Registar, divulgar e proteger o trabalho dos artesãos de Penafiel, reavivando e valorizando as técnicas ancestrais, transmitindo o saber-fazer entre artesãos e a comunidade e promover a ligação entre a tradição e a modernidade. São esses os grandes objectivos dos workshops do projecto “Das Artes e Ofícios Tradicionais de Penafiel”, que estão a decorrer no Museu Municipal de Penafiel.
A iniciativa, promovida pela Câmara Municipal de Penafiel, no âmbito do programa EDP Tradições 2019/2020, que visa dar visibilidade à cultura e tradições locais, colocou artesãos do concelho a ensinar as artes da tecelagem e da cestaria a jovens. Para os artesãos tem sido um orgulho passar a experiência e conhecimento acumulado em décadas de trabalho. Para os formandos estes workshops intergeracionais são importantes para preservar estas artes do tempo dos avós.
Os jovens tiveram ainda acesso a uma sessão de empreendedorismo criativo para aprender como se podem transformar estas artes tradicionais em novos produtos e, quem sabe, em oportunidades de negócio.
Artesãos lamentam falta de aprendizes
Das mãos de Isabel Soares e Fernanda Silva saem cestos e tapetes há décadas. Mas poucas vezes alguém demonstrou vontade de aprender com a experiência e conhecimento que acumularam destas tradições. Foi, por isso, com orgulho, que durante uma semana ensinaram a um grupo de jovens estas artes que vêm do tempo dos avós.
Fernanda Silva tem 59 anos. Foi aprender tecelagem aos 15 anos, com tecedeiras de Cabeça Santa. Há anos que a tecedeira de Galegos se dedica a produzir tapetes, passadeiras e até malas. Adorou esta experiência. “Em cerca de três dias fizeram 20 peças. São todos meus filhos. Foi uma experiência muito bonita. Adorei ensiná-los. Há uns com mais interesse que outros, mas todos fizeram as suas pecinhas”, conta a penafidelense.
Apesar de as filhas terem aprendido a tecer, Fernanda Silva lamenta que não haja quem queira aprender estas artes. “Há falta de iniciativas onde os artesãos possam passar o conhecimento. Gostava de ver esta arte renascer. Isto é uma coisa em vias de extinção. Pouca gente faz isto”, explica. “Isto é uma arte, mas não dá para viver disto”, comenta ainda.
Isabel Soares, cesteira de Vila Cova, concorda. “É importante ensinar os mais novos. Isto está a acabar. Eu tentei passar a arte, mas não tenho ninguém que a siga, nem na família”, lamenta. “Foi bom ensiná-los. Acho que ficaram com uma ideia do que é o trabalho. Cada um fez um cesto. O tempo foi pouco, mas expliquei o processo todo, menos a pintura”, refere a artesã.
“Faço isto há 33 anos. No início dava dinheiro, agora não dá nada. É um trabalho muito antigo que aprendi com a minha avó. Era uma glória para mim se alguém ficasse com o trabalho dos meus antepassados”, acrescenta a penafidelense, defendendo que estas iniciativas deviam repetir-se.
“Isto permitiu desfazer um bocado o preconceito que tinha sobre o artesanato”
Para os jovens a experiência foi proveitosa e o conhecimento adquirido pode ser usado no futuro.
“Uma professora falou do projecto e gostei da ideia. Isto são coisas que não se podem aprender na escola e na internet”, sustenta Carla Queirós. A jovem de 16 anos, de Lousada, aluna da Escola Secundária de Penafiel, fez um cesto e um pequeno tapete. “Aprender com artesãos foi interessante. Percebíamos que estávamos a falar com pessoas para quem é natural fazer aquilo. É quase instinto”, diz. Nota-se que “não é só conhecimento, é experiência”, aponta Carla, confessando que chegou a pensar que este tipo de artes iria acabar. “Mas agora acho que as pessoas hoje em dia percebem, cada vez mais, a importância do artesanato. Não é só uma arte, é uma tradição e uma forma de construir o nosso futuro de forma sustentável”, acredita.
Colega do curso de Artes Visuais, também Rita Constante, de 17 anos, Paredes, escolheu participar neste workshop. “Decidi participar porque não perdia nada, pelo contrário, ganhava muita coisa”, justifica. “Isto permitiu desfazer um bocado o preconceito que tinha sobre o artesanato. Quando ia a feiras de artesanato associava tudo ao mesmo e à minha avó que também fazia tecelagem. Aqui primeiro tive que aprender as técnicas de cestaria e tecelagem e depois vi que isto tem pernas para andar e para se criar novas coisas”, testemunha a jovem, defendendo que é “preciso ter visão para poder sair da caixa”.
“Um negócio ligado ao artesanato pode ter futuro, sempre acompanhado de artesãos, mas com a ajuda de designers, ilustradores e criativos. Eu gostava de trabalhar nesta área. Porque não”, afirma Rita Constante. “Estou em Artes Visuais e penso seguir Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes. Mas se calhar saber fazer a base de uma cesta vai ajudar-me. Não achei difícil. Achei que é preciso apanhar o jeitinho. Basta não por a mão da forma correcta e já não fica bem”, acrescenta.
