Ana Monteiro, formada em Economia e empreendedora assumida, aceitou ficar à frente da Santa Casa da Misericórdia de Paços de Ferreira numa altura em que se perspectivava em período negro para a instituição. Garante que o fez com espírito de missão e porque achou que as suas capacidades técnicas podiam ajudar a resolver um problema.

Numa entrevista longa e com pontos nos ‘is’, explica como tem sido o processo especial de revitalização da instituição para escapar à insolvência e os entraves que têm sido colocados, nomeadamente pelo anterior provedor. Usa expressões como “gestão danosa” e “golpe”, mas garante que a Santa Casa está mais preocupada em salvar-se do que em fazer justiça pelas próprias mãos. Não deixa, no entanto, de culpar os antigos provedores pelo actual estado da instituição.

Actualmente, praticamente todo o património da Santa Casa está à venda para que as contas fiquem em dia. Depois de algumas “propostas anedóticas”, já houve imóveis vendidos pelo valor de mercado.

A instituição que acaba de completar 107 anos de existência tem como valências lar, cantina social e serviço de apoio domiciliário.

 

É provedora desde Janeiro de 2016. Porque aceitou assumir essas funções?

Aceitei no sentido de missão. Naquele período de tempo, em Dezembro de 2015, não havia outra saída que não candidatar-me a provedora. Era a presidente do conselho fiscal do Definitório. E quando estamos nestas funções pedimos sempre balanços, demonstrações de resultados, actas… Tudo aquilo que me aparecia às mãos, em termos técnicos, estaria correcto. Havia défices, resultados líquidos negativos muito elevados, mas eram sempre devidamente justificados. Existiam facturas legítimas que suportavam todos estes resultados líquidos negativos.

A nossa análise, enquanto Definitório, era ver se o que estava demonstrado a nível financeiro tinha um suporte legal e havia. As obras estavam a ser feitas e eram aqueles os valores.

Achamos sempre que haveria algo que não estava bem, mas contra evidências concretas e documentais nada podíamos fazer.

Em Novembro de 2015 fui chamada pelo resto dos elementos da mesa e pela directora técnica à instituição e foi nesse momento que me explicaram exactamente o que se estava a passar, como eram os procedimentos administrativos, quem controlava as contas.

Havia investimento que estava a ser feito e considerávamos que estava a haver por parte da mesa administrativa uma preocupação de controlo da instituição. Mas quando vou à instituição percebo que aquilo não era nada do que me estavam a contar.

O que é que não lhe estavam a contar?

De facto, existiam programas informáticos, estavam comprados, havia facturas que provavam, só que aquilo na prática não estava a funcionar, por exemplo.

As eleições eram em Dezembro e só tínhamos duas hipóteses se não concordávamos com aquilo: ou arranjávamos uma lista com a qual concordássemos ou então assumíamos aquilo.

Apesar de saber que aquilo ia ser extremamente penoso para mim – a nível profissional já tinha uma actividade considerável no estrangeiro, que nos últimos anos aumentou consideravelmente e, em 2018, estive mais de 150 dias fora do país – não vi outra hipótese que não fazer a candidatura. Tentei arranjar uma equipa de pessoas que já estavam na instituição. Pedi ao tesoureiro para ficar porque era uma pessoa em quem confiava e é alguém que me apoia até aos dias de hoje e que está diariamente na instituição. Pedi à dra Mercedes para ficar, também era importante. O Dr. Pinto de Almeida, vice-provedor, tinha feito outra lista, mas, entretanto, juntamo-nos.

Tentei não criar conflitos. Até hoje acredito que os conflitos só prejudicam a própria instituição, e daí ter convidado o antigo presidente da assembleia geral para o ser novamente. Ele não aceitou, quis que fosse o antigo Provedor. Eu não gostei muito da ideia depois do cenário que me andavam a contar e documentos que me andavam a mostrar, mas os outros elementos da lista acharam que sim e eu normalmente tomo as decisões em equipa.

