“Com os tratamentos fiquei com o corpo muito diferente, fiquei sem cabelo, e fui-me muito abaixo em termos mentais e de auto-estima. Andava sempre muito triste e tinha crises de choro. Mas quando comecei a vir ao reiki e à psicóloga notei logo diferenças em termos mentais”. O testemunho é de Florbela Moreira, de 41 anos, uma doente oncológica que já perdeu a mãe a avó para o cancro.

É uma das 50 beneficiárias, entre doentes e familiares, das consultas de psico-oncologia e sessões de reiki gratuitas realizadas em Penafiel, e que nasceram através de protocolos com a Liga Portuguesa contra o Cancro e a Associação Portuguesa de Reiki, para dar resposta a necessidades sentidas pela Câmara Municipal.

Quem atravessa um cancro e passa pelos tratamentos sofre mudanças físicas e sente medos, ansiedade, stress, depressão, insónia, perda de auto-estima e dor física e mental. Com estas sessões sentem melhorias e dizem-se mais relaxados e capazes de pensar em si próprios, havendo mesmo quem relate que deixou de precisar de anti-depressivos.

“As consultas fazem-me mesmo muito bem. Prefiro isso a qualquer comprimido”

A Câmara de Penafiel diz que disponibilizar sessões de reiki e consultas de psico-oncologia, gratuitas, a doentes oncológicos e aos seus familiares, é inovador ao nível municipal.

“O reiki é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como tratamento eficaz contra a dor e como tratamento alternativo no combate ao cancro. É mesmo considerado fundamental para quem enfrenta a doença, actuando no aspecto emocional, mental e também físico do doente, favorecendo o alívio das dores e combatendo o e até mesmo a depressão, na sequencia da doença ou do tratamento”, salienta a autarquia, lembrando a elevada incidência de cancro existente em Portugal.

A mesma fonte garante que “diversos estudos científicos evidenciam que o reiki e apoio psicológico têm dado um contributo activo no combate à doença, aumentando o conforto e o bem-estar”.  Este projecto do município abrange não só doentes (em fase aguda ou em recuperação), mas também as suas famílias e são, actualmente, cerca de 50 os beneficiários.

Helena e Florbela têm em comum a idade – 41 anos – e também a luta contra o cancro da mama. Ambas reconhecem que a doença as levou ao fundo e que precisaram de ajuda para se reerguerem.

Há 10 anos, com duas filhas pequenas que a fizeram agarrar-se à vida, Helena Mateus teve de lidar com a retirada do peito, meses a fio de tratamentos “e muito sofrimento”. Nunca teve alta, pelo que persistiu sempre o medo. “Foi muito difícil no início. Tive de retirar logo o peito, as minhas filhas eram muito pequenas e tentei lutar sempre por mim e muito mais por elas. Dizem que da mama está tudo bem, mas existia ali um receio. Agora tenho uma metástase na coluna diagnosticada”, conta. Teve de regressar à quimioterapia.

Desde o inicio que começou logo a ser acompanhada nas consultas de psicologia do IPO do Porto. Entretanto, foi encaminhada para as consultas do gabinete criado em Penafiel, útil por ser “mais perto” e também pelo “atendimento muito bom” que encontrou, garante a penafidelense. “As consultas fazem-me mesmo muito bem. Prefiro isso a qualquer comprimido. Faz-me bem desabafar. Falar com a família é mais difícil, mas com um profissional é mais fácil porque entende os sentimentos de que falo”, explica Helena Mateus. Também tem acesso às sessões de reiki que a fazem ficar “muito mais calma”. “No início fui-me muito abaixo. Quando comecei a ser acompanhada já foi mais fácil e melhorei muito desde que vim para este projecto. Ganhei auto-estima e consegui superar ainda mais. Neste momento, por iniciativa própria, deixei os comprimidos anti-depressivos”, relata.

“É um cantinho para mim onde estou sozinha, seja na psicóloga ou no terapeuta do reiki, para reflectir um pouco, só por mim”, acrescenta.

É que o medo continua. “Nunca me disseram que estava curada na totalidade e, com esta metástase na coluna, fico sempre com muito medo. Por isso, tento estar sempre nestas consultas para tentar esquecer um pouco, ter um bocado de auto-estima e confiança em mim e falar desses medos”, justifica.

A filha de Helena, também chamada Helena, estudante de enfermagem, de 20 anos, só vê benefícios. “Sinto que a psicologia a tem ajudado muito a arranjar estratégias para lidar com a sua situação e que o reiki a tem ajudado a relaxar, devido à tensão do dia-a-dia. Tira um tempo para ela, longe do trabalho e da família o que também é preciso”, diz.

