Nasceu em Paredes, talvez por acaso, em anos difíceis, rompeu com o destino de ser um funcionário de escritório e fez-se artista em Paris. Regressou ao país e foi, entre outros, co-fundador e director da Bienal de Cerveira.
Henrique Silva acabou por não manter grande relação com o concelho, mas voltou agora à terra que o viu nascer para expor, na Casa da Cultura, parte do seu trabalho nos últimos 20 anos. A mostra “Histórias de um Paredense Emigrado”, composta de 30 obras de pintura e escultura, estará patente até ao dia 12 de Agosto.
Rompeu com uma vida programada e foi para Paris
Vive em Gondar, Vila Nova de Cerveira, uma terra que haveria de marcar o seu percurso como artista. Mas já lá vamos.
Henrique Silva nasceu em 1933, em Paredes. “No ano em que o Salazar fez um plebiscito para tomar o poder absoluto”, recorda o artista plástico. E aí morou até aos seis anos de idade. Estudou num colégio e, quando terminou, com cerca de 13 anos, foi trabalhar num escritório de uma fábrica do Porto. Aí ficou até aos 22 anos, altura em que decidiu “romper com uma vida programada”, de horários das 9h00 às 18h00, e ir atrás de uma paixão.
Na altura já pintava, sobretudo cenários para teatro na Igreja Baptista, à qual se tinha convertido. Mas a pintura como profissão só chegou com essa mudança.
“Disse não aguento mais esta vida, vou para Paris pintar. E arranquei com 20 contos no bolso”, conta. Não se arrependeu. Conviveu com grandes nomes da pintura francesa e trabalhou com Maria Helena Vieira da Silva. Foi bolseiro da Fundação Gulbenkian em Paris de 1961 a 1963 e frequentou a École Superieur de Beux-Arts de Paris. Licenciou-se depois pela Universitée de Paris VIII, em 1977 em Artes Plásticas para o Ensino. Chegou a passar fome, confessa, mas ganhou “liberdade”.
Fez várias exposições e regressou só depois da revolução do 25 de Abril. “Era a altura de retomar a minha vida de português, porque nessa altura valia a pena, agora não sei se vale”, comenta.
Não regressou a Paredes. Do concelho recorda apenas os tempos de meninice vividos no período que precedeu a Segunda Guerra Mundial. “Lembro-me das ameaças de bomba, das janelas pintadas de azul e tudo às escuras, faziam-se ensaios para bombardeamentos, era um terror. E havia senhas para a alimentação”, explica.
“Convidaram-me para fazer esta exposição e eu tive muito gosto em vir cá. Antes disto vim cá meia dúzia de vezes talvez, porque me deram uma medalha e para visitar a família. Não tenho muita relação com Paredes”, confessa. “Sempre me deu a impressão que Paredes está mais virada para negócios do que para artes. Agora pode ser que mude, vamos a ver”, referiu rodeado por 30 obras produzidas entre 1996 e 2017.
“Penso todos os dias e de vez em quando pinto”
Em Portugal, foi director executivo da Árvore, Cooperativa de Actividades Artísticas, de 1978 a 1995; presidente da Projecto, Núcleo de Desenvolvimento Cultural; co-fundador e director da Bienal de Cerveira, de 1995 a 2008; e director do Museu de Arte Contemporânea da Bienal de Cerveira desde 2003.
É director do Curso Superior de Artes e Multimédia da Escola Superior Gallaecia, desde 2009, co-fundador da Fundação da Bienal de Arte de Cerveira e presidente conselho dessa instituição e também presidente do Conselho Científico da Escola Superior Gallaecia.
Aos 82 anos, voltou à escola e foi fazer um doutoramento em Média- Arte Digital na Universidade Aberta e Universidade do Algarve. “Gosto de desafios”, resumiu.
Já realizou mais de 50 exposições individuais e 200 exposições colectivas em Portugal, Espanha, França, Bélgica, Estados Unidos, entre outros.
Não esconde que a ligação à Bienal de Cerveira foi uma das que mais o marcou. “Foi uma grande oportunidade porque a Câmara de Cerveira abriu portas aos artistas e nós instalamo-nos lá e trabalhamos lá. Foi uma descoberta. Espero que isso se passe em Paredes em breve”, defendeu.
A cultura, argumenta, tem sofrido avanços em Portugal nos últimos anos, sobretudo na ligação ao público. “Agora está a dar-se outra grande transformação com o vídeo e as novas tecnologias”, acredita, criticando ainda assim o baixo orçamento atribuído à cultura no país. “Há mais dinheiro para armas para matar gente, do que para a cultura”, comparou.
Aos 85 anos, a reforma não está nos seus planos. “Quando for para a cova reformo-me”, brinca. Não pinta todos os dias. “Penso todos os dias e de vez em quando pinto”, descreve. A inspiração vem de todo o lado, “desde o drama à comédia”. “Tudo o que passa por mim eu vou mastigando”, diz.