O empresário José Ramalho, proprietário da Casa Peixoto, estabelecimento comercial, situado na Avenida Sacadura Cabral, é o único representante de uma tradição, que remonta ao início do século XX, a produção de samarras. Trata-se de um agasalho característico do Outono/Inverno, revestido nas golas com pele de raposa, que junta saberes ancestrais de uma arte que chegou ao nossos dias.

Ao Verdadeiro Olhar, José Ramalho destacou que, antes de assumir a Casa Peixoto, há cerca de 25 anos, este estabelecimento já era conhecido por produzir samarras para vários pontos do país, sendo a sua constituição anterior à fundação do Sport Lisboa e Benfica, em 1904.

“A casa Peixoto é uma das mais antigas da cidade, a mais antiga seria a loja Abílios, mas já fechou, pelo que esta é a mais antiga do concelho e do país. Esta casa é de 1903, anterior à fundação do Sport Lisboa e Benfica”, revelou.

Falando dos primórdios deste estabelecimento comercial, José Ramalho adiantou que antes de 1900 os anteriores proprietários vendiam nas feiras da região, com a ajuda de burros e carroças, as samarras e capotes aos pastores e lavradores mais abastados.

“Os Peixotos tinham uma tasca nas traseiras do estabelecimento comercial e vendiam as samarras à frente. Antigamente os lavradores chegavam à loja com os seus burros e os cavalos e amarravam os animais numa pedra à frente da loja que ainda hoje conservo como memória desse tempo. Os lavradores compravam as samarras à frente e comiam nas traseiras da loja”, frisou, lamentando que muito do acervo e das memórias desses tempos tenham desaparecido com o incêndio que deflagrou há 25 anos e destruiu grande parte do arquivo.

“ANTIGA CASA PEIXOTO É ANTERIOR À FUNDAÇÃO DO SPORT LISBOA E BENFICA”

Em 1903 a Casa Peixoto abriu um armazém grossista para atender às inúmeras encomendas que chegavam de todo o país, especialmente do Alentejo e Beiras.

A Casa Peixoto viria, mais tarde, a ser adquirira por José Ramalho que era amigo do proprietário do estabelecimento e chegou a trabalhar para ele.

“Curiosamente aos nove anos vim comprar a esta loja a roupa para a minha comunhão, mas nunca pensei que viesse a ser o proprietário desta casa”, avançou, contando que o conhecimento que tinha da alfaiataria e a paixão que sempre dedicou a esta tradição levaram a que o anterior proprietário quisesse que continuasse à frente do negócio.

“Achava que eu era a única pessoa capaz para dar continuidade a esta tradição uma vez que estava ligado à alfaiataria e à confecção. Fazia já muita alfaiataria grossa e fomos desenvolvendo as samarras”, explicou.Ao nosso jornal, José Ramalho confessou que com o passar dos anos as Samarras Peixoto foram evoluindo, quer na sua forma, quer na sua apresentação, definindo-se sobretudo pela sua elegância e pelo acabamento.

Foto: Miguel Sousa/Verdadeiro Olhar

“O tecido exterior, a gola natural, as entretelas, fazem deste produto um artigo com uma durabilidade acima da média que pode chegar aos 30 anos. Tenho uma samarra cinzenta há seis anos. É uma peça belíssima que me dá imenso prazer usar em determinadas situações, como as Janeiras ou quando vou à caça”, constatou.

Sobre a sua confecção, José Ramalho explicou, também, que as golas das Samarras Peixoto são presentemente feitas com pele de raposa portuguesa, mas já chegaram a ser confeccionadas com pele de raposa russa. “Rapidamente chegamos à conclusão que a pele de raposa russa é mais áspera que a pele da raposa portuguesa, que é mais macia”, disse, lembrando que as samarras além de constituírem um agasalho quente têm um valor afectivo que quem as usa.

PRODUTO NÃO ESTÁ AO ALCANCE DE TODAS AS CARTEIRAS

“Tenho famílias que são minhas clientes e cujos elementos, desde o avó, o pai e o filho sempre albergaram esta peça. Sei inclusive de histórias lindíssimas que me foram transmitidas pelos próprios que estão associadas à utilização deste tipo de vestuário”, disse. O empresário recordou, também, que este é um produto que não está ao alcance de todas as carteiras, direccionando-se mais para a classe média, média alta, que mantém com este produto uma relação quase simbólica e de afectividade.

“Estamos a falar de um produto cujo preço oscila entre os 200 e os 250 euros, o que por si só já é bastante limitativo e não está ao alcance de todas as carteiras e consumidores”, reconheceu.

