A relação das cores com as memórias vividas, antigas e, sobretudo, as do último ano, assim como pensamentos ou críticas sociais podem ser desvendados no “Versos, Memórias e Pensamentos de um Daltónico”, um livro de não-ficção e poesia, da autoria de Miguel Ferreira, um jovem de 23 anos, natural de Penafiel.
A obra, a terceira da sua autoria, vai ser apresentada sexta-feira, às 21h00, na Casa da Cultura de Paredes.
Miguel Ferreira é daltónico, o que não o impediu de criar uma palete de cores que desvenda cada um dos capítulos deste livro. Cores que o autor associa a histórias ou memórias. Começou a escrever esta obra quando estava doente, com covid. A ideia já andava a planar na sua cabeça, há muito tempo. No início do ano estava nos Estados Unidos a estudar cinema, mas a morte do avô fê-lo regressar a casa. Depois, ficou doente com covid e, nessa altura, sentou-se em frente ao computador e começou a pôr aquela ideia deixada lá atrás, em prática.
“Aproveitei aqueles dias de confinamento e comecei a escrever”, disse ao Verdadeiro Olhar. Colocou no ‘papel’ notas de “felicidade plena” da sua infância e o “concretizar de um sonho à perda de um herói”, como se pode ler na sinopse. E esta viagem, que tem também o pano de fundo do “desamparo e tristeza inigualáveis”, encerra versos e “pensamentos mais íntimos”.
Miguel tem dificuldade em perceber as cores, mas não vê o daltonismo como algo negativo, pelo contrário. É que além da escrita, este jovem de Termas de S. Vicente, é apaixonado pelo cinema. Aliás, é formado nesta área e audiovisual, pela Escola Superior Artística do Porto, e em argumento e dramaturgia, pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo.
Do seu currículo consta que escreveu e realizou “um documentário, três curtas-metragens e também uma peça de teatro originais”, trabalhos feitos ao longo do seu percurso académico. E é aqui que reside a sua grande paixão.
O facto de ser daltónico pode interferir pela forma como vê o mundo, mas esta característica acaba por ser “vantajosa”. Porquê? Porque deixou para trás aqueles tempos “do gozo dos colegas de escola, quando não sabia distinguir as cores, e hoje é uma pessoa que aproveita o facto de “ver o mundo de maneira diferente”. É algo positivo. “É bom ser diferente”, considerou. E a propósito falou de Quentin Tarantino, um dos cineastas com maior projecção internacional da actualidade e que também é daltónico. Aliás, e ao nível da sétima arte, Miguel Ferreira diz mesmo que esta característica “é uma mais-valia”, a sua “percepção do mundo é diferente das outras pessoas”.
E depois de ter escrito três livros, este que agora apresenta e “Código de Conduta: Valdemar” e “Código de Conduta: Dolores”, que são ficções históricas românticas, o jovem quer realizar-se na arte do cinema. Se isso acontecer, Miguel fará o percurso inverso de Tarantino, que anunciou deixar o cinema porque terá chegado a hora de se dedicar à literatura. “A realização de filmes é um jogo para os jovens. O mundo do cinema está sempre em mudança e eu faço parte da velha guarda”, disse, na altura.
Miguel quer viajar para Hollywood e entrar no mundo dos filmes de entretenimento”. É apologista de “esquecer os problemas e viver uma história”, e esses ingredientes não constam das películas que se fazem, por exemplo, na Europa, que “são mais artísticas e políticas”. E é essa carga que este jovem de Penafiel quer deixar para trás ao abraçar a ficção que se faz em Los Angeles.
Mas, para já, Miguel Ferreira vai continuar por Penafiel. Uma cidade “onde há tudo”. E enumerou, “tempos cinema, um grande festival de música, literatura, entre outras coisas, e perto de casa”. E vai continuar a aproveitar estes pequenos prazeres enquanto não consegue viver na capital do mundo do cinema, porque, como dizia Scarlett O’Hara, em “E tudo o vento levou”, “afinal, amanhã será outro dia”.