Paredes: Socorrista de Sobreira esteve em missão humanitária em Moçambique

Alberta Rodrigues passou três semanas a ajudar num hospital de campanha da Cruz Vermelha Portuguesa. Diz que cumpriu um sonho e fala numa experiência marcante que mudou a forma como vê a vida

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Durante três semanas, Alberta Rodrigues trocou a Sobreira, a família, o conforto e o trabalho de socorrista e coordenadora da delegação de Sobreira da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) pelo sonho de ajudar os outros. Esteve na cidade da Beira, em Moçambique, integrada numa equipa multidisciplinar de um hospital de campanha.

Não esconde o choque que foi confrontar-se com a realidade e a destruição de um país recentemente atingido pelo Ciclone Idai, mas garante que a experiência marcou para a vida toda. “Nós queixamo-nos e discutimos por coisas banais, que achamos que são importantes. Lá falta-lhes tanto e são felizes com tão pouco. É impossível, depois de uma missão destas, viver a vida da mesma forma”, garante a paredense que acredita que trouxe consigo mais do que aquilo que deu ao povo moçambicano.

“O sonho de qualquer socorrista é fazer uma missão”

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Natural de Sobreira, Paredes, Alberta Rodrigues descobriu cedo o gosto por ajudar o próximo. Começou como voluntária na delegação de Sobreira da CVP há 17 anos e fez formação em emergência pré-hospitalar. Hoje, além de socorrista, conjuga a parte directiva e operacional. Passou por vários cargos até, há três anos, ter sido nomeada delegada especial (o equivalente e presidente), ficando a gerir a instituição, cargo que acumula com o de coordenadora local de emergência (uma espécie de comandante). “Não me vejo a trabalhar noutro sítio. A Cruz Vermelha é a minha casa. Fui uma das fundadoras”, recorda.

Mas a paredense de 34 anos não esconde que é também muita responsabilidade. A instituição conta com 10 colaboradores, 45 voluntários na área da emergência, 15 na área da juventude e 10 na área social, e 10 viaturas. “Todos ajudam. É um trabalho de equipa. Julgo que todos juntos temos feito um bom trabalho e temos crescido”, explica.

E foi por contar com a equipa que Alberta Rodrigues aceitou o desafio que lhe foi proposto recentemente. “A Cruz Vermelha Portuguesa tem uma missão humanitária na cidade da Beira, em Moçambique, a ‘operação Embondeiro’ que está no terreno desde o Ciclone Idai. Foi criado um hospital de campanha em Macurungo, junto a um centro de saúde e a uma maternidade. E equipas compostas por médicos de diferentes áreas, enfermeiros, psicólogos e socorristas têm-se revezado no terreno a cada três semanas. Quando me perguntaram se tinha disponibilidade para integrar a quarta equipa, a minha vontade foi dizer logo que sim. Faço emergência pré-hospitalar e o sonho de qualquer socorrista é fazer uma missão”, resume.

Foto: DR

Já tinha estado em Pedrógão e em Monchique, depois dos grandes incêndios, mas ir numa missão internacional não é igual, admite. “É diferente dizer sim eu vou para Pedrógão ou sim vou para Moçambique”, sobretudo quando se tem um filho com cinco anos e se está à frente de uma instituição.

Só aceitou seguir nesta missão humanitária depois de falar com a família e os colaboradores, que lhe deram apoio. Seguiu-se uma semana de correria para fazer as malas e tratar de aspectos legais e da vacinação e partiu a 19 de Maio.

“Lá vivemos tudo intensamente. Os laços que criei em Moçambique em Portugal demoravam anos a criar”

Chegou no dia seguinte. E não esconde que o “choque de realidade” é grande. “Tinha falado com colegas que lá tinham estado que partilharam experiências, mas só quando chegamos lá temos noção da realidade. Entre o aeroporto e a casa onde ficamos foi um choque perceber a cultura e ver o rasto de destruição do ciclone. Eram árvores arrancadas, casas sem telhado e muita pobreza”, descreve Alberta Rodrigues.