Qual era o seu principal objectivo quando assumiu a Provedoria da Santa Casa?

O meu objectivo era segurar a instituição. Nunca imaginei na minha vida que fosse parar a uma insolvência ou a um PER – Processo Especial de Revitalização. Mas quando vi aqueles resultados todos negativos, percebi que tinha meios e conhecimentos técnicos, pela minha formação académica e profissional, para tentar resolver a situação. Na semana seguinte a eu entrar na instituição já tínhamos um sistema integrado de contabilidade e de tesouraria a funcionar. Fiz logo uma auditoria, através de um escritório registado na comissão de mercados e valores imobiliários. As pessoas até hoje criticam-me por não ter feito uma auditoria nem saber a proveniência dos resultados negativos, quando foi feita uma assembleia geral específica para esse assunto em que foi explicado a todos os Irmãos o motivo de estarmos naquela situação.

Tenho um caminho traçado e sei bem onde quero chegar.

“Chegamos lá com um défice anual de mais de 300 mil euros negativos, o que não era brincadeira nenhuma, e com o património todo da instituição por registar”

Para que serviu essa auditoria? O que mostrou?

Essa auditoria foi muito importante porque através dela conseguimos perceber o que foi feito de errado e se houve propósito ou não. Obviamente que nós não somos um tribunal ou juízes, nós somos os novos órgãos sociais.

A ideia da mesa administrativa era mostrar aos Irmãos o que se tinha passado e porque é que a gestão tinha ficado naquele nível, porque havia aqueles resultados líquidos negativos e o que é que íamos fazer a partir desse momento para resolver o problema. Essa foi a nossa preocupação e não fazer justiça.

Ok. Este senhor veio para cá, fez esta gestão que consideramos danosa e, portanto, vamos preocupar-nos com isso e esquecer o resto da gestão? Não. Queríamos fazer a gestão de uma forma positiva. Até porque a probabilidade de acontecer alguma coisa ao antigo Provedor se quiséssemos fazer essa justiça pelas próprias mãos era muito reduzida, porque ele estava num cargo voluntário e não remunerado.

Já tínhamos na instituição situações dessas no passado, como aconteceu com o Dr. José Ribeiro, em que também já lhe tinham colocado um processo crime e ele era voluntário, não remunerado, e nada lhe aconteceu e nada acontecerá porque as pessoas podem errar a gerir e provar que aquilo foi mesmo gestão danosa premeditada não é fácil, para não dizer impossível.

Então resolvemos seguir o nosso caminho, não nos sentindo pressionados por nenhuma das partes, nem por poderes políticos, nem por Irmãos. E o nosso caminho naquele momento era salvar a instituição.

Que situação é que encontrou quando chegou?

Chegamos lá com um défice anual de mais de 300 mil euros negativos, o que não era brincadeira nenhuma, e com o património todo da instituição por registar. Demoramos três anos a registar o património e ainda estamos com impugnações por esse registo não estar feito.

Tínhamos uma directora administrativa que era namorada do antigo Provedor que não exercia funções nem sabia ligar um computador, tínhamos utentes doentes, tínhamos funcionários que metiam baixas permanentes, funcionários com 25 dias de férias quando tinham faltas, tínhamos uma indisciplina total na instituição, roupa colocada nos utentes que não era lavada, tínhamos o Villa Maria que não tinha aquecimento e que tínhamos que mobilar, não tínhamos sequer licença de utilização para laborar como lar. Tínhamos outras preocupações que eram mais importantes do que fazer justiça pelas próprias mãos.

O nosso objectivo quando entramos era assegurar a instituição a nível financeiro. Colocar procedimentos sociais, administrativos e financeiros correctos que permitissem à instituição numa situação futura andar por si só e não andar ali ao sabor do vento de cada um dos provedores que vêm utilizarem a instituição a seu proveito e depois indo-se embora porque a população se revolta. E colocar a comunidade local dentro da instituição, porque as pessoas nem querem ouvir falar em Santa Casa da Misericórdia de Paços de Ferreira, porque é só corrupção. Há a ideia de que as pessoas fizeram desvios de dinheiro e isso não é bom.

