Uma acção de controlo da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) encontrou várias irregularidades ligadas à área do Urbanismo na Câmara Municipal de Penafiel. Há casos em que houve violação do Plano Director Municipal (PDM), com “aprovação ilegal de três operações urbanísticas em desconformidade com o PDM, cuja sanção é a nulidade, mas cuja invocação já prescreveu, num dos casos, por decurso do prazo legal de 10 anos e, noutro, não se justifica, dado o reduzido impacto da operação urbanística e a demolição total do edifício constituir uma medida desproporcionada”. E há um número significativo de processos de contra-ordenação pendentes e em risco de prescrição: “821 processos de contra-ordenação pendentes, dos quais 401 foram instaurados antes de 2014, pelo que o risco de prescrição do procedimento, por decurso do prazo legal, em geral cinco anos, é elevado”. A IGF fala ainda em ausência de planos de pormenor e de informação sobre a execução do PDM, de regulamentos com ilegalidades e de atrasos na aplicação de medidas de reposição da legalidade urbanística, entre outros.
“Os resultados da presente acção de controlo evidenciam a aprovação de operações urbanísticas, no Município de Penafiel em desconformidade com o respectivo PDM, o que fundamentou a proposta de participação dos factos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel”, refere o relatório.
A IGF recomenda à Câmara de Penafiel a revisão de vários regulamentos e o aperfeiçoamento do sistema de controlo interno assim como a “declaração da nulidade de acto administrativo de licenciamento de operação urbanística em desconformidade com o PDM e adopção das medidas de tutela adequadas à reposição da legalidade” e “implementação de medidas tendo em vista assegurar a tramitação e decisão céleres dos processos de contra-ordenação urbanística, bem como dos procedimentos tendentes à reposição da legalidade urbanística”.
O relatório com data de Junho de 2018, recebeu despachos de homologação dos secretários de Estado do Orçamento e Autarquias Locais em Outubro de 2018 e Setembro de 2019, respectivamente, sendo enviada a versão final à autarquia em meados de Outubro deste ano.
O documento explicitava que o presidente da Câmara Municipal de Penafiel devia dar conhecimento do relatório aos vereadores e remeter cópia à Assembleia Municipal, além de “informar a Inspecção-Geral das medidas e decisões adoptadas na sequência das recomendações formuladas” no prazo de 60 dias.
Chamada a fazer contraditório, a autarquia disse já ter adoptado algumas das medidas.
Há “normas ilegais e conflituantes” nos regulamentos diz IGF
Responder à pergunta “a actividade municipal de planeamento territorial, gestão e fiscalização das operações urbanísticas e em matéria de contra-ordenações e das medidas de tutela de legalidade, respeitou a lei?” na Câmara de Penafiel foi o objectivo da inspecção da IGF.
A acção de controlo “abrangeu o triénio 2014/2016 e os meses de Janeiro a Maio de 2017, sem prejuízo de algumas análises relativas a denúncias se reportarem a anos anteriores”, e em especial a Divisão de Gestão Urbanística e o Serviço de Fiscalização.
A amostra, diz a IGF, compreendeu nove processos de obras de edificação, três processos de alteração de licença e loteamento e outros conexos, relativos a denúncias pendentes na IGF, e seis procedimentos de destaque. “No que concerne aos processos de contraordenação urbanística, a amostra contemplou 17 dos 435 processos instaurados no triénio 2014/2016 e nos meses de Janeiro a Maio de 2017 (4%). Quanto às medidas de tutela urbanística, analisaram-se oito procedimentos administrativos (4% de um total de 178 procedimentos referentes à adopção de medidas de tutela da legalidade urbanística) e outros conexos com aqueles, tais como processos de legalização ou de contra-ordenação, não incluídos na amostra destes últimos”, refere o relatório a que o Verdadeiro Olhar teve acesso.
O projecto de relatório foi enviado à autarquia, em Maio de 2018, para que exercesse o contraditório, sendo que a resposta do município não pôs em causa “as conclusões e recomendações do documento”, salientam.
Analisando ponto a ponto, a IGF diz que a falta de informação sobre a execução do PDM revela “um deficiente acompanhamento (…) contrário a um planeamento urbanístico racional e sustentado por parte da autarquia”. “A actuação da autarquia tem sido concentrada apenas na gestão urbanística, com todos os inconvenientes resultantes de uma urbanização não programada, levada a cabo pelos particulares ao sabor dos seus interesses legítimos, mas que podem não coincidir com o interesse público (…) reflectindo-se também na falta de eficiência das redes públicas de infra-estruturas e nos custos a estas associados, suportados pela autarquia”, descreve o relatório, referindo que, no contraditório enviado, a autarquia informou que irá implementar a curto e médio prazo instrumentos de gestão territorial com maior densificação, como Planos de Pormenor, que “salvaguardem e reforcem a identidade do concelho”.
