Breve lembrança: Como chegamos aqui ?
No ano 2000, depois de ter investido milhões de contos (era ainda antes do euro) no melhoramento da rede de água e saneamento do concelho, a Câmara, então de maioria PSD, presidida pelo Dr. Fernando Melo, procedeu à “concessão”, por 30 anos, da exploração da rede de água e saneamento (SMAS) a uma empresa multinacional, então VEOLIA. Ou seja, privatizou o abastecimento de água e o serviço de saneamento e tratamento de águas residuais no concelho.
O PS, onde já pontificava José Manuel Ribeiro como vereador, votou contra, não por estar contra a privatização, mas porque não concordava com o “método” e o prazo de 30 anos… Quatro anos depois, a empresa exigiu e obteve da Câmara PSD um alargamento do prazo para 36 anos e deixou de pagar as rendas acordadas no contrato, cujo valor, segundo um estudo feito para a câmara, rondaria os 632 mil euros por ano, mantendo-se a previsão do aumento do consumo, mesmo sem qualquer estudo económico/financeiro que a sustentasse. Nessa altura, o PS absteve-se na votação na Câmara, lavando dali as mãos como Pilatos.
Em resultado da concessão – privatização dos SMAS, uma empresa privada obteve, para explorar e ganhar fortunas à custa dos valonguenses, uma rede de abastecimento de água e saneamento, com os seus depósitos, estações elevatórias, canalizações, ETAR, edifícios, etc.. E, tudo isto, sem ter investido um cêntimo. Hoje em dia, continua a não pagar rendas de nada e a Câmara não recebe um cêntimo da exploração do abastecimento de água nem do serviço de saneamento, pelo qual os munícipes pagam uma taxa.
Ao mesmo tempo, os termos do contrato, armadilhado desde o início, permitem à atual empresa, Bewater, fazer exigências à Câmara de “reposição do equilíbrio económico-financeiro”, ou seja de indemnizações pela água que devia ter faturado e não faturou e dos efluentes que deviam ter passado pelos esgotos e não passaram.
Como é que isto se passa?
Segundo o dito contrato de “concessão”, os valonguenses deviam ter gasto nos últimos cinco anos os metros cúbicos de água e produzido também os metros cúbicos de efluentes indicados no quadro. Ora, segundo as contas que a empresa Bewater apresenta, o consumo de água e produção de águas residuais naquele período foi sempre muito menor, como se mostra no quadro abaixo.
Ano | Consumo de água previsto (m3) | Consumo de água faturado (m3) | Produção de águas residuais prevista (m3) | Produção de águas residuais faturada (m3) |
2011 | 5 527 972 | 4 212 750 | 4 916 479 | 3 818 732 |
2012 | 5 660 195 | 3 887 806 | 5 043 600 | 3 629 346 |
2013 | 5 794 826 | 3 993 130 | 5 172 794 | 3 722 951 |
2014 | 5 931 855 | 3 874 655 | 5 304 249 | 3 687 409 |
2015 | 6 071 315 | 3 989 741 | 5 438 056 | 3 782 726 |
Ou seja, nestes cinco anos a empresa faturou cerca de 30% menos que o “previsto”. Como o contrato diz que se o consumo for menos 20% que o “previsto” a empresa tem direito a ser indemnizada, decorrem agora na Câmara as negociações com esse fim. A Câmara está endividada e sujeita às graves limitações do Plano de Apoio à Economia Local, mecanismo para a ingerência dos Governos centrais na vida das autarquias e para a limitação da sua autonomia e atividade. Apesar do parecer negativo da Entidade Reguladora (ERSAR), existem fortes indícios de que o PS, no seguimento do que tem sido a prática, se inclina para satisfazer todas as exigências da empresa, consumando-se assim mais um aumento exorbitante do preço da água e saneamento a pagar pela população de Valongo.
Como foram feitas estas previsões de consumo?
Não podemos acreditar que uma empresa que explora sistemas de abastecimento de água e de saneamento em todo o mundo, nem mesmo os responsáveis da Câmara que negociaram tal contrato, sejam incompetentes a ponto de terem feito tão mal as contas e cálculos tão distantes da realidade. Portanto, podemos até pensar que tais números teriam sido propositadamente inflacionados, com o propósito de a empresa vir a obter lucros complementares aos que o contrato de concessão-privatização já lhe proporcionava.
Conclusão
Na ocasião da privatização dos SMAS, o PCP e os seus eleitos na CDU denunciaram-na como sendo lesiva para a população e para o Município. E assim tem sido. Para os munícipes, aumentos sucessivos da fatura da água e lançamento de taxas absurdas chamadas “tarifas de disponibilidade”. Para a Câmara, despesas enormes e endividamento, além da perda da importante fonte de receitas que eram os SMAS (Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento).
Quanto ao resto? A ETAR de Ermesinde cheira mal e é mais um fator de poluição do Leça que da sua despoluição. A ETAR de Campo ultrapassou há muito o limite de capacidade e espalha um fedor insuportável pelos arredores. E tudo indica que, a muito breve prazo, os valonguenses serão contemplados com mais um aumento na sua fatura da água.
Quem ganhou com a privatização dos SMAS? – Valongo? Não. Veolia,s Be Water,s “Águas de Valongo”, certamente. Mais alguém terá lucrado com a operação? É possível. A população de Ermesinde e o Município que ela paga com os seus impostos e taxas, tiveram tudo a perder.