José Ramalho assumiu, ainda, que a sua empresa, nos últimos anos, têm feito uma aposta no sentido de tornar o produto mais atraente, mantendo as suas características, com o objectivo de conquistar novos públicos-alvo. A este propósito, o empresário garantiu que começa a surgir entre as senhoras  uma apetência por este tipo de agasalho. “As diversidade de cores e o seu acabamento tornam esta peça efectivamente irresistível e fazem com que haja cada vez mais senhoras interessadas no produto”, atestou.

A par da aposta no design e na melhoria do produto, empresário confessou que a sua empresa criou um site, com o objectivo de tornar os produtos da empresa mais distintivos e fazê-los chegar ao que designou por mercado da saudade e aos emigrantes portugueses. “Acompanhando as exigências dos tempos modernos, mas imitando os nossos antecessores nesta casa que, já em 1903, fizeram o que nos propomos fazer hoje, com ferramentas diferentes mas com o mesmo objectivo de levar estes produtos maravilhosos para todo o mundo”, assegurou, confessando que com esta nova plataforma, as Samarras Ramalho, está a implementar um conceito moderno mas sustentado no saber de longos anos.

“Temos uma loja online e recebemos encomendas de emigrantes portugueses que estão no Canadá, Noruega, França, Alemanha e até na Suíça”, avançou, tendo, no entanto, a empresa, para já, dificuldades em satisfazer pedidos de maior monta. “Tentamos responder às encomendas que nos chegam online, mas ainda não temos capacidade para assegurar encomendas acima de um determinado valor. Ainda recentemente tivemos um pedido da Áustria para fazer mais de 100 samarras”, concretizou, sustentando, no entanto, que a aposta no mercado nacional também é para manter.

“APOSTA NAS FEIRAS NACIONAIS E NAS NOVAS TECNOLOGIAS TÊM PERMITIDO POTENCIAR PRODUTO E CONQUISTAR NOVOS CLIENTES”

A par da aposta nas novas tecnologias, José Ramalho assumiu que a sua empresa tem apostado em marcar presença nas feiras de referência nacional, como a Feira da Golegã, como forma de dar a conhecer o produto, fazer novos clientes, tendo já uma vasta carteira de clientes ingleses alemães, luxemburgueses, suíços e até franceses que passaram a usar a samarra. “No ano passado estivemos na Feira da Golegã e a capa usada pela Sónia Araújo e a samarra que o Jorge Gabriel trazia esgotaram no nosso stand da feira em poucas horas”, avançou.

A presença na Feira Nacional do Cavalo na Golegã tem sido, segundo este empresário, uma aposta ganha, tendo a loja já vários pedidos de cidadãos alemães, ingleses, franceses, luxemburgueses e suíços que conhecem o produto e o passaram a apreciar.

Quanto ao S. Martinho de Penafiel, José Ramalho confessou que o tempo que se tem feito sentir poderá ser uma contrariedade, mas acredita que o frio e a chuva, mais cedo ou mais tarde, vão chegar.

“O ar tem de estar mais frio, mais convidativo a vestir uma peça destas. Acredito que vamos ter gente de Viana do Castelo, Miranda do Douro, Viseu ou Tomar na feira”, acrescentou, realçando que quem visita o S. Martinho vem mais para ver as samarras, experimentar a peça e só mais tarde, quando receberam o 13.º mês é que vêm comprar o produto.

“O FUTURO DAS SAMARRAS PASSA POR COLOCAR O PRODUTO NUMA DISTRIBUIDORA ONLINE”

Quanto ao futuro, José Ramalho considerou que o sucesso das Samarras Peixoto passa por colocar o produto numa grande distribuidora online e fazer reproduções com outras peles de forma a manter a qualidade do produto.

“É isso que faz com que, ao fim de tantos anos a produzir esta peça, nunca tenhamos tido uma única reclamação”, asseverou. “Julgo que existem condições para continuar a preservar este negócio e esta arte ancestral.  Já tive 18 lojas mas este comércio e este tipo de artigo é verdadeiramente apaixonante”, disse.

José Ramalho foi alfaiate até aos 50 anos teve duas fábricas de confecção, uma em Castelo de Paiva e outra em Paço de Sousa. “Tive empregados ligados à industria do vestuário, hoje tenho seis pessoas que colaboram comigo na arte de fazer samarras, mais duas em formação, pelo que o futuro deste ofício está garantido, pelo menos na parte do corte. Tenho conhecimentos, estou a preparar  saída de algumas das pessoas que trabalham comigo e que já têm uma certa idade, dando formação a pessoas mais jovens que querem aprender. Por outro lado, quero transmitir aos meus filhos este legado para que assumam a confecção das samarras e tornem este um negócio verdadeiramente sustentável”, esclareceu.