Tudo começou por uma inspecção, que parecia ser de rotina, e terminou com um “encerramento urgente” da Casa do Gaiato de Beire, em Paredes. A Segurança Social retirou, ontem, 40 utentes da instituição, sem qualquer aviso prévio, apanhando de surpresa quer os responsáveis pela Casa do Gaiato quer os doentes e familiares, alegando falta de vigilância.
O padre Júlio Pereira, responsável pela instituição, garante que a casa funciona com normalidade e tem vigilância e lamenta a forma desumana como tudo aconteceu. “Não há perigo nenhum de ausência de vigilância, não se justifica fechar-nos a casa. Se o fizerem é uma grande desumanidade que estão a cometer. Isto é indescritível e não se pode aceitar uma atitude destas, de desrespeito e selvagem”, criticou. O director da Casa do Gaiato adianta que a instituição ainda aguarda mais explicações da Segurança Social e garante que vão recorrer desta decisão.
“Disseram-me ‘senhor padre, esta casa vai ser encerrada de urgência porque vocês não cumprem os requisitos de vigilância que são necessários”
O Calvário, ou Casa do Gaiato de Beire, foi criado pelo Padre Américo para ajudar os enfermos. Acolhe pessoas sobretudo sem apoio famílias e com doenças físicas e mentais.
Seriam cerca de 50 à qual se soma ainda um grupo “de 14 rapazes”, já homens, sem autonomia, que residem noutra casa daquela comunidade.
Ontem, explicou Júlio Pereira, sem que nada fizesse prever, foi avisado de que estavam a ser alvo de uma inspecção da Segurança Social. “Não é nada que seja estranho e a seguir ao almoço vim acompanhar e estive com as oito técnicas da Segurança Social que estavam a fazer a inspecção. Reunimos para fazer a listagem das pessoas que estão nesta comunidade doentes”, conta.
Mas no final as técnicas terão dado imediatamente nota ao pároco de que o espaço iria fechar. “Disseram-me ‘senhor padre, esta casa vai ser encerrada de urgência porque vocês não cumprem os requisitos de vigilância que são necessários. Não têm os vigilantes necessários nem de noite nem de dia’”, recorda o responsável pela Casa do Gaiato.
Júlio Pereira afirma que ainda deu nota de que há na instituição uma pessoa que acompanha o doente todas as noites e que durante o dia além dos funcionários há ainda voluntários em permanência. “Não está ninguém abandonado. O nosso portão, por segurança, está fechado, mas está sempre alguém para o abrir. Não há perigo nenhum de ausência de vigilância, não se justifica fechar-nos a casa”, alega o padre. “Se o fizerem é uma grande desumanidade que estão a cometer. Esta é a casa destas pessoas há muitos anos. Esta é a família delas, não têm mais nenhuma, e retirar assim uma pessoa é desumano. A questão estava premeditada”, acredita.
Padre diz ter ouvido “gritos, lamentações e choros dos doentes” que foram levados contra a sua vontade
As funcionárias terão afirmado que a GNR viria ao local para acompanhar a transferência das pessoas, que começaram a retirar de imediato. “Vieram umas carrinhas e começaram a levar os doentes, mas eu vi que a polícia nunca mais vinha. Então disse que não levavam mais nenhum doente sem me trazerem uma prova, um documento de uma autoridade. Mas já tinham saído cerca de 40 doentes. Ficaram oito e uma comunidade de rapazes, já homens, que vivem aqui”, explica. “Estivemos aqui até às 23h00 e não veio ninguém com autoridade para justificar aquilo. Ficamos na expectativa que hoje viriam, mas para já não veio ninguém. Isto é indescritível e não se pode aceitar uma atitude destas, de desrespeito e selvagem”, dizia Júlio Pereira, esta manhã.
O pároco diz ter ouvido “gritos, lamentações e choros dos doentes” que foram levados contra a sua vontade. “Foi doloroso. Eles não queriam sair. Alguns são pessoas com consciência da sua vida apesar da doença crónica. Devia ter-lhes sido perguntado se queriam ir ou ficar e a esmagadora maioria, se não a totalidade, quereria ficar. Mas não foram ouvidos”, argumenta o responsável pela Casa do Gaiato.
Júlio Pereira diz que a instituição vai recorrer desta decisão. “Em termos legais já estamos a preparar-nos para usar de tudo o que a lei nos permita fazer. Temos que defender as pessoas, é a nossa obrigação. Vamos fazer tudo para que estejam onde querem estar, que é aqui”, adiantou.
A Casa do Gaiato de Beire não tem conhecimento de onde está a maioria dos utentes retirados. “Há um grupo que sabemos para onde foram, porque tinham telemóvel e avisaram. A maioria não sabemos onde está. Estou convencido que materialmente estão acompanhados, mas preocupa-me a angústia e a desorientação a nível emocional”, critica, dizendo que havia desde pessoas acamadas a algumas com limitações motoras ou intelectuais. “Houve famílias que nos vieram pedir explicações. Ninguém foi consultado”, acrescenta.
Júlio Pereira diz acreditar que esta atitude está relacionada com a condenação do padre António Baptista, que dirigiu a Obra do Calvário durante mais de 50 anos, a pena suspensa de dois anos e nove meses de prisão, por crimes de maus tratos. “No sábado, dia 27, fizemos uma homenagem ao senhor padre na Universidade Católica, com a apresentação de um livro com textos dele. Estou convencido que isso vem na linha dessa situação com o senhor padre Baptista até porque se está a procurar justiça junto de quem tem poderes neste país”, declarou.
Familiares sem informação
Também os familiares se dizem incrédulos com esta situação. Gonçalo de Sousa, marido de uma utente, não sabe onde está a mulher. “Estou muito preocupado. Fui alertado por uma pessoa amiga que viu no jornal de manhã. A minha mulher sofre de uma demência e estou um bocadinho em pânico, estou alarmadíssimo”, diz o homem. “Ela aqui estava bem, tratavam bem dela. Ela estava resguardada da sociedade e a sociedade resguardada dela”, acrescenta.
Até esta manhã, Gonçalo de Sousa não sabia onde estava a mulher. “Sou tutor dela designado pelo tribunal. Não sei para onde ela foi, não sei de nada. Isto foi tudo feito à revelia dos familiares”, criticava.
O Verdadeiro Olhar já solicitou esclarecimentos ao Instituto da Segurança Social.
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