É essa a imagem que a instituição tem?

Estamos a tentar alterar isso e estamos a conseguir. Já temos muitos Irmãos que vão às assembleias gerais. Antes tinham quatro a cinco pessoas. Agora passaram a ter 30, 40, 50, 60, 100 pessoas. Quando foi para aprovar a venda do património tivemos 99 irmãos na Assembleia. E só tivemos dois votos contra, o do antigo Provedor Dr. José Ribeiro e do irmão dele.

“Mais vale ir a insolvência comigo como Provedora do que com outra pessoa, provavelmente vou ter meios para me defender”

Mas os problemas da Santa Casa agudizam-se com um pedido de insolvência. Como é que isso tudo começa?

No dia da Assembleia em que apresentamos a auditoria, o dr. José Eiras, um advogado aqui da terra, liga-me por causa de um terreno que é a Quinta de Fermentões. Nós, Santa Casa, tínhamos vendido a quinta indevidamente, porque a quinta só dá para fins sociais. Tínhamos perdido o caso em tribunal, já em Supremo, e não havia acordo com os clientes dele. Tínhamos de devolver o dinheiro, conforme o tribunal tinha dito, com os juros e com todos os custos associados, ou devolver a quinta ou chegar a um acordo.

Quinze dias antes desse telefonema tínhamos estado com o cliente dele e explicado que não tínhamos dinheiro, mas que estávamos dispostos a chegar a um plano de pagamentos e até a dar-lhe a quinta como garantia. Tinha de nos dar algum tempo e nós íamos pagar aos bocadinhos.

Mas esse cliente entretanto arranjou este advogado, amigo pessoal do professor Augusto Bismarck, antigo Provedor e actual presidente da assembleia geral. Eles os dois estiveram juntos em todo o processo de aprovação do PER.

Ligou-me antes dessa assembleia em que íamos ter o resultado à auditoria da gestão do professor Birmarck e diz-me o seguinte: ou a senhora provedora coloca um imóvel como garantia ao meu cliente, ou o hospital ou outro qualquer, ou então paga em dinheiro ou vamos pedir uma insolvência, dando-me o prazo de uma semana. Estava-me a chantagear e eu só disse que estava enganado porque, em primeiro lugar, não tinha dinheiro para lhe pagar, em segundo lugar não podia dar nenhum bem como garantia, porque para isso tinha de ir a uma assembleia geral de Irmãos e pedir autorização, o que não era possível numa semana. Sobre ir insolvência só lhe disse: mais vale ir a insolvência comigo como Provedora do que com outra pessoa, provavelmente vou ter meios para me defender.

Ele meteu um pedido de insolvência e nós metemos um PER em resposta.

Um PER que conseguiram aprovar.

O dr. Eiras levou para tribunal o professor Bismarck sobre esse pedido de insolvência. Disse no Tribunal de Amarante, aos gritos, em frente aos funcionários administrativos, que não faria mais nada na vida dele que não seja acabar com a Santa Casa da Misericórdia e que ia recorrer a todos os meios possíveis e imaginários para conseguir a não aprovação do PER e provocar a insolvência.

Nós conseguimos aprovar o PER com muita guerra pelo meio. Conseguimos ainda que os créditos do professor Bismarck fossem para subordinados. Ou seja, nós podemos pagar aos credores em oito anos e o professor Bismarck é o último e só se houver dinheiro é que recebe.

Augusto Bismarck era o antigo provedor. De que forma surge como credor neste processo de insolvência?

O professor Bismarck está metido no meio desta história toda. Ele fez um empréstimo à Santa Casa da Misericórdia de 300 mil euros. Ele e a pessoa que comprou a Quinta de Fermentões, cujo advogado era o dr. Eiras, eram os nossos maiores credores. Juntos teriam 50% dos créditos, a que se juntam ainda outros créditos que o professor Bismarck comprou.