Foto: DR

Integrou uma equipa com pessoas de todo o país que não se conheciam. Passaram a partilhar a casa e a vida. “Passamos a ser a família e os amigos uns dos outros. Partilhamos sorrisos e lágrimas. Lá vivemos tudo intensamente. Os laços que criei em Moçambique em Portugal demoravam anos a criar. Ao fim de dois dias parecia que conhecíamos aquelas pessoas há meses”, conta a socorrista.

Os dias começavam cedo e foram três semanas intensas de trabalho. No hospital de campanha em Macurungo, que dava apoio a um centro de saúde e a uma maternidade, havia um posto de comando, farmácia, logística, zonas de enfermagem e consultas. “Tanto a maternidade como o centro de saúde sofreram muito com o ciclone, ficaram sem o telhado e estão cheios de lonas. Se as dificuldades antes eram imensas, depois do ciclone piorou, e a CVP vai fazer lá obras até Novembro”, explica.

Alberta Rodrigues ficou encarregue da logística, desde o material necessário às tendas. “Tudo o que surgia tinha de resolver. Choveu imenso na primeira semana e ficamos sem luz e com as tendas todas inundadas”, dá como exemplo. “Uma coisa fantástica lá é que, independentemente de quem é médico ou enfermeiro, toda a gente trabalha em equipa. Se há uma inundação toda a gente pega numa esfregona e numa vassoura”, conta ainda.

“É fantástico trabalhar com o povo moçambicano. São muito gratos por tudo”

Foto: DR

Apesar das dificuldades, fala de um povo grato e alegre. E compara a forma de ver a vida.

“É fantástico trabalhar com o povo moçambicano. São muito gratos por tudo. Basta um olá, um sorriso, o perguntar se estão bem, o dizer que estão bonitos. Valorizam imenso o que a Cruz Vermelha está a fazer lá e isso enche o coração. Dizem ‘são os nossos manos portugueses’. Perguntam porque temos de vir embora. Agarravam-se a nós a chorar quando voltávamos. Aquilo que todos saíram de lá a dizer é que recebemos muito mais do que aquilo que demos”, garante Alberta Rodrigues.

Passou também a ser tia de cada criança. “Lá todos nos tratam por tias. Ganhei uma quantidade imensa de sobrinhos”, brinca.

Crianças que, ao contrário da maioria das que vivem cá, explodem de alegria quando fazem jogos tradicionais com materiais improvisados. “Bastava um carinho e colo e estavam felizes. Dar-lhes uma escova de dentes de cartão para aprenderem o movimento de escovar os dentes para eles era algo valioso”, dá como exemplo.

E é essa diferença de realidades que mais a marcou. “Nós queixamo-nos e discutimos por coisas banais, que achamos que são importantes. Lá falta-lhes tanto e são felizes com tão pouco. É impossível, depois de uma missão destas, viver a vida da mesma forma”, assegura, dizendo que esta foi “uma missão para a vida”.

Foto: DR

“As crianças brincam com carrinhos feitos de lata e baloiços feitos de cabo de electricidade. As pessoas vivem em casas destruídas e vão fazendo as obras do pós-ciclone conforme podem. Mas vivem de alegria, de música, de dança. E nós ficávamos contagiados com a alegria deles”, descreve.

“Lá eles usam, para tudo, a expressão ‘não tem problema’. Ficam sem luz e dizem ‘não tem problema, depois a luz volta, é normal’. Levam a vida de forma mais leve e despreocupada. Eu já usei a expressão ‘não tem problema’ cá. Acabamos por ganhar um bocadinho dessa calma e tranquilidade”, acredita a socorrista de Paredes.

À pergunta “voltava?”, Alberta Rodrigues responde sem hesitação: “Voltava. Foi uma experiência muito marcante”.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar