António (nome fictício) vem todos os dias à Churrasqueira LF, na Rua da Estação, em Valongo. É recebido com um sorriso e leva uma refeição para ele e para a mãe. Gostava de pagar, mas não pode. Ele ainda estuda e a mãe conta apenas com o Rendimento Social de Inserção para fazer face a todas as despesas da casa onde vivem. Por isso, esta família não recusou o apoio do projecto “Alimente esta Ideia”, da ADICE – Associação para o Desenvolvimento Integrado da Cidade de Ermesinde, que coloca empresários da restauração do concelho a doar os excedentes alimentares a agregados familiares em situação de risco ou pobreza.
O projecto começou há um ano, com oito restaurantes a apadrinharem 13 famílias. Agora, mais restaurantes aderiram e vão ser apoiadas 21 famílias.
O objectivo é só um: “ajudar quem mais precisa”.
“Passamos necessidades há alguns meses. Era tudo racionado”, admite beneficiário do projecto
O dia 17 de Outubro assinala o Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza. Em Portugal, quase 2,6 milhões de pessoas viviam em risco de pobreza ou exclusão social em 2016, mostram os dados do Eurostat.
A situação não passa ao lado do concelho de Valongo e foi para ajudar ainda mais as famílias carenciadas que acompanha que a ADICE criou o projecto “ADICE Solidária – Alimente esta ideia”, dinamizado através do Contrato Local de Desenvolvimento Social de Valongo, Terceira Geração – Projecto InterV@L3G. A ideia foi colocar os restaurantes a doar os excedentes alimentares do seu negócio. Há um ano oito empresários da restauração da freguesia de Valongo aderiram. Este ano juntam-se mais oito padrinhos ao projecto, havendo ainda um alargamento a Alfena.
A família de ‘António’ é uma das apoiadas. O jovem, que frequenta, um curso de formação, não esconde que ele e a mãe já passaram necessidades. “Passamos necessidades há alguns meses. Era tudo racionado. Comíamos quase todos os dias a mesma coisa. Houve um período que foi emocionalmente muito complicado de gerir”, admite. A mãe é beneficiária do RSI, mas pagando a renda e as contas da casa, o dinheiro que resta não chega para tudo, acrescenta. “A parte alimentar fica sempre mais vulnerável. É sempre complicado pedir ajuda. Mas quando é mesmo necessário não há outra forma”, assume António.
“As nossas técnicas de assistência social sugeriram este apoio e aceitamos porque era mesmo necessário. Mas quando virmos que já não necessitamos vamos abdicar porque sabemos que há outros que estão a precisar”, salienta o jovem. Assim, uma vez por dia têm acesso a uma refeição com “boa qualidade”.
“Uma vez dei a refeição que era para eu almoçar. Mas não me arrependo”
Foi com um sorriso no rosto que Liliana Moreira, da Churrasqueira LF, aceitou ajudar. “Gosto muito de ajudar as pessoas, mesmo fora deste projecto. Muitas vezes vem aqui uma senhora pedir almoço e eu dou comida para ela e para a filha”, conta. “Já apadrinhei uma família no ano passado. Agora estou a ajudar uma nova família. Tento dar do melhor. O que sirvo aos clientes é o que levam para eles. Levam a sopa e levam um prato diferente todos os dias”, explica a empresária.
E saber que a ajuda faz a diferença basta-lhe. “Acho importante que mais restaurantes tenham aderido a este projecto. Há muita gente para ajudar e às vezes sobra muita coisa. É um desperdício e eu não consigo deitar nada fora”, explica Liliana Moreira.
“Agora estou a ajudar esta família, mas não digo que não a ajudar outra, não é por aí que fico mais pobre. Se este projecto continuar vou manter-me e acho que a rede devia expandir-se para outras freguesias”, defende.
Quando não há excedentes alimentares, Liliana vai mesmo além do protocolo estabelecido com a ADICE, confessa. Por mais que uma vez já cozinharam, de propósito, para dar uma refeição a estas famílias. “Uma vez dei a refeição que era para eu almoçar. Mas não me arrependo”, sustenta.
“Às vezes os que não pedem são os que mais precisam”
A avaliação é positiva, garante Maria Trindade Vale, presidente da ADICE. “Este projecto nasceu da vontade e da necessidade de ajudar as famílias que nos procuram e de dar resposta, através do CLDS 3G às famílias carenciadas e com fracos recursos. Quando vimos que não tinham condições de fazer refeições razoáveis surgiu a ideia de fazer mais, apelando à ajuda dos restaurantes”, explica. “Fomos bem recebidos e nunca ninguém nos fechou as portas”, acrescenta.
Arrancaram com 13 famílias, sendo que há agregados familiares com quatro a cinco pessoas, incluindo crianças, que diariamente têm direito a levantar refeições nos restaurantes aderentes. O sucesso do projecto levou a ADICE a alargar a rede de parcerias à freguesia de Alfena, com a ajuda de mais oito empresários. Não está de parte a hipótese de chegarem a outras freguesias do concelho, no futuro. À medida que os beneficiários deixam de ter necessidade deste apoio, são substituídos, refere a instituição. “Esta é uma resposta temporária. Queremos que as famílias sejam capacitadas e deixem de precisar deste apoio”, sustenta Trindade Vale.
A dirigente reconhece que este apoio não chega e que há, no concelho, muitas famílias a precisar de apoio e muita pobreza envergonhada. “Às vezes os que não pedem são os que mais precisam”, afirma.
O processo de selecção dos agregados beneficiários do projecto, apadrinhados pelos empresários de restauração, fica a cargo das técnicas do protocolo de Rendimento Social de Inserção da ADICE, tomando como premissa a sinalização de casos de pobreza extrema a beneficiar desta medida.
Na primeira fase do projecto participaram os seguintes restaurantes: Restaurante Regional Valonguense; a Churrasqueira LF; Restaurante Jardim; Restaurante Marta Costa; Churrasqueira de Valongo; Dom Brasas; Padaria/Confeitaria Santa Justa e Marisqueira dos Tesos. Agora, juntam-se ao “Alimente esta Ideia” o Restaurante Dom Garfo; Restaurante Nossa Senhora da Paz; Quinta do Cabo; Adega Regional; Restaurante Dois Irmãos e Restaurante Duas Irmãs, todos na freguesia de Alfena, juntando-se a Churrasqueira Couto e o Restaurante Soares, em Valongo. Cada restaurante apoia pelo menos uma família com uma refeição diária. Há casos em que são apoiadas mais famílias.