O objectivo dele era ter a insolvência, a Santa Casa caía, ele era o principal credor e tinha domínio sobre o outro credor e, sozinhos, iriam ficar com o património da Santa Casa. Claro que nós percebemos este golpe. Contratamos uma equipa de advogados para nos defender disto e conseguimos, até ao momento, ganhar todos os processos contra o professor Bismarck, que foram vários. Conseguimos que a filha que pagava 100 euros por mês saísse da instituição; conseguimos que o genro que tem uma deficiência e recebia uma remuneração da instituição para supostamente fazer de guarda saísse e não recebesse essa remuneração; fizemos com que a directora administrativa que é namorada dele saísse da instituição. Trabalhava lá há mais de 20 anos e recebeu uma remuneração de 10 mil euros para sair. Ele impugnou-nos uma assembleia para venda do património, fomos para tribunal e ganhamos essa acção. Conseguimos que deixasse de ser o principal credor e passasse a ser o último credor.

É uma guerra constante que temos com ele, mas é uma guerra para defesa da instituição, não é uma guerra para fazermos sangue por nossas mãos, sem dados concretos nem situações concretas.

Ele também fez queixas contra nós na Polícia Judiciária… Os Irmãos já compreenderam que era melhor levarmos as coisas para a frente do que andarmos a tentar fazer justiça com coisas sobre as quais não temos factos concretos e que em tribunal vai dar zero. Era precisamente isso que ele queria. Se nós perdêssemos tempo a fazer isso não íamos ter tempo e energia para aquilo que era importante.

“Claro que isto é tudo gestão danosa (…) Foi uma tentativa de golpe”

Falou em gestão danosa em relação à provedoria anterior. Disse que tudo estava justificado em termos legais, mas de que actos estamos a falar, pode dar exemplos de coisas que foram feitas que não fazem sentido em termos de gestão?

Sim. Foi alugada uma central telefónica por 60 mil euros. Quem aluga uma central telefónica por 60 mil euros nos dias de hoje? Este contrato não passou pelo Definitório. Foi feito um contrato com a filha do antigo provedor por 100 euros mensais. Era dada uma remuneração de segurança ao namorado da filha do ex-Provedor de cerca de 400 euros por mês. Claro que isto é tudo gestão danosa.

A avaliação das obras é mesmo a que consta das facturas ou não? É muito difícil provar isto. As facturas existem. Existe um lar que tem 12 quartos, que não tem cozinha, não tem refeitório, não tem sala de jantar, não está mobilado e não tem aquecimento e custou 1,1 milhões de euros. Se gastassem 1,1 milhões de euros num hotel, um privado, acha que era rentável? Claro que não. É daí que vem a principal dívida. Claro que isto é gestão danosa.

Agora isso depende das interpretações. A pessoa pode dizer ao juiz ‘eu não sei fazer essas contas porque não sou economista’. Dizer ‘achei que era um bom investimento e afinal foi mau’.

Esta mesa administrativa não pretende avançar com nenhum processo em tribunal?

Eu penso que não. Era um erro. Não há forma de provar. Há coisas que podemos pôr em causa que não têm a ver com a Santa Casa da Misericórdia. Qual é a proveniência do dinheiro deste senhor para colocar 300 mil euros na Santa Casa e que impostos foram pagos relativamente a isso. Há quem diga que era do tio e que ia ser uma doação à Santa Casa, mas não foi. Esse dinheiro foi dado ao professor Bismarck que o colocou na Santa Casa através de uma remuneração, que é legítima. A origem do dinheiro é que podemos pôr em causa.

Que foi um absurdo o que este senhor fez, foi. Ele fazia uma gestão que dava prejuízo e depois metia lá dinheiro. Será que foi tudo pensado para que se um dia se isto caísse ele ficasse com o património? Sim, não tenho a menor dúvida disto.

Ele com os 400 mil euros que tem lá ia ficar com um património de quatro milhões de euros, quem é que não estava interessado nisto?

Foi uma tentativa de “golpe” como já disse?