O medo do cancro e de deixar a filha

A avó e a mãe de Florbela Moreira faleceram de cancro. “A minha avó teve cancro de mama e a minha mãe faleceu com cancro nos intestinos, morreu muito nova aos 36 anos, e havia sempre um receio do cancro”, confessa. Por isso, quando ela própria percebeu que tinha um nódulo no peito e recebeu o diagnóstico, em 2020, tudo lhe passou pela cabeça, não esconde. Assolou-a o medo de deixar a filha, de 18 anos, com Síndrome de Down, de quem é cuidadora, mas foi também ela que lhe deu as forças para lutar.

Tem vivido tudo – desde a cirurgia aos tratamentos de rádio e quimioterapia – em pandemia, o que ainda complicou mais a situação e os obrigou a isolar-se em família. “Quando começou o covid começou a minha doença, o que não ajudou. Apalpei um nódulo e fui à médica, fiz ecografia e colheita para análise. Era cancro”, conta. Fez quimioterapia e depois foi operada para retirar o tumor. Seguiu-se a radioterapia e agora está com medicação oral, “o procedimento normal”.

Ainda não está curada e as mudanças foram muitas. “Com os tratamentos fiquei com o corpo muito diferente, fiquei sem cabelo, e fui-me muito abaixo em termos mentais e de auto-estima. Andava sempre muito triste e tinha crises de choro. Mas quando comecei a vir ao reiki e à psicóloga comecei notei logo diferenças em termos mentais”, admite. “Trabalhei logo a auto-estima e, aqui no reiki, aprendi a manter-me mais calma, a pensar mais em mim e a ter mais contacto com a natureza. Sinto melhorias”, garante.

Nuno Nunes, formador e terapeuta de reiki, fundou o núcleo de Penafiel em Julho de 2014. Há muito que fazem sessões particulares a doentes de cancro, mas é recente o protocolo que permitiu alargar este serviço de forma gratuita a quem é encaminhado pelo gabinete de pscio-oncologia. Atesta que os relatos dos benefícios em doentes e familiares são muitos. “O reiki faz bem ao nível do bem-estar mental e emocional dos pacientes. No IPO há reiki há muitos anos. As pessoas quando fazem quimioterapia podem fazer uma sessão de reiki antes, para se sentirem mais calmas, emocional e mentalmente, ou podem fazer depois para ajudar a reduzir efeitos como as náuseas ou para ajudar a dormir melhor”, dá como exemplo. “Os relatos dizem isso, que quando fazem sessões de reiki antes ou depois da quimioterapia os efeitos são menores”, refere.

 Já os cuidadores “às vezes não têm tempo para eles” e as sessões podem ajudar a dar mais motivação e a ter menos ansiedade. “Mentalmente conseguem estar mais calmos e menos ansiosos com o dia de amanhã. Se eu estiver bem posso ajudar o outro”, lembra Nuno Nunes.

“O reiki trabalha o eu, a calma, a confiança, a auto-estima. Incentiva a pessoa a cuidar mais dela, apesar da situação que está a viver, e a tentar ser mais feliz”. Por isso, o terapeuta não estranha que possa haver uma redução nos anti-depressivos, por exemplo. “Se eu tiver boas atitudes e pensamentos, se reduzir os pensamentos negativos, a ansiedade e a depressão pode diminuir, depois cabe ao médico ver que a pessoa está mais estável e reduzir a medicação”, adianta.

As sessões são sempre idênticas. Numa pequena conversa são estabelecidos os objectivos da sessão, normalmente ter mais calma, reduzir a dor ou conseguir dormir. “A maioria das queixas são sobre dores físicas, ansiedade e noites mal dormidas”, explica o terapeuta. É ainda abordada a escala de dor e dado um poema para reflexão. Nuno Nunes defende que é preciso abrir ainda mais portas a esta “terapia complementar”.

Mais proximidade no apoio evita deslocações ao Porto

O apoio a doentes oncológicos em Penafiel remonta a 2018, quando foi estabelecido protocolo com a Liga Portuguesa contra o Cancro.

“Tentamos dar especial atenção aos nossos doentes oncológicos, garante Daniela Oliveira, vereadora da Saúde da Câmara de Penafiel.

“Surgiu a possibilidade de, através do núcleo de Penafiel, criar esta parceria e serem disponibilizadas a título gratuito sessões de reiki aos nossos utentes do gabinete de psico-oncologia, que são cerca de 50. Muitos familiares também recorrem ao gabinete”, salienta.

“Estes tratamentos eram sobretudo no Porto, e há quem não tenha retaguarda familiar e tenha de ir de transportes públicos. Este gabinete veio criar maior proximidade, permitindo aceder aos tratamentos, e o reiki complementa e ajuda com a auto-estima e os efeitos colaterais”, acrescenta a autarca. “Não é uma cura, mas é uma ajuda”, atesta ainda.

O objectivo é criar ainda mais apoios. Actualmente, no âmbito do Plano Municipal Solidário, os cidadãos mais carenciados e portadores de doença oncológica têm apoio à medicação comparticipada ou não pelo Serviço Nacional de Saúde.