à Arte Sacra”, que, segundo a Câmara de Paredes, vai procurar dar a conhecer “a marcenaria tradicional e, simultaneamente, a talha, fazendo um enquadramento do funcionamento de uma oficina, apresentando as tipologias de madeira, técnicas usadas, ferramentas e algumas terminologias e linguagem associadas ao ofício”. “Os participantes são convidados a experimentar trabalhar na madeira, usando as ferramentas e técnicas do entalhador”, sendo a oficina escolhida a do “Sr. Fialho”, em Rebordosa. Durante a visita estará presente um dourador que irá explicar o processo final de colocação da folha dourada nos trabalhos. A visita terminará na igreja de Gandra, onde a talha dourada está muito bem representada.
Segue-se, a 13 de Abril, no mesmo horário, o roteiro “Do Tronco à Cadeira”, em Rebordosa. “A visita convida os participantes a recuar no tempo, voltando ao início do trabalho da madeira em Paredes, quando as cadeiras eram dos produtos mais produzidos no território. O circuito dará a conhecer algumas especificidades de cada arte, destacando curiosidades e particularidades de cada ofício, dando relevo à figura da Cadeireira, que tanto contribui para o desenvolvimento desta atividade no concelho”, explica a autarquia. Neste dia, será ainda possível visitar uma serração e conhecer o ofício do torneiro, do cadeireiro e a arte de empalhar.
Por último, a 14 de Abril, das 14h00 às 17h30, em Lordelo e Rebordosa, será feita uma visita guiada às instalações do Centro de Formação Profissional das Indústrias de Madeira e do Mobiliário, para mostrar aos participantes “o que é hoje a indústria do mobiliário em Paredes, assim como da importância da formação nestas áreas”. Segue-se a passagem “por uma grande empresa de cadeiras do concelho, a FENABEL, onde os visitantes terão oportunidade de conhecer todo o processo produtivo, desde a tábua de madeira até ao produto final que é a cadeira”.