Entre outras críticas apontadas, a IGF alega que há ilegalidades em regulamentos. Por exemplo, o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Penafiel tem “normas ilegais e conflituantes”, já o Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e outras Receitas Municipais tem também “debilidades e desconformidades”. Em ambos os casos, o município assumiu que os documentos já estavam em revisão e a aguardar aprovação da Assembleia Municipal, à data da resposta.
Vereador acumulava funções incompatíveis
Um dos casos evidenciados pela Inspecção-Geral de Finanças, relativa à tramitação de processos, era o facto de o presidente da Comissão Municipal do Património Cultural e Paisagístico, com membros designados pela Câmara e que emite pareceres vinculativos, ser o vereador do pelouro do Urbanismo que detém “simultaneamente, competências delegadas para licenciamento das mesmas operações”. “Deste regime resulta a acumulação na mesma pessoa de funções por natureza incompatíveis (funções consultivas e decisórias sobre o mesmo assunto)”, aponta o documento. Essa situação, assim como outras como a “inexistência de procedimentos de conferência, revisão ou controlo, por um segundo trabalhador ou dirigente, no que respeita, designadamente, à medição de projectos e cálculo das taxas”, assim como o “arrastamento, nem sempre justificado, dos processos de contra-ordenação e dos relativos à reposição da legalidade urbanística”, são “potenciadoras de riscos de corrupção e de infracções conexas”, sustenta a IGF. A Câmara prometeu tomar medidas e eliminar a acumulação de funções pelo mesmo eleito, lê-se no documento.
Dos processos analisados, a IGF encontrou quatro “com ilegalidades decorrentes da violação da disciplina urbanística passíveis de invalidar os actos administrativos” que iriam ser enviados para análise do Ministério Público. Num dos casos, foi ultrapassado o índice de utilização máxima permitido, tendo a Câmara de Penafiel dado nota de que pretendia “desencadear os procedimentos tendentes à reposição da legalidade urbanística”. Outro caso, relativo ao licenciamento de um armazém, teve um índice de impermeabilização superior ao máximo permitido no PDM, mas os actos administrativos, apesar de nulos, aconteceram há mais de 10 anos. Houve ainda um licenciamento em relação ao parque de estacionamento de um restaurante que seria nulo, mas que com uma alteração posterior no PDM viu modificadas as plantas de ordenamento e condicionantes e um projecto em que foi ultrapassado o número de pisos previsto, mas que a IGF entende que a demolição seria uma medida “desproporcionada”.
Atrasos nas contra-ordenações e na reposição da legalidade urbanística
Por outro lado, a IGF realçou a quantidade de processos de contra-ordenação urbanística pendentes, que chegaram a ultrapassar os 1.115. “No início de 2014 havia 680 processos pendentes, número que aumentou para 822, no final de Maio de 2017, o que revela um agravamento desse saldo em 21%”, explica o documento. Ainda assim, “em termos processuais não se detectaram, nos processos analisados, irregularidades ou ilegalidades de relevo”, descreve a mesma fonte. Em resposta à IGF, a Câmara de Penafiel sustentou, à data, que “o atraso verificado no final do ano de 2017, está relacionado com o facto dos recursos humanos do serviço em causa estarem, na altura, a funcionar com menos um funcionário, ausente do serviço por motivo de baixa prolongada, situação esta já resolvida e que proporcionará a breve prazo a redução do número de processos de contra-ordenação pendentes”.
Já no que toca à fiscalização, a actuação da autarquia “resultou, sobretudo, de reclamações ou queixas de particulares, pelo que foi essencialmente reactiva, em vez de obedecer a um planeamento predefinido, com base em critérios de risco e tendo em conta o impacto urbanístico das operações aprovadas ou objecto de comunicação prévia”. A IGF conclui que houve casos em que “verificaram-se procedimentos e diligências desajustadas, hiatos de tempo muito longos em processos que não têm qualquer desenvolvimento, procedimentos repetidos e sem fundamentação adequada, e omissão dos actos materiais necessários à execução das ordens de demolição legalmente proferidas, contrários aos deveres inerentes às funções e competências dos eleitos locais” para repor a legalidade urbanística.