Este último ano foi “de privação” para Leandra Rodrigues, de Croca, Penafiel. Antes, a assistente técnica no serviço de admissão aos doentes na urgência do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa associava a palavra pandemia a “algo distante”. “Hoje tenho a perfeita noção de que vivemos num mundo global e que ninguém está a salvo”, desabafa.
Para esta profissional de saúde, este foi o período mais conturbado que viveu profissionalmente.
“A minha maior dificuldade foi o medo. Tenho uma filha de oito anos, e sempre que chego a casa penso ‘espero não estar a trazer nenhum vírus’”.
“Nunca pensei que iria durar tanto tempo, nem que iriam existir tantas vagas ou que seríamos um dos hospitais mais afectados, como fomos”
A mãe, já reformada, foi assistente operacional do Hospital Padre Américo e serviu-lhe de exemplo. Coincidência ou não, Leandra Rodrigues, de 39 anos, acabaria por também desempenhar ali as suas funções profissionais.
Licenciou-se em Contabilidade e Administração e, ainda na faculdade, concorreu a uma vaga para assistente técnica no Hospital Padre Américo. Ficou. Começou por ingressar, em 2002, na urgência dedicada à Pediatria. “Desde o início que sempre adorei trabalhar na urgência, gosto daquilo que faço e de trabalhar por turnos, pois não existe rotina, estamos sempre em contacto com doentes diferentes e em horas também elas diferentes”, conta a penafidelense, que só ficou afastada do trabalho durante três anos devido a um grave acidente de viação.
Num serviço já de si exigente, Leandra Rodrigues encarou a chegada da pandemia com um “misto de emoções”, admite. “Havia medo de trabalhar, mas ao mesmo tempo sabia que tinha de o fazer pois todos nós precisávamos de contribuir para que tudo isto passasse rápido, achava eu. Nunca pensei que iria durar tanto tempo, nem que iriam existir tantas vagas ou que seríamos um dos hospitais mais afectados, como fomos”, confessa.
Pelo balcão de admissão, a administrativa viu passar muitos medos. “Os doentes no início não deram a devida importância ao assunto, mas quando aqui vinham com algum tipo de sintoma ficavam assustados e apreensivos em relação ao resultado do teste à Covid”, relata. “Vinham sempre confirmar o contacto para lhes ser enviada a mensagem com o resultado e sentia-os apreensivos e preocupados. Quando eram situações confirmadas, aí sim, vinham com medo do que lhes poderia acontecer e verbalizavam isso mesmo”, recorda Leandra Rodrigues.
A penafidelense ainda se lembra do primeiro caso suspeito que encaminhou. A situação aconteceu com um casal de turistas que tinham chegado recentemente da África do Sul. “Vieram porque estavam com sintomas de febre. Na altura elaboramos a ficha de urgência e encaminhamos, como devido, à triagem. Correu tudo dentro da normalidade e sem histerismos pois já estávamos preparados e mentalizados para o que pudesse acontecer”, explica.
Também não esquece a ficha elaborada de uma grávida confirmada como positiva acompanhada por bombeiros equipados dos pés à cabeça: “Só mais tarde vim a saber que era uma conhecida minha. O pai do bebé veio ao meu serviço contar, todo feliz, que ele não estava infectado e que ia poder cuidar da criança”.
“Sei que a pandemia ainda está longe do fim, mas mesmo assim tenho esperança no seu controlo”
Mas, apesar de todos os cuidados e equipamentos de protecção, desde a máscara às desinfecções constantes, o medo persistia. “A minha maior dificuldade desde o início desta pandemia foi o medo, pois tenho uma filha de oito anos em casa. Sempre que chego penso ‘espero não estar a trazer nenhum vírus”, reconhece a residente em Croca. Por isso, houve ajuste de hábitos, desde deixar o calçado e a roupa na garagem à chegada do trabalho.
Ao que sabe, Leandra Rodrigues, entretanto já vacinada, nunca esteve infectada com Covid-19. É na vacinação que deposita a esperança de um retorno à normalidade.
Já sobre a evolução da pandemia no país diz-se apreensiva. “Pela experiência que vivemos no Natal e no Ano Novo, sabemos que com qualquer facilitismo por parte de todos nós a propagação pode piorar num ápice”, salienta. A penafidelense critica ainda algumas atitudes que considera como falta de respeito para com os profissionais de saúde. “Quando ligam à Saúde 24 e é mandada uma mensagem aos utentes para marcarem o teste nos postos específicos alguns deles continuam a vir à urgência e pedem para ser atendidos, apenas e só para fazer mais rápido o teste”, aponta como exemplo. “Já foi pior, mas ainda acontece e é de lamentar visto que já todos sabemos que o serviço de urgência, embora esteja a ter uma resposta suficiente, com estas atitudes pode voltar a entrar em ruptura”, acrescenta.
Para esta profissional de saúde, “estar na linha da frente significa disponibilidade, dever e obrigação para com o serviço”.
“Sei que a pandemia ainda está longe do fim, mas mesmo assim tenho esperança no seu controlo em curto prazo. Na minha opinião este será o ano do controlo da pandemia”, defende.