As fotografias da cerimónia do acolhimento com que a JMJ se iniciou em Lisboa ilustram o contraste entre duas culturas. De um lado, o Papa Francisco abrindo os braços a «todos, todos, todos!» e convidando cada um a avançar a partir do ponto em que se encontra, qualquer que seja a distância que o separa de Deus. Em contraste, a figura gigantesca do Marquês de Pombal, sobre o seu pedestal desmesurado, segurando um leão feroz como quem leva um cão pela trela. Na elevada coluna do pedestal, onde há abundante espaço para enumerar os feitos de que o Marquês e os seus admiradores se orgulham, o primeiro da lista é a expulsão dos jesuítas.
Diante do Papa Francisco, o Marquês de bronze, de costas para o Papa e para a multidão compacta que se espraiava pelos jardins e avenidas, representa um indivíduo interessado apenas no rio que se avista do seu pedestal. A imagem não podia ser mais sugestiva da atitude despótica que caracterizou o tempo do Marquês, porque é a imagem do poder indiferente às pessoas reais, entendido como licença de abuso, sem vergonha da violência e da ganância. Milhares de pessoas morreram às mãos do Marquês, algumas com crueldade, incluindo crianças. Enquanto viveu, tudo lhe parecia possível.
Do outro lado, em diálogo com a multidão, o Papa —por acaso um jesuíta— abraçava a diversidade inteira dos percursos pessoais, «com os defeitos que temos, com as limitações que temos e com a vontade que temos de avançar na vida».
Diante da juventude entusiasmada que o rodeava, fez-se porta-voz de uma paixão de amor:
— «Ele confia em ti, confia em cada um de vós, em cada um de nós, porque Jesus interessa-Se por cada um de nós; cada um de vós é importante para Ele».
E, no meio da alegria daquela tarde luminosa, reconhecia a realidade:
— «Não somos a comunidade dos melhores, não! Somos todos pecadores, mas somos chamados assim como somos. Pensemos um pouco nisto, em nosso coração: somos chamados como somos, com os problemas que temos, com as limitações que temos, com a nossa alegria transbordante, com a nossa vontade de sermos melhores, com a nossa vontade de vencer».
A interpelação era para todos —pecadores, com propósitos de melhorar, de vencer as batalhas pessoais—, sem excluir ninguém.
Como é diferente a intolerância dos soberbos. Do alto da sua imaginação, confundem a violência com o poder, a sua imaginação com a realidade. Como é possível que sobreviva até aos nossos dias a admiração por tempos de arbítrio sem freio?
Como é possível que uma petição electrónica a pedir que os membros do clero não possam ser homenageados tenha recolhido tantas assinaturas em Portugal? Há duas sociedades que coexistem entre nós, lado a lado. Duas culturas tão diferentes!