O antigo primeiro ministro José Sócrates terá sido, porventura, o cúmulo da corrupção nacional. Mas Sócrates não foi, nem é, o centro da corrupção em Portugal. O seu caso deixa claro como muito está por fazer no combate e na prevenção e a vários níveis. Ora, com eleições autárquicas à porta, não será de se falar também para o poder local?
Enquanto escrevo esta linhas, todo o país recupera ainda do terramoto que desta vez abalou o Marquês, outrora símbolo da reconstrução de Lisboa após o abalo de 1755. São muitos – e certamente mais capazes – os que podem comentar com autoridade esta decisão do juiz Ivo Rosa. No entanto, há já três conclusões que me parecem claras e consensuais.
A primeira é a de que um tribunal considerou, pela primeira vez, haver indícios de que um primeiro ministro de Portugal foi corrompido. Ou seja, e para que fique bem claro: Indícios não são provas, a fase de instrução não é um julgamento definitivo, acusar não pode prejudicar a presunção de inocência. Se quiserem, a procissão ainda agora vai no adro apesar de já estarmos há mais de meia década com este caso.
A segunda conclusão é a de que, precisamente, o nosso sistema judiciário e legislação penal não estão apetrechados para o combate à corrupção. Não é aceitável que um processo – por mais complexo que possa ser – possa durar tantos anos. Repito, não chegamos sequer à fase do julgamento. Por outro lado, é claro que quem investiga é confrontado com obstáculos de prova quase inultrapassáveis, em larga medida devido ao enquadramento legal.
Finalmente, algo que também não é novo, os julgamentos públicos não se compadecem com a velocidade da justiça. Mas é evidente que nem tudo o que é legal seja também politicamente aceitável. Muito pelo contrário. Os portugueses não irão perdoar politicamente a conduta José Sócrates.
Os valores em causa a par do envolvimento da elite política, económica e bancária do país, fazem da operação marquês um caso único no Portugal democrático. Mas, como adiantei no inicio, a corrupção não começa nem acaba com a operação marquês.
Em 2016, o Parlamento Europeu estimava que a corrupção podia custar à economia europeia quase 1 bilião de euros anualmente. Isto é, mais do que a famosa bazuca que vem em nosso socorro. Em Portugal, o custo é estimado em mais 18 mil milhões de euros, ou todo o orçamento dos ministérios da Saúde, Ciência, justiça e Agricultura juntos!
Ora, estes números não resultam apenas do que se passa nos corredores de São bento em Lisboa. Em 2020, mais de metade das comunicações recebidas pelo Conselho de prevenção da corrupção diziam respeito às autarquias. Quem nunca ouviu falar das tentativas e tentações do poder local? O pequeno favor para resolver o problema “lá da rua”? a nova identidade gráfica camarária da empresa amiga? ou da(s) nova(s) casa(s), que surgem àqueles “cuja mão assina o despacho”?
Que fique claro, tenho um tremendo respeito pelos nossos autarcas, como aliás por toda a classe política. Não quero lançar um manto de desconfiança sobre todos. Mas a maçã podre contamina o resto do pomar: pela corrupção de alguns, instala-se a descrença generalizada dos cidadãos, a ideia perversa de que todos são corruptos. Não são.
Com as eleições autárquicas aí à porta, não tenhamos medo de exigir mais dos nossos autarcas, não tenhamos medo de falar, não tenhamos medo de cumprir o nosso dever cidadão.