Durante 25 dias, um casal de Penafiel, infectado com o novo coronavírus, teve de acompanhar o crescimento da filha recém-nascida à distância. A situação, difícil, foi atenuada por um serviço criado pelo Serviço de Neonatologia do Hospital Padre Américo em Penafiel, onde a menina ficou até que um dos pais ficasse recuperado. Primeiro com recurso aos telemóveis dos próprios enfermeiros, depois com um telefone dedicado, eram enviadas fotografias aos pais que puderam também fazer video-chamadas diárias para ver a pequena Letícia a crescer.
“As video-chamadas tranquilizavam. Só em ver que ela estava bem ficávamos melhor”, garantem Patrícia e Luís, pais da menina.
Ontem, a mãe, cujo resultado do último teste à COVID-19 já foi negativo, foi buscar a bebé ao hospital. “Fiquei emocionada por pegar nela pela primeira vez”, confessa.
Enfermeiros e médicos tentam compensar a ausência dos pais
No Hospital de Penafiel, que integra o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, acontecem, em média, 2.400 partos por ano. A pandemia não veio mudar isso, mantendo-se a cadência de nascimentos. Já os serviços adaptaram-se.
“Houve alguma necessidade de alterar procedimentos. O parto acontece numa sala isolada”, e quando há certeza ou suspeita de que a mãe está infectada com COVID-19, o bebé não vai para junto da mãe, explica Abílio Oliveira, coordenador da Unidade de Neonatologia. Além do isolamento, são testados os recém-nascidos e a mãe.
As visitas também sofreram alterações. É permitido aos pais de bebés prematuros a ida ao serviço, mas com regras mais apertadas. Além da higienização, já habitual, e do uso de máscara, é medida a temperatura à entrada e feito um inquérito aos sintomas.
Mas aos pais “Covid positivos” não é permitida a entrada e a visita. O bebé também não pode ir para casa até que tenha um cuidador não infectado.
“Além destes pais que estavam ambos infectados, já tivemos um outro caso em que a mãe estava de quarentena por ter estado em contacto com um caso positivo. Esteve 14 dias em casa e não contactou com o bebé nesse período”, refere Abílio Oliveira.
Perante este distanciamento, entre pais e bebés, as enfermeiras tentaram arranjar soluções e começaram a fazer video-chamadas e a enviar fotografias com os seus próprios telemóveis, refere a enfermeira-chefe Teresa Pereira. “Numa situação em que todo o imaginário da gravidez fica condicionado, pode haver prejuízos em termos de laços afectivos. Quisemos manter a proximidade. É um período de muito sofrimento para os pais que, assim, podem ver os filhos durante alguns minutos, percebem que todos os cuidados estão assegurados e ficam mais tranquilos”, acredita.
Durante estes dias, em que procuraram gerir as ansiedades dos pais, as enfermeiras foram ainda o refúgio destes bebés. “Tentamos compensar a ausência dos pais. São bebés que precisam de colinho, conforto, miminho e de uma figura de referência, que acaba por ser cada um de nós”, diz Teresa Pereira.
Num serviço em que se potencia um “Crescer com Afectos”, este é mais um projecto que veio ajudar à humanização preconizada. “Para os pais é difícil e mesmo para o bebé. Isto pode ter efeitos na vinculação. Os pais ficam ansiosos por não o verem e as mães porque não amamentam”, sustenta a médica Filipa Miranda, adiantando que querem alargar este serviço de video-chamadas aos irmãos dos bebés prematuros, permitindo que vão construindo uma relação, já que não podem visitar o serviço.
“Quando falávamos para ela arregalava os olhos. Reconhecia as nossas vozes”
Patrícia, de 28 anos, e Luís, de 33, não escondem que a situação foi difícil e inesperada. A mulher só soube que estava infectada quando a menina ia nascer. “No dia do parto foi um choque. Fomos o primeiro caso positivo. Eu só chorava e quando ela nasceu não pude pegar nela”, lembra a mãe.
O pai só pode ver a pequena Letícia de longe, na incubadora, e foi para casa ficar em isolamento. Feitos os testes, percebeu que também já estava infectado. Nenhum dos dois chegou a ter qualquer sintoma.
Ficaram em casa, isolados de todos, e longe da filha desejada. Durante 25 dias tiveram de controlar a ansiedade e viam-na apenas por fotografias e video-chamadas, diárias. “Quando falávamos para ela arregalava os olhos. Reconhecia as nossas vozes”, garantem.
A menina teve de esperar que um dos pais ficasse com testes negativos para poder cuidar dela. Isso aconteceu na terça-feira. Mal recebeu os resultados, a mãe tratou de encetar todos os procedimentos para poder ir buscar a filha.
Isso aconteceu ontem. Diz-se agora “mais descansada e feliz” por ter a filha junto dela. Já o pai terá que aguardar. Deverá repetir o teste à COVID-19 no início da próxima semana. Só aí saberá se pode estar com a Letícia. Até lá, mantêm-se separados.
Recorde-se que há outros serviços do CHTS a usar chamadas de vídeo para aproximar as famílias.