Dezenas de pessoas participaram, ontem à noite, numa reunião pública sobre os problemas que tem afectado o Rio Ferreira, em Lordelo, nas últimas semanas. As queixas sobre os maus cheiros, dejetos, lodos e pragas de mosquitos que põem em causa a saúde pública num rio transformado num “esgoto a céu aberto” foram muitas. Todos acreditam que as descargas “sem tratamento” são provenientes da ETAR de Arreigada, em Paços de Ferreira, actualmente em obras.
“Há merda em cima da água, um nojo”, “é impossível abrir a janela e dentro de casa não se consegue dormir, nem com o calor nem com o cheiro” ou “para mim o que está a acontecer no Rio Ferreira é terrorismo” foram algumas das expressões usadas para explicar a situação. Houve quem apontasse soluções e quem falasse em revolta. “Se tivermos de levar mais peixes mortos a Paços de Ferreira vamos”, propunha um morador, aludindo ao episódio ocorrido há cerca de 10 anos em que um ex-autarca de Lordelo, depois de uma nova descarga poluente, descarregou peixes mortos em frente à câmara de Paços de Ferreira.
O presidente da Junta de Lordelo, Nuno Serra, lembrou que o problema tem anos, mas que piorou nestas últimas semanas devido às obras. “O cheiro é horrível, os dejectos vinham em estado sólido, a cor da água piorou e há pragas de mosquitos. Quem mora à beira rio não pode abrir uma janela. Há gente a mudar de casa e quem tenha ido para casa de familiares”, justificava para pedir à população que faça queixas junto das entidades responsáveis, a GNR, a Agência Portuguesa do Ambiente e o próprio Ministério do Ambiente.
O autarca lembrou ainda que existem queixas em tribunal a decorrer há vários anos contra a Câmara de Paços de Ferreira e a concessionária Águas de Paços de Ferreira, devido às descargas da ETAR de Arreigada, mas sem grandes avanços.
“O processo em tribunal decorre e não vai acabar com a construção da ETAR. O povo de Lordelo sofreu durante anos e tem de ser ressarcido disso. Queremos a reposição da fauna e da flora do rio. A Câmara de Paços de Ferreira e a Águas de Paços de Ferreira vão ter de pagar por este crime ambiental. Alguém tem de pagar”, sustentou, dizendo que o caminho é pelos meios legais.
“A verdade é que o que foi feito foi pouco mais do que nada”
A sala da Junta de Freguesia de Lordelo foi-se compondo aos poucos. Em dia de festa na localidade, muitos escolheram passar cerca de duas horas a debater os problemas do rio que “afectam não só os lordelenses, mas a todos”.
No início da sessão, Nuno Serra lembrou um historial longo com muitos alertas pelo caminho. “A verdade é que o que foi feito foi pouco mais do que nada”, alegou, lembrando que quando foram, em 2014, ao Ministério do Ambiente o problema do Rio Ferreira era completamente desconhecido. “Nunca lá tinha chegado uma queixa fundamentada em 20 anos”, explica. Seguiram-se vários apelos, pela voz de diferentes partidos, até que se fizeram estudos para requalificar a ETAR. O projecto foi aprovado em 2017. “Agora está em obras, mas há gente que não sabe. Todos percebemos que as obras trazem constrangimentos, mas não deste calibre, isto é um crime ambiental. Há regras a ser cumpridas”, frisou o presidente da Junta.
Com o agravamento do problema, na semana passada, Nuno Serra diz que foram alertadas várias entidades, como o SEPNA da GNR, a APA e o Ministério do Ambiente.
Esta semana, depois de nova visita à ETAR de Arreigada, foi criada uma comissão de acompanhamento às obras, mas o autarca diz que não chega. “Parecia que éramos um compasso e tinha sido feita a limpeza da Páscoa”, afirma, sobre a visita.
Francisco Leal, vice-presidente da Câmara de Paredes e que tutela também o pelouro do Ambiente, esteve presente para assegurar que “a câmara está ao lado dos lordelenses” e que esta não é “uma questão política”.
“As queixas têm-nos chegado todos os dias e tudo o que é anormal deve ser comunicado. E agora os elementos desta comissão podem ir lá a qualquer dia e hora ver o que se está a passar. Também pedimos à APA que peça facturas e nos mostre onde as lamas que dizem que estão a tirar estão a ser entregues”, explicou, dizendo que o problema se agravou também devido ao caudal reduzido do rio.
Moradores fartos dos maus cheiros
A população está revoltada. “Ontem e hoje era insuportável, com merda em cima da água, um nojo. As descargas estão a ser feitas de noite”, afirmou uma moradora.
“Eu vivo ao pé do rio e é insuportável viver ali. O lodo é tanto que envolve tudo e nas levadas acumulam-se os detritos. É impossível abrir a janela. Dentro de casa não se consegue dormir, nem com o calor nem com o cheiro. Já fiz uma reclamação à APA”, referiu Ana Bessa. “Eu vivia no paraíso e agora vivo no inferno”, lamentou.
Denúncias também já fez Alexandra Torres. “Já fiz queixa enquanto lordelense indignada e contribuinte pacense. Pago em Paços de Ferreira por um serviço que não está a ser feito. Tenho entupido o SEPNA de queixas todos os dias”, disse apelando a que outros façam o mesmo.
Nascido em Frazão (Paços de Ferreira) e a morar em Lordelo, José Sousa afirma sentir “revolta e tristeza” com esta situação. “Tenho andado a caminhar pelo rio e custa-me a crer que isto possa estar assim. Isto é um problema de toda a gente e não basta comentar nas redes sociais é preciso passar à acção. Este rio é um perigo para a saúde e estou preocupado com a minha filha”, explicou.
Entre os presentes houve quem levantasse a problemática das doenças que estarão a ser causadas por estes problemas recorrentes e quem demonstrasse preocupações sobre se a ETAR está dimensionada a pensar no futuro, com o aumento de possíveis ligações de saneamento. “Não podemos deixar que isto se repita”, apelava o lordelense. Também foi proposto que, depois do rio estar despoluído, fosse instalado um tubo que leve as descargas feitas pela ETAR ao limite do concelho de Paredes. “Isso vai precaver avarias no futuro”, sustentava. “Aquela ETAR nunca funcionou em pleno”, apontava outro morador. “O caudal do rio está morto. A solução seriam cisternas, pegar nos detritos e levá-los para outras ETAR e despejar água no rio para oxigenar”, defendeu.
Houve também apelos “à revolta” popular. E quem considerasse o que está a acontecer como “terrorismo”, sugerindo boicotes nas eleições de Outubro para chamar a atenção. “Se tivermos de levar mais peixes mortos a Paços de Ferreira vamos”, acrescentava outro morador, dando ainda a hipótese de uma caravana de carros.
“Não queremos parar a obra. Queremos que se investigue, que se apanhem os criminosos e que os façam parar, mas eu quero a ETAR a funcionar”, apelava Nuno Serra, invocando que devem seguir as vias legais, mantendo a pressão com sucessivas queixas, para que sejam cumpridos os prazos e haja receio em realizar novas descargas.
“O SEPNA esteve aí dois dias seguidos. Isso pode fazer com que tenham mais cuidado”, acredita o presidente da Junta.
Recorde-se que a Câmara de Paços de Ferreira garante que a obra está a decorrer dentro da legalidade e que as descargas efectuadas estavam previstas pelas entidades competentes.
O investimento em curso é de 5,1 milhões de euros e vai duplicar a capacidade do equipamento.