Também Francisca Melo, estudante do Porto, acredita levar desta experiência conhecimentos para o futuro. “O que gostei mais na parte da cestaria foi termos aprendido tudo, desde o descascar as canas, escolhê-las e, depois de estarem secas, ver quais são as boas e as más até termos a peça completa no final. A tecelagem tem mais possibilidades, mas não é tão fácil fazermos nós em casa porque existe o tear e a montagem do tear que é complexa”, explica.
Nestes dias, garante ter aprendido “a riqueza do artesanato”. “Não para já, mas provavelmente quando tiver o meu negócio e estiver a criar será algo que vou incluir, porque já sei um bocadinho das técnicas, se calhar o suficiente para ir ter com um artesão e perguntar se podemos fazer isto ou aquilo”, adianta a jovem.
Francisca Melo destaca ainda a importância de colocar os artesãos em contacto com os mais jovens. “Estes workshops são importantes porque até se nota um certo gosto da parte deles em ensinar. Sentem que não há gerações seguintes a saber fazer e isso deve entristecê-los”, acredita.
“O artesanato de Penafiel pode ser exportado, com os recursos certos e as pessoas certas”
Depois de terem terminado os workshops para alunos do secundário, quem ainda está a frequentar estas sessões são Sandra Costa e Joel Moreira, ambos estudantes universitários de Penafiel.
“Estou a estudar relações internacionais, mas sempre me interessei por artesanato. Este projecto deixa ter ideia de como se pode fazer crescer o artesanato, uma arte local, e conhecer como é feito e tudo o que envolve”, refere Sandra Costa, de 19 anos. E estas artes podem mesmo ser uma forma de dinamizar o concelho, acredita. “O artesanato de Penafiel pode ser exportado, com os recursos certos e as pessoas certas, pode ser um negócio rentável”, sustenta. “O reconhecimento dos artesãos tem vindo a diminuir ao longo do tempo. É uma pena, porque fazem trabalhos com muito valor histórico e deviam ser reconhecidos”, defende ainda a jovem.
Para Joel Moreira, de 22 anos, que está a fazer um mestrado em Design de Produto e Serviços na Universidade do Minho, esta experiência acaba por ser um “2 em 1”. “Isto vai de encontro à minha tese que é sobre regeneração intergeracional através do design e do artesanato. Vou estudar as relações sociais entre os artesãos e os jovens aprendizes. Espero no final ter evolução pessoal e profissional”, adianta. “É preciso valorizar mais o artesanato. É uma arte que tem interesse em ser trabalhada para preservar a história, para que não se perca no tempo, e despertar curiosidade junto das próximas gerações”, afirma.
“O objectivo primeiro é a transmissão de conhecimentos destes artesãos às novas gerações”
Quem coordenou estes workshops foi Gabriela Gomes, artista plástica natural de Penafiel, que trabalha na área do Design de Produto e Escultura.
“O objectivo primeiro é a transmissão de conhecimentos destes artesãos às novas gerações. Transmitir o valor que estas coisas têm e de que forma, numa perspectiva de futuro, estas artes podem ter continuidade. Não podem continuar exactamente iguais, mas queremos despertar o interesse pelo saber-fazer”, resume, assumindo que muitos jovens ainda têm uma perspectiva distorcida do que é o artesanato, associando-o a “coisas antiquadas que as avós faziam”.
Nesse sentido, além da transmissão de conhecimentos práticos, por parte dos artesãos, a meta passou por alargar horizontes e mostrar, de que forma, se pode respeitar a tradição e, a partir destas técnicas ancestrais, criar novos produtos. “Foram apresentados exemplos de trabalhos contemporâneos que usam técnicas tradicionais”, refere.
A artista plástica assume que, com a ruptura da passagem de conhecimentos de pais para filhos realmente a tendência seria para este conhecimento desaparecer. “O artesanato não é rentável. Os filhos e, muitas vezes os próprios pais, querem outra coisa. Mas há uma geração que está desperta para estas coisas e começa a ter interesse”, frisa, dizendo que esta onda “é contagiante” e tem vindo a crescer.
“No primeiro workshop os resultados foram muito além da expectativa. Isto tem um potencial enorme”, acredita a penafidelense. “Este projecto é fundamental. Estamos na altura certa, porque estes artesãos ainda têm capacidade de transmitir conhecimentos e as pessoas começam também a olhar para isto de outra forma e a manifestar interesse”, acrescenta.
Para Gabriela Gomes trabalhar em Penafiel é “muito especial” e “gratificante”. “Não tinha consciência dos artesãos que ainda estavam a trabalhar no concelho. Foi uma grande satisfação ver que ainda temos um grande potencial de conhecimento que pode ser transmitido”, explica.