O município de Paços de Ferreira lançou um projecto que pretende tornar o concelho no “primeiro do país” a equipar com desfibriladores todas as escolas públicas (básicas e secundárias), todos os espaços desportivos (campos de futebol, pavilhões e piscinas) e o edifício da câmara municipal. Mais que isso, o programa implica a formação para técnicas de suporte básico de vida e a sensibilização da comunidade para a importância de prestar os primeiros socorros.
Ao todo são 26 os aparelhos electrónicos portáteis e com bateria, próprios para serem utilizados por operadores não especializados, aplicam-se no tórax da pessoa com fibrilação cardíaca. A meta passa por formar centenas de pessoas. O investimento estará entre os 25 e os 50 mil euros.
“Em Portugal há falta de pessoas com conhecimentos de suporte básico de vida e no uso de desfibriladores e isso tem consequências directas sobre o número de pessoas que não são socorridas e podiam ser. O conhecimento não ocupa lugar e o arrependimento mata. Todos podemos ser agentes para salvar vidas”, disse o presidente da Câmara de Paços de Ferreira, Humberto Brito, na apresentação do projecto aos clubes e escolas.
“Este projecto actua na sensibilização de toda a comunidade e estes instrumentos podem ajudar a salvar quem tenha uma paragem cardio-respiratória. Acredito que é um projecto importante e que outros municípios no país possam seguir este exemplo”, acrescentou.
O autarca salientou que a ideia não é substituir os meios do socorro, mas antes dar apoio a quem precisa no tempo que medeia a chegada dos bombeiros e equipas médicas.
“Isto depende das pessoas e só pode entrar em funcionamento se houver participação massiva”, sustentou Humberto Brito, apelando a directores, docentes, técnicos, atletas e alunos que se juntem ao programa. “Queremos formar as pessoas e sensibilizar a comunidade para a importância de ter conhecimentos no suporte básico de vida e de que ter o desfibrilador externo automático que pode fazer a diferença em situações limite”, afirmou.
Para já, serão beneficiados os 12 campos de futebol, as sete escolas (básicas e secundárias), quatro pavilhões e duas piscinas, estando em causa milhares de utilizadores. “Em 2019, as piscinas municipais de Freamunde e Paços de Ferreira tiveram 3834 utilizadores (média/mês); 1200 utentes praticaram desporto nos pavilhões (dois públicos e dois propriedade de clubes amadores); 5470 alunos, professores e pessoal não docente frequentam as escolas básicas e secundárias; e 1480 atletas (média/mês) frequentaram os campos de futebol”, refere a autarquia. A esses acrescem os atletas que praticam desporto nos pavilhões gimnodesportivos e nos campos de futebol, mais do que uma vez por semana, e as centenas de pessoas que trabalham no edifício da câmara municipal, assim como os munícipes que o utilizam diariamente.
Mas o objectivo, adiantou o presidente da câmara, é no futuro ir mais longe e haver desfibriladores disponíveis na rua e em espaços de grande concentração de pessoas.
“Se há formação que pode fazer a diferença na qualidade de vida das pessoas é o suporte básico de vida com desfibrilador automático externo”
Presente na apresentação do projecto, Filipe Serralva, médico do INEM, acredita que esta “é uma oportunidade única para fazer a diferença na qualidade de vida das pessoas quando há situações agudas”.
“Se há formação que pode fazer a diferença na qualidade de vida das pessoas é o suporte básico de vida com desfibrilador automático externo (DAE). Há duas situações que está provado que podem fazer a diferença quando há paragem cardio-respiratória: a realização de compressões, para se manter o sangue a bombear e levar oxigénio aos órgãos vitais, e a desfibrilação, para pôr o coração a bombear. E isso está incluído neste projecto. Mais importante, é reconhecer uma situação potencialmente grave e saber como agir, fazer o suporte básico de vida, usar o DAE e activar os meios de socorro”, realçou o médico na viatura médica de emergência e reanimação (VMER) do Vale do Sousa.
Esta VMER, explicou, serve 12 concelhos com 520 mil habitantes. “A média de VMER no país é de uma para 240 mil habitantes. Nesta zona devíamos ter duas VMER e meia”, frisou. Penafiel e Paredes, concelhos limítrofes do hospital, representam o maior número de saídas, cerca de 600, mas Paços de Ferreira está logo em terceiro lugar, com cerca de 500 saídas, e já está mais distante do hospital, disse ainda o médico.
Destacou ainda este projecto como inédito pelo número de aparelhos colocados em simultâneo. “É um programa que visa abranger o máximo de população possível. Estamos a multiplicar a possibilidade de salvar vidas”, acredita Filipe Serralva.
“O resultado disto é que a taxa de sobrevivência no nosso país com paragem cardio-respiratória é de apenas 3%”
Já Marco Castro, especialista em acesso público à desfibrilação, explicou que Portugal “está na cauda da Europa” e tem uma “cultura de socorro pouco enraizada na população”.
“Se a pessoa estiver em paragem cardio-respiratória e ninguém fizer nada a pessoa vai morrer. Os meios de socorro fazem o melhor, mas às vezes é difícil chegar em menos de 10 minutos a um local. A janela de tempo é curta para actuar. É importante saber suporte básico de vida e se se souber usar o desfibrilador ainda melhor”, defendeu.
Marco Castro citou um indicador que mede a percentagem de casos em que alguém já está a fazer alguma coisa quando a ambulância chega para prestar socorro. “Em qualquer país do Norte da Europa essa taxa ronda os 80%, já alguém está a fazer suporte básico de vida”, disse, referindo os casos da Noruega e Suécia. Em Portugal essa taxa é de apenas 20%, esclareceu.
Portugal também está muito atrasado no que toca aos desfibriladores automáticos externos, “fáceis de usar” e “seguros”. O país tem apenas 3000, uma média de três por cada 10 mil habitantes. Em Espanha, deu como exemplo, há seis por 10 mil habitantes, o dobro, e a Holanda tem 100 mil DAE, 60 por 10 mil habitantes. “O resultado disto é que a taxa de sobrevivência no nosso país com paragem cardio-respiratória é de apenas 3%. A Holanda e Dinamarca têm taxas de sobrevivência de 30%, dez vezes superior à nossa. É preciso haver mais formação”, argumentou o especialista.
Escolas e clubes defendem a importância do projecto
Ao Verdadeiro Olhar, a responsável da saúde do Agrupamento Vertical de Paços de Ferreira, Manuela Almeida, defendeu a importância do projecto. “Temos muito interesse em aderir. Já andava a pedir há muito que houvesse formação em suporte básico de vida. Vai ser uma mais-valia e pela auscultação ao pessoal docente e não docente haverá uma adesão muito grande”, referiu.
Já Joaquim Santos, presidente do Citânia de Sanfins, também disse esperar boa adesão dos jogadores e equipa técnica. “É uma formação importante para o clube e para a vida pessoal de cada um. Um projecto bem-vindo, que já devia existir há mais tempo, e que vem complementar o investimento que tem sido feito em termos desportivos no concelho, por exemplo com os sintéticos”, afirmou.
Ambos acreditam que o conhecimento que este projecto vai trazer já podia ter feito a diferença. “Tivemos uma colega que faleceu na escola e não sei se, caso isto já existisse, a situação não teria sido revertida”, confessou Manuela Almeida. “Tudo isto nos faz lembrar um miúdo que acabou por falecer. Não sei se com estas condições podia ter sido evitado”, lamentou Joaquim Santos.