Em contacto com as populações no âmbito da preparação da campanha eleitoral, somos muitas vezes confrontados com questões que julgávamos já ultrapassadas, mas não é o que acontece.
Como exemplo, apareceu-nos um eleitor a colocar a preocupação do problema do desemprego.
E colocava-o sempre sob a comparação de colocação de emprego actuais e as existentes durante a vigência dos tempos da ditadura.
Dizia o eleitor: diga lá; diga se no tempo de Salazar era ou não verdade que se saía hoje de um emprego e amanhã se entrava noutro?
Diga se naquele tempo havia a pouca vergonha que é agora o desemprego? Diga? Diga lá?
Mas acrescentava sempre isto em modos de quem atira a pedra e esconde a mão, dizendo: Não é que eu defenda o Salazar! Deus me livre! Eu não defendo aquele tempo. Mas havia ou não trabalho para todos? Diga lá?
E lá tentamos explicar:
De certa forma, não deixa de ter alguma verdade o que nos diz, mas queira lembrar-se:
Era o tempo em que a partir dos onze, doze, treze anos e até menos, se saía da Escola Primária e apesar de criança, se ia direitinho para um emprego, porque já havia trabalho para ele.
Escolaridade obrigatória? Não há dúvida; trabalhar, trabalhar, porque não falta trabalho.
E apesar da existência desse trabalho, era o tempo em que as habitações de quase toda a gente, não tinham as mínimas condições, a começar pela inexistência de uma simples casa de banho digna desse nome, a não ser ao que se chamava Retrete, e aqueles que queriam manter a indispensável higiene corporal, tinham de recorrer à bacia ou ao alguidar pela cabeça abaixo; mas trabalho havia.
Da falta de água canalizada essencialmente para beber, mas onde havia um poço com água fresquinha, (sem análise e todos os riscos daí inerentes) e onde trabalho não faltava, mas onde o dinheiro nem para comer chegava
Era o tempo, em que para além de trabalho, trampa era o que mais havia e até dava dinheiro, porque havia quem comprasse os chiqueiros acumuladores de trampa à porta, e água choca, às pipas dela.
De um serviço de Saúde que apenas tratava os ricos, e os pobres que se amanhassem, em vez de um Serviço Nacional de Saúde, onde todos fossem tratados por igual.
Lá isso não tínhamos, mas trabalhinho, era coisa que não era problema.
Tempo dos cerca do milhão de soldados que num vai e vem permanente, destacados especialmente para as Guerras de Angola, Guiné, Moçambique, e até para Timor, abandonando o emprego, que era ocupado pelos que regressavam, ajudando com isso à inexistência do desemprego, com a ocupação por parte desse milhão de pessoas que regressava da Guerra, para compensar o do outro milhão que partia para a mesma Guerra.
E onde não era possível até, termos esta conversa amistosa, porque tínhamos sempre alguém à escuta e pronto a «bufar» porque em vez de conversa, era preciso mas é trabalhar e porquê? Porque havia trabalho e muito trabalho.
Esta conversa levou até um camarada a tecer o seguinte comentário: Que se saiba, mesmo no tempo da escravatura, nunca houve falta de trabalho.
Sabemos que é muito difícil, mas não desistimos.
Não somos daqueles que aceitam, que sempre foi assim e que sempre assim há-de ser.