Era uma vez um clube de futebol com o nome de um concelho que tinha mais clubes de futebol do que freguesias. Esse clube porque tinha o nome do concelho todo achava-se no direito de ser o mais representativo dessa terra. O privilégio foi-lhe sendo concedido por muitos anos pese embora os restantes clubes reclamassem sempre igual protagonismo e protecção. Aliás, numa terra onde, como cogumelos, proliferam os clubes de futebol seria expectável que um dia se unissem todos em nome do engrandecimento dos que querem representar sem que isso implicasse a perda de identidade de cada um. Pronto, nessa terra, era falar para o boneco pensar que o concelho podia desenvolver-se também através de políticas de desporto. Com todos, para todos e sem excluir alguém.
Voltemos ao hipotético clube e ao imaginário do sócio do camarote número dois. O número um era mais pequeno e dele beneficiava justamente o advogado que sempre defendeu o clube sem que por isso cobrasse qualquer custo.
Houve um tempo, em sintonia com o crescimento económico do concelho, que o clube, uma vez por outra, aspirou a voos mais altos. Objetivos nunca concretizados porque o que sobrava em dedicação e generosidade aos dirigentes da época escasseava em capacidade de organização e planificação. O futebol, na altura, também era muito diferente dos tempos atuais. Mas uma coisa era certa: quem dirigia o clube e quem assistia aos jogos era gente que sentia o clube de tal maneira que, tantas vezes, colocava em causa o seu sustento e o bem estar dos seus. Tudo em nome da paixão que este desporto desperta ainda hoje.
Como os tempos mudam também os interesse se alteram e eis chegado o tempo da política se meter no futebol. Está provado que nunca é uma boa solução. Registe-se, contudo, que mesmo depois de obrigado a repor as cadeiras com as cores indicativas do clube que tinham sido retiradas por livre arbítrio do autarca, uma coisa teria sempre sobrado, pese embora o autarca até ser adepto de outro clube que não o do concelho que agora representava. Nunca o clube teria sido posto na rua e espoliado de um património que tacitamente seria sempre seu.
Concretizemos cronologicamente, mais uma vez com recurso à fertilidade da imaginação.
Com épocas de maior sucesso e outras de grandes dificuldades, o clube chega a 1999.
A especulação imobiliária, embrião da bolha que caracterizou a crise que se aproximava, aproximou perigosamente os construtores dos autarcas, os primeiros tornam-se dirigentes desportivos e passam a “abrigar-se” nos clubes como forma de conseguirem benefícios que sempre resultam da promiscuidade entre o poder político e os interesses económicos.
Entretanto, para esse clube, constroem-se apartamentos, que, inicialmente previstos para seu rendimento permanente, acabam vendidos. Entretanto, também, do valor da venda sobram sempre uns milhares para o construtor e para o autarca. Uma coisa do género: o apartamento é vendido por 24.000 contos. A empresa construtora recebe em 3 cheques. Um de 20.000 e dois de 2.000. Mau, muito mau, mesmo!
E o rendimento para o clube? Só aparentemente cai nos seus cofres. Os 2 cheques de 2.000 contos de cada um dos 18 apartamentos desaparecem para contas que só alguns conhecem. O cheque dos 20.000 entra nas receitas do clube e, no mesmo dia, é retirado para a conta pessoal do presidente do clube que, mero acaso, é também o dono da empresa construtora. Motivo: o dinheiro é devido ao presidente porque ele é, também, credor do clube.
Resultados:
– O lucro fica nos presidentes e a receita no clube. Logo, os primeiros nem sequer pagam impostos dos proveitos indevidos e o clube vê-se a braços com lucros que não teve e sujeito a impostos sobre os lucros. E assim se criou a enorme dívida fiscal do clube. É que nem a Segurança Social recebeu um tostão que fosse. Isto para não falar do IRC. Caiu tudo nos bolsos de alguém de quem os sócios desconfiam, mas não se atrevem a desafiar.
Assim se reduz a cinzas também a argumentação dos que se armaram em salvadores do clube. As dívidas fiscais nunca resultaram da negligência dos dirigentes, mas só dos interesses de um ou outro presidente.
Entretanto, antes de 1999 e até hoje, passaram pelo clube dirigentes que nem sócios eram, presidentes ali colocados por força do poder político partidário, funcionários que chegaram a beneficiar de 3 vencimentos em simultâneo, presidentes que nunca prestaram contas aos associados e uns tantos que só se doeram pelo clube enquanto os seus filhos ali jogavam. Houve até presidentes que por deixarem de ganhar 300 euros à conta do clube se aliaram aos inimigos do clube para poderem voltar a beneficiar de nunca mais se soube quanto. E pode ser muito, para além dos “empregos” aos familiares. Como era de esperar, facilmente se zangaram os compadres que é o que acontece a quem vai com muita sede ao pote ou a quem quer para si o que ambos desejam.
P.S.: por evidente e excessiva necessidade o texto repartir-se-á. Tudo em nome da criatividade do pensamento como de coincidências impuras. Vertem-se assim, consequentemente, os habituais MEL e o FEL.
Tudo, também, para obter uma moral para a história: SAD num clube de futebol amador? Nunca. Nem no Belenenses.