Foi uma tentativa de golpe. Em boa hora que se conseguiu perceber isto dias antes de ele formalizar outra candidatura. Ele sabe muito bem o que faz, foi tudo premeditado ao mais ínfimo pormenor.

Qual o valor do PER e como está a instituição actualmente?

A instituição já está em equilíbrio. Mensalmente já não está negativa, embora só tenhamos conseguido isso no final de 2018. Conseguimos, em três anos, diminuir os gastos da cozinha em valores monetários de 22 mil euros.

Temos um PER de dois milhões de euros. São 300 mil euros dele [Augusto Bismarck], 300 mil euros da outra parte [processo da Quinta de Fermentões] e mais juros, o que vai para perto de um milhão de euros…

Fora isso, os créditos são coisas do dia-a-dia. O senhor do talho, o senhor da fruta, o peixeiro. Como é que queremos pôr a imagem da Santa Casa credibilizada se não pagarmos isso às pessoas da terra?

Houve pessoas que vieram ter connosco a dizer ‘não vendam o hospital’. Ainda não o conseguimos vender, infelizmente, tem sido uma luta de todos os dias.

Nós aprovamos um PER e demos como garantia o património porque não havia outra forma e essas pessoas não vão receber o dinheiro? A Santa Casa tem de se credibilizar e esse credibilizar passa por ter as contas em ordem, passa por estar aberta aos cidadãos, por ter condições, por as pessoas gostarem de estar na Santa Casa.

Todos os dias pedimos favores a pessoas. Olhe dê-nos aquele donativo, ou não vamos pagar já, faça-nos aquele favor… A instituição tem de conseguir estar livre de todas estas situações.

“A venda do património, se fosse no total, pagava o PER todo, inclusive o do professor Bismarck, e não é esse o nosso objectivo. O nosso objectivo é pagar, mas no tempo correcto”

Neste momento praticamente todo o património da Santa Casa da Misericórdia de Paços de Ferreira está à venda. A venda do património vai resolver isso?

Vai.

Quantos edifícios estão à venda e quanto esperam amealhar?

A venda do património, se fosse no total, pagava o PER todo, inclusive o do professor Bismarck, e não é esse o nosso objectivo. O nosso objectivo é pagar, mas no tempo correcto. O PER já está a ser pago todos os meses, já o estamos a cumprir. Mas se conseguirmos antecipar esse pagamento e em vez de devermos 20 ou 40 mil euros ao senhor do talho conseguirmos pagar já, melhor.

A ideia da venda é pagarmos já e mantermos as contas mensais em equilíbrio. Também temos de fazer algumas obras, alguns melhoramentos que são imprescindíveis.

Se vendermos o hospital, por exemplo, deixamos de ter um pagamento de cinco mil euros de empréstimo mensal, o que é muito dinheiro. Tudo isso vai ajudar a que a instituição fique melhor.

Obviamente que a instituição, depois de estar melhor, também deve crescer, por isso é que existem alguns bens que não estão à venda. Foram autorizados para venda, mas não estão à venda. Esta Quinta de Fermentões, que só pode ser usada para um fim social, não está à venda porque a instituição pode crescer a partir daí.

Uma coisa que nos arrasou foi o facto de a Obra Social Sílvia Cardoso nos ter metido uma impugnação à venda do Lar António Barbosa.

Tinham uma proposta?

Tínhamos uma proposta fantástica de 1,7 milhões de euros em que era condição a compra do hospital e do Lar António Barbosa para um investimento na área da saúde. 1,7 milhões de euros para quem tem dois milhões de euros de PER resolvia todos os nossos problemas e não precisávamos de vender absolutamente mais nada.

Mas eles têm interesse em ter o lar e fazem uma impugnação, o que em tribunal arrasta os processos 10 a 15 anos. E nós precisamos de resolver o problema da instituição agora.

Vamos vender à Obra Social, mas com a condição de que seja para fim social e não pela proposta de 100 mil euros que fizeram em concurso público há um ano.

