Quando esta crónica sair no jornal, estará a decorrer a conferência de imprensa de apresentação da nova Exortação apostólica do Papa Francisco, acerca da vida familiar. Algumas informações já são públicas. Em primeiro lugar, o título, tirado das palavras iniciais «Amoris laetitia». Os comentadores mais atentos repararam que são as primeiras palavras de uma frase de Bento XVI, concretamente da Carta apostólica «Porta fidei»:
«Amoris laetitia, responsio ad tormentum passionis et doloris, robur veniæ præ suscepta offensione…», ou seja: «A alegria do amor, a resposta ao drama do sofrimento e da dor, a força do perdão em face da ofensa recebida e a vitória da vida perante o vazio da morte, tudo se cumpre no mistério da Encarnação, no acto de Jesus Se fazer homem, de partilhar connosco a debilidade humana, para a transformar com a potência da sua Ressurreição».
O título do recente livro do Papa Francisco, «O nome de Deus é misericórdia» também era uma expressão de Bento XVI, concretamente: «A misericórdia é na realidade o núcleo central da mensagem evangélica, é o nome próprio de Deus, o rosto com o qual Ele Se revelou na antiga Aliança e plenamente em Jesus Cristo» (homilia, 30 de Março de 2008).
Quando a pessoa começa a notar estas coincidências, fica atenta para reparar em muitas outras: por exemplo, a escolha do Cardeal de Viena, o discípulo mais próximo de Bento XVI, para apresentar a Exortação apostólica «Amoris laetitia».
Não é a primeira vez que as referências bibliográficas são significativas no discurso do Papa Francisco. Por exemplo, quando as frases de alguns documentos, como a «Evangelium gaudium» ou a «Laudato Sì», fizeram furor, pela veemência da expressão – quase violenta, para a sensibilidade de alguns –, os leitores ficavam surpreendidos ao reparar que se tratava de citações da Escritura e, muitas vezes, de palavras textuais de Cristo. O próprio Papa explicou que o fazia para mostrar que não estava a instituir novidades, apenas a propor a genuína mensagem cristã.
Quem esperava que esta nova Exortação abrisse caminhos fáceis, vai encontrar estradas santas, verdadeiras, um mapa direito para chegar ao Céu. Desilusão? Pelo contrário! A surpresa de que Deus nos ama e torna possível o que pareceria difícil ou impossível. A mensagem do Papa é clara: não são conselhos tristes, é a alegria do amor (amoris laetitia). Do amor verdadeiro e puro, que leva a Deus.
Por vezes, a vida complicou-se. Um gesto impensado, sem medir as consequências, e criou-se uma situação difícil de resolver. Onde está a justiça? Parece que está num lado e também no seu oposto. Onde está a felicidade? A razão aponta numa direcção, mas a pessoa vê o sol a brilhar na outra ponta. O Papa Francisco tem qualquer coisa a dizer sobre o assunto, da parte de Deus. A justiça e a felicidade estão do mesmo lado e Deus também. A questão é ganhar a coragem de se pôr a caminho e confiar em Deus.
Há um conselho de Jesus que parece deliberadamente errado: «não apagueis a torcida que fumega!». Todos sabem que quando a torcida de uma vela só deita fumo, não há nada a fazer. O Papa tem outra opinião, acha que Cristo tem um sopro especial. Em vez de apertar nos dedos a torcida que fumega, para que deixe de incomodar, Deus aplica-lhe um sopro novo, que faz brotar labaredas.
O povo terá razão, quando diz que não há fumo sem fogo? Mesmo aquele fiozinho de fumo, já frio?