Foto/Márcia Pimparel Vara

Apaixonado, lutador, mas também sonhador. Estes foram alguns dos adjetivos mais ouvidos no lançamento do livro “Comboio Rápido”, de Joaquim Martinho, que decorreu no salão nobre dos Bombeiros de Paço de Sousa, em Penafiel, e que foi pequeno para receber todos aqueles que quiseram homenagear o autor que, quatro dias antes, “decidiu” entrar na locomotiva que o levou à “terra nova”, como gostava de lhe chamar.

Antes de iniciar a última viagem, disse à mulher e aos filhos que tinham que seguir em frente, não só com a vida, mas com a apresentação do seu romance. E assim foi. Martinho não esteve presente, mas quase não se notou a sua ausência.

A companheira de uma vida, Maria de Lurdes, misturou lágrimas e sorrisos, e recebeu afetos de uma plateia que teimou em mostrar que o autor era um homem com valores e um coração gigantes. Em entrevista ao VERDADEIRO OLHAR, não conseguiu esconder a dor que se sente, quando se vê partir “o amor de uma vida, o cúmplice de 50 anos”. Mas o sentimento foi, por instantes, apaziguado pelo vislumbre de uma sala “cheia de gente, com amigos e família”. “Todos dizem coisas maravilhosas do Martinho”, disse, com a voz embargada.

Mas outra coisa não seria de esperar, porque Maria de Lurdes conhecia o marido como ninguém e nunca duvidou que “era um ser humano maravilhoso”. Só que, por vezes, há pessoas que por serem tão justas e corretas “não são bem compreendidas”. Mas este lançamento do “Comboio Rápido” veio provar que todos decifraram Joaquim Martinho. E ficamos com a certeza que fez bem em defender os seus sonhos, que pareciam utopias, porque não tem mal nenhum ser-se utópico. Porque “se todos fizermos um bocadinho, o mundo será um lugar bem melhor”, disse Maria de Lurdes, elencando as palavras do marido que, muitas vezes, também citava a canção ‘Trova do Vento que Passa’, de Manuel Alegre: “mesmo na noite mais triste, em tempo de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”.

Foi há cerca de 10 anos que esta viagem de Martinho para a “terra nova” foi vaticinada, quando lhe foi diagnosticada Esclerose Lateral Amiotrófica, que tem uma sobrevivência média prevista não superior a cinco anos. Conseguiu atrasar a viagem, sem medos e sem incertezas, porque se agarrou à escrita e ao amor. Partiu quatro dias antes da apresentação do último romance. Maria de Lurdes quis adiar, mas foi demovida pelo marido que, um dia antes de falecer, lhe pediu que não o fizesse. E ainda bem que não o fez, porque ali foi possivel apaziguar a dor e celebrar a liberdade e o amor.

Martinho partiu, e agora? A também professora, que deixou o ensino para ser cuidadora, assegrou ao VERDADEIRO OLHAR que vai continuar a viagem por cá, “com muito amor, com os filhos, a família, os amigos e a pensar” no marido “todos os dias”, porque só assim vai “conseguir ter força”. O casal teve uma vida repleta e viajou pelos quatro cantos do mundo. Antes do diagnóstico da doença, planeavam visitar a Austrália, o único continente que não conheciam. Agora, Maria de Lurdes promete que vai cumprir este sonho adiado, com a garantia que Martinho também vai, leva-o no coração.

E no coração vai ficar-lhe, com toda a certeza, a imagem de um salão replo de pessoas que quiseram levar para casa um pedacinho de Joaquim Martinho, através do “Comboio Rápido”. O livro fala de um tempo imaginado, mas real. Em 1970, o professor pegou na mala e partiu sozinho, para Lisboa. Quis fazer exame para entrar como aprendiz para a CP. E é a partir desta paixão pelas locomotivas, que nasce a história, que começa no início da década de 50, numa viagem que termina em abril de 1974, com lugares e tempos narrados, absolutamente identificados e identificáveis, de um mundo que nos é familiar. As viagens de comboio, entre o Pocinho e S. Bento, “são o mote para os acontecimentos”, onde se confrontam a “lavoura interior” e “a cultura citadina de um Porto altivo e orgulhoso”, com as “locomotivas a vapor” a testemunharem, de forma ruidosa “um Portugal em mudança”.

É por este traçado que segue o romance, porque apesar de ser um apaixonado pelo carris, Joaquim Martinho gostava de viver fora deles. E viveu! Contrariou a doença, porque esteve aqui muito para além do que seria expectável e, apesar de estar amarrado a uma cadeira de rodas, fartou-se de viajar através da sua imaginação. Viveu a vida numa tombôla que agora parou.

Já a cerimónia do lançamento do livro terminou com todos os presentes em pé a cantarem “grândola, vila morena”. Porque tal como José Afonso, Joaquim Martinho não foi invisível, mas divísivel, porque tocou o coração de muitos e também passou pela vida a lutar por uma felicidade igual para todos.