No ateliê de Manuel Rocha o tempo parece ter parado. Há moldes nas paredes, um fato por acabar e montanhas de tecidos, um ferro de engomar que nem sabe quantos anos tem apoiado num tijolo e a típica tesoura de alfaiate, além de muitas linhas e uma máquina de costura, também ela de outros tempos.
Há 77 anos que o natural de Boelhe, Penafiel, começou a aprender a arte que ainda hoje lhe ocupa os dias. Foi em Rebordosa, Paredes, que trabalhou praticamente a vida toda, primeiro por conta de outrem, depois por conta própria.
Hoje, tem poucos clientes e faz apenas pequenos arranjos. Ainda assim mantém-se activo.
Teve que pagar para aprender com um mestre
Quando visitamos o pequeno ateliê de Manuel Rocha, no rés-do-chão da casa onde vive, em Rebordosa, o homem de 88 anos dedicava-se ao alargamento de um casaco.
“Aprendi a arte de alfaiate em Boelhe, na casa de um tio da minha falecida esposa”, recorda o alfaiate. “O meu pai teve que pagar 400 escudos para me ensinarem”, salienta. Tinha 11 anos e só terminou a formação por volta dos 19. Eram cinco irmãos e ele era o mais velho e cedo teve que apoiar a família. Por isso, antes, já tinha trabalhado nas minas de volfrâmio, em Arouca, a ajudar o pai a remover entulho. As viagens eram feitas a pé, com a mãe a ir muitas vezes ao encontro dele e do pai, com roupa e comida.
Até que o pai lhe perguntou: “o que é que queres seguir que isto não presta?”. Ele escolheu alfaiate. No primeiro ano de aprendizagem tiveram que pagar ao mestre. Depois começou a receber algum dinheiro. A primeira coisa que aprendeu a fazer foram as calças. “Depois é que se aprende o resto. O mais difícil eram os casacos”, refere o sénior. Aprender a cortar já foi algo que aprendeu quase sozinho, e é esse, garante, o grande segredo da arte.
Mas onde aprendeu havia pouco que fazer. “Ainda chegamos a ir pelas portas com fazendas ao ombro para tentar arranjar serviço”, recorda.
Começou então a procurar emprego noutros locais. Aos 19 anos fez a pé um longo caminho, entre Paredes e Paços de Ferreira a bater à porta de um alfaiate que o poderia empregar. Como não o aceitava seguiu para outras paragens, em Arreigada e Lordelo, mas seria em Rebordosa que acabaria por arranjar emprego. Trabalhou quase 25 anos por conta desse alfaiate e depois estabeleceu-se por conta própria.
Casou aos 26 anos e teve quatro filhos. Nenhum lhe seguiu as pisadas. Só ensinou a fazer calças a uma das filhas. A mulher, já falecida, ajudava-o muitas vezes com o serviço.
Tem pena de ver a arte desaparecer
Recorda uma época de muito trabalho em que ainda tinha que “dar trabalho fora”. Foi diminuindo aos poucos, com o surgimento das confecções.
Aos 65 anos reformou-se, mas nunca parou. Continuou a fazer calças, fatos, alguns sobretudos e samarras. Agora são só pequenos arranjos. “Fazer umas calças é raro”, conta. “Gosto de ser alfaiate, mas acho que é uma arte que vai desaparecer e tenho pena”, lamenta Manuel Rocha, que gostava de ter tido um aprendiz.
Quem estragou o negócio, foram as confecções, acredita o alfaiate. As pessoas, conta, passaram a escolher o mais barato ainda que não tão bem feito ou com bons tecidos.
