A propósito do Dia Internacional Pela Erradicação da Pobreza, que se celebrou esta semana, lembrei-me de uma história que me angustiou de uma família que conheço.
Embora tenha mantido com os membros dessa família uma relação de amizade próxima durante quase 20 anos, por circunstâncias da vida, ultimamente esse contacto tornou-se menos frequente, mas, há uns meses, reencontrei-os e aproveitámos para pôr a conversa em dia. Aos poucos, fui percebendo que estavam a sair de uma situação de dificuldades financeiras tão penosas que só lhes tinha permitido fazer uma refeição diária. Por vezes, essa refeição tinha sido um tacho de arroz com uma fêvera de porco cortada aos bocadinhos, para quatro pessoas.
Confesso que fiquei chocado pelo que ouvi e também por ter andado tão distraído com os afazeres da vida que nem consegui aperceber-me de que aquelas pessoas minhas conhecidas passavam tão mal.
Um estudo recente da Universidade Nova de Lisboa afirma que uma em cada cinco famílias portuguesas se encontra em situação de insegurança alimentar, quer por não ter acesso a uma alimentação saudável, quer por motivos financeiros. Esta era uma dessas famílias.
Este é o exemplo de uma família urbana, com os pais desempregados, tendo, mesmo assim, de honrar os encargos com os filhos e com a habitação. Não podendo fugir às despesas fixas, cortam na alimentação como único meio de equilibrar o magro orçamento familiar.
A existência de famílias que têm de suprimir refeições por não terem meios suficientes para se abastecerem com bens alimentares suficientes contradiz, claramente, toda esta imagem que agora se tenta dar de desenvolvimento social e económico do país. E é um problema que nos deve preocupar e que impõe novos modelos de apoio alimentar.
É certo que não podemos desvalorizar os modelos tradicionais de complementaridade dos apoios sociais do Estado assentes nos bancos alimentares, na Igreja católica e nas IPSS, mas é necessário prevenir a insegurança alimentar que pode bater à porta de qualquer um de nós. Isso pode ser feito desde cedo na escola, preparando os alunos para a compra, conservação e reaproveitamento de alimentos e a produção de refeições baratas mas saudáveis.
Devemos desenvolver sistemas que nos preparem para responder o melhor possível aos tempos de dificuldades familiares, dos quais ainda não saímos.