Já tiveram propostas para os outros imóveis?

Recebemos várias propostas. Tirando esta de 1,7 milhões de euros as outras eram anedóticas. Ofereciam 14 mil euros pelo hospital, 30 mil euros que temos por uma casa junto à Avenida dos Templários que tem um valor de 200 mil euros e coisas deste género.

Nós guardamos as propostas e pensamos: Toda a gente andou a gozar com a nossa cara, agora vamos colocar isto à venda. E vamos negociar na base da confidencialidade. Se vamos dizer valores toda a gente os quer baixar. Os investidores do concelho e arredores estão a ver o dia em que a Santa Casa caia e vá à insolvência para irem comprar tudo ao desbarato. Pode-nos custar muito, mas é a realidade.

A partir daí passamos a trabalhar com investidores de fora de Paços de Ferreira. Para vendermos com valor real de mercado. Num ano não vendemos pelo valor que estava. Chamamos o avaliador que fez novas avaliações. Foi outra vez a Assembleia Geral e temos a expectativa de vender. Estamos em negociações, claro que não as vamos divulgar.

A Casa dos Templários está vendida. O Lar António barbosa supostamente também, à Obra Social, não pelos 100 mil euros que eles fizeram em proposta, mas por 250 mil euros, sendo que o objecto terá que ser social. O hospital não está vendido, mas estamos em negociações muito sérias. Acredito que no espaço de 90 dias vamos vender o hospital.

Para que fim?

Não posso divulgar.

“Temos tudo à venda excepto o sítio onde estamos”

No valor global este património está orçado em quanto?

O valor total da Santa Casa, mesmo de imóveis que não estão à venda é superior a quatro milhões de euros. Daí termos conseguido aprovar o PER.

Porquê estar tudo à venda se há alguns imóveis que não pretendem vender?

Colocamos todos à venda porque é uma oportunidade. Imagine que alguém nos oferece um valor muito acima do mercado de um dos imóveis que não estão à venda. Se for um bom negócio para a Santa Casa porque não? Temos de ver situação a situação.

Temos tudo à venda excepto o sítio onde estamos [o edifício Villa Maria]. Temos uma estratégia na nossa cabeça que é não esquecer o nosso core business que é o lar, a cantina social e o apoio domiciliário à terceira idade.

Todas as vendas vão ter sempre este raciocínio em mente. O resto é valores de mercado. Temos de negociar o melhor possível para a Santa Casa.

E não cedemos. Houve meses, em 2018, em que chegamos ao final do mês e tínhamos zero. Mesmo assim não cedemos.

O seu mandato termina em Dezembro. Pretende sair nessa altura?

Sim, já anunciei isso para ir preparando o caminho. Se 80 a 90% do PER ficar resolvido, e tendo em conta que o equilíbrio mensal já está, acho que fica feito aquilo a que me propus que era resolver a situação, que nunca imaginei que fosse tão difícil, e não tenho a mínima intenção de continuar na Santa Casa. Estou sempre em contacto com a Santa Casa, mas a minha presença é muito difícil. Há muito sacrifício pessoal e profissional.

Teme o futuro da instituição quando sair?

Temo. Estou muito preocupada com isso. Vamos tentar encontrar a pessoa certa. Ninguém é insubstituível. Se calhar nesta fase que passamos a minha componente técnica e a minha área de formação ajudou muito. Depois de estar tudo estabilizado é preciso um provedor presente.

Como é que está a preparar a sua saída?

Quero-me vir embora e deixar a direcção técnica preparada para isto: Quando chegar aqui algum provedor ou mesa administrativa que eles vejam que a gestão é completamente ruinosa ou face a qualquer pequeno indício que eles vão ao presidente do município, ao presidente da junta e falem com todas as pessoas, com antigos dirigentes, para que isso não aconteça. Porque depois é tarde e já a Santa Casa perdeu tudo. Tem de ser quem trabalha lá o guarda da instituição e quem denuncia as situações que não estejam correctas.

Tivemos lá o dr. Brandão, o professor Bismarck, o dr. José Ribeiro… Aprovar o PER custou muito. Mas eu tenho de pensar primeiro na Santa Casa, não é na minha pessoa.

Faltou isso no passado?

Faltou. Faltou alguém aguentar o que não gosta a bem da Santa Casa. No tempo em que o dr. Brandão saiu a Segurança Social ficou a gerir a Santa Casa. Isso tem um custo enorme para nós nos dias de hoje. Temos 60 utentes e 40 estão alocados à Segurança Social, em que a Segurança Social só nos paga 300 e poucos euros. Quem fez este contrato foi a própria Segurança Social. E nós devíamos ter 10 utentes assim e não 40. Se as pessoas pagassem 1200 ou 1500 euros como outras pessoas pagam não estávamos neste problema.

Está-nos a custar muito dinheiro os provedores saírem à revelia, saírem sem deixar o espaço aberto, não serem correctos e as pessoas deixarem andar.

Neste momento, tirando a estratégia, a verificação de documentos legais, a gestão do dia-a-dia foi feita para as pessoas que lá estão conseguirem fazê-la. Em 99% das reuniões da mesa administrativa actual a direcção técnica e a parte financeira estão presentes. São eles que têm de saber o que se passa na instituição e são eles que têm de saber tomar conta da instituição. Se alguém vai para lá aproveitar-se da instituição são eles que têm de denunciar no momento certo, que é logo.

O ponto em que a instituição está hoje é resultado das más provedorias do passado?

Sim. Completamente. Principalmente a questão da imagem. Temos tentado todos os dias alterar isso. Estamos a tentar levar as pessoas para a Santa Casa.

A Santa Casa da Misericórdia de Paços de Ferreira acaba de completar 107 anos. Qual a importância da instituição nesta comunidade?

A instituição tem 107 anos e é importante, não por ter 107 anos, mas porque é um lar de terceira idade sem fins lucrativos. Isto merece uma reflexão profunda nos dias actuais. A longevidade aumentou e, cada vez mais, a sociedade está individualista e global. As famílias são disfuncionais e este tipo de valências são importantíssimas, têm de fazer parte da sociedade e aumentar.

Nós devíamos aumentar o número de vagas porque somos uma instituição sem fins lucrativos. Há muitos privados interessados em abrir lares porque é o negócio do futuro. Estaremos nós preparados a nível financeiro de passarmos a pagar a lares privados 2500 a 3000 euros mensais, teremos reformas para isso? Não. Toda a população deve estar envolvida neste tipo de instituições, ajudá-las e fazer parte. Porque este é o nosso lar no futuro e não apenas o lar dos outros.

Que valências têm actualmente e quantos utentes?

Temos lar, apoio domiciliário e cantina social. No lar são cerca de 60 utentes, na cantina social cerca de 50 e no apoio domiciliário são apenas 10. É objectivo alargar, mas é um processo complexo. As vagas no lar estão completas. Não podemos crescer no imediato, mas em quatro a seis anos se as coisas correrem bem existe a Quinta de Fermentões que pode ajudar nesse sentido e ser um novo polo.

Quais acha que são as principais questões que esta instituição vai enfrentar no futuro?

A nossa preocupação deve ser sempre a parte financeira, ela ainda não está resolvida, nomeadamente o PER. Depois de isso estar resolvido aquilo que queremos é melhorar as condições de vida dos nossos utentes. Já conseguimos fazer algumas melhorias, mas também temos de ter uma parte emocional, espiritual, física, preparar a instituição melhor para as doenças que se vislumbram de futuro, como Parkinson e Alzheimer.

Queremos fazer lá cinema, meter um ginásio, melhorar a alimentação, meter internet, ter um psicólogo, um enfermeiro permanente, um fisioterapeuta, alguém que se preocupe com a espiritualidade da instituição, ter trabalhos manuais… Temos que fazer um jardim, ter actividades, ter as pessoas locais que possam ir lá.