Relógios

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Fernando Sena Esteves

Quase já nem damos conta, mas temos relógios por toda a parte. No pulso, na parede da sala e da cozinha, no carro, no GPS, no computador e no telemóvel. Como se fosse pouco, até os há em vários eletrodomésticos mas acho que a gente de tanto os ver com as luzinhas acesas, já nem lhes liga.

Nos tempos antigos não havia relógios e parece que nem faziam grande falta: o tempo media-se de dia pela luz do sol e de noite nem se media porque se dormia. A menos que se dispusesse de uma clepsidra que media o tempo pela água que escorria por um mecanismo mais ou menos engenhoso. Ou então uma ampulheta que media o tempo que levava a escorrer areia entre dois globos de vidro. Recordo, não com muitas saudades, a ampulheta que se usava nas provas orais do liceu. Creio que a areia levava um quarto de hora a passar, mas volta e meia o examinador punha a ampulheta deitada para prolongar o exame mais um bocado. Ampulhetas também as vemos, mas virtuais, no dia a dia dos computadores quando estes nos pedem “espere aí um minutinho sff”…

Uma receita para um avô fazer um brinquedo ao neto: arranja-se um par de frascos iguais, como os de feijão ou grão-de-bico. Num deles põe-se um pouco de areia seca e a tampa com um buraco ou mais feitos com um prego ou uma broca. Encosta-se-lhe o bocal aberto do outro frasco, ligam-se os dois com fita-cola e fica pronta uma ampulheta que é um mimo!

Também havia nos antigos relógios de sol com o inconveniente de não funcionarem com tempo enevoado ou de noite, como o daquele senhor que mandou o criado ao relógio de sol para ver as horas. Como respondesse a medo “Meu senhor, mas é de noite…” levou de resposta mal-humorada que levasse uma vela…

Numa das suas audiências das quartas-feiras, o Papa Francisco censurava os gastos inúteis dizendo que um relógio de 30 euros dizia tão bem as horas como um de 300. E se se referia a uma dessas maravilhas mecânicas com rodinhas dentadas e eixos de rubis, até podia ter acrescentado que a precisão dos melhores deles é muito inferior
a de qualquer dos baratuchos que por aí há, mas de quartzo, como agora são quase todos. Acontece que um cristal de quartzo, estimulado por uma corrente elétrica, vibra umas certinhas 32768 vezes por segundo e possibilita uma precisão cem vezes maior que os melhores relógios mecânicos. Como ainda há quem ache pouca esta precisão, inventou-se o relógio atómico, como o que se baseia no césio-133. Este átomo, devidamente estimulado, produz rigorosamente 9.192.631.770 oscilações por segundo. Dizem que um relógio destes leva 65 mil anos para variar um segundo!

Mas tanta precisão não faz esquecer ou deixar de estimar o pacato relógio de parede com pêndulo, ao qual se dá corda com uma chave e toca às horas e meias horas. Ou os de caixa alta movidos pela gravidade de pesos com uns quatro ou cinco quilos. Sabendo o que custa fazer subir estes pesos, imagino o que será fazer subir um de campanário, com 100 quilos granito. Ou dos divertidos relógios de cuco aos que se veem das ruas por esse mundo fora, sem esquecer o famoso Big Ben, cujo nome, por sinal, pertence mas é ao sino anexo de 13 toneladas que soa nas horas… mas não dos quartos de hora.

Como os relógios medem tempos, veio-me à memória o episódio de um homem que recorreu a um terapeuta da fala para ver se o ajudava a dominar a gaguez. Depois de uma larga consulta, o terapeuta deu um papel ao homem com uma lengalenga para ler voz alta com frequência. O homem levou o papel e três semanas depois veio a nova consulta: mal se sentou, despejou com voz firme e pausada: “O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem e o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem”. Exclamou o terapeuta: “Acho que o senhor está curado!” Resposta: “O pi-pior é meter isto numa con-conversa!”