“Gosto de me entreter a fazