O Papa Francisco tem dedicado as últimas audiências a falar da oração. Vai na trigésima primeira intervenção temática e prometeu continuar. Tem abordado o tema sob muitos pontos de vista, alguns originais.
— «Meditar é uma necessidade de todos. Meditar, por assim dizer, assemelha-se a parar e a dar um respiro à vida» (28-IV-2021).
Todos concordarão que respirar é importante. O que faz pensar é o que o Papa se distancie um pouco deste objectivo tão consensual:
— «No entanto, quando é aceite no contexto cristão, a palavra meditação assume uma especificidade que não deve ser posta de parte».
Alguns destes aspectos peculiares da oração cristã são de tal maneira próprios que não são partilhados por mais nenhuma religião. Na última quarta-feira, o Papa referiu um destes elementos centrais:
— «O cristão entra na meditação pela porta de Jesus Cristo».
Quem participa na Eucaristia ou assiste a alguma cerimónia litúrgica terá reparado que todas as orações ditas pelo celebrante se dirigem a Deus Pai ou ao Espírito Santo. E todas são ditas em nome de Jesus Cristo. Isto significa que o cristão que reza toma o lugar de Cristo ao falar com Deus Pai ou com o Espírito Santo e é por essa identificação que se atreve a interpelar Deus com toda a confiança.
O primeiro passo para rezar de maneira cristã é tomar consciência daquilo que a Igreja chama a nossa «filiação divina», que não é uma dignidade comum a todas as criaturas. O Baptismo transforma-nos em Jesus Cristo e, portanto, em filhos de Deus, tal como Cristo é Filho de Deus Pai. Há uma diferença, claro, mas há sobretudo uma verdade que ultrapassa tudo o que a humanidade poderia alguma vez imaginar: pelo Baptismo, participamos realmente da divindade de Cristo. Não da divindade de Deus Pai ou do Espírito Santo: somos configurados com Cristo, levantados acima da nossa natureza de meras criaturas e tornamo-nos participantes da filiação divina de Jesus.
É este o sentido, por exemplo, deste texto de S. Pedro: «O divino poder [de Cristo] (…) alcançou-nos os preciosos e maiores bens prometidos, para que chegásseis a ser participantes da natureza divina» (II Pe 1, 3-4).
A partir da consciência da nossa filiação divina, a tarefa muda completamente de feição, porque meditar já não é introspecção, mas encontrar-se com Cristo:
— «Quando o cristão reza, não aspira à plena transparência de si, não procura o núcleo mais profundo do seu eu. (…) A oração do cristão é, antes de mais, um encontro com o Outro, com “O” maiúsculo, o encontro transcendente com Deus».
O Papa citou diversas vezes o Catecismo para insistir neste ponto. «o importante é avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus» (Catecismo da Igreja Católica, 2707).
Outro elemento específico da oração cristã consiste na intensidade do empenho, porque «é um acto total da pessoa: não reza apenas a mente, reza o homem todo, a totalidade da pessoa, assim como não reza só o sentimento. O Catecismo especifica: “A meditação põe em acção o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo”» — diz o Papa.
Afinal, há aqui um paradoxo porque, quando desistimos de nos buscar a nós próprios e procuramos Deus com todas as forças, descobrimos quem somos. Disse-o o Papa nesta quarta-feira: «Para nós cristãos, meditar é um modo de encontrar Jesus. E assim, só assim, de nos encontrarmos a nós mesmos. (…) Nele, encontramo-nos a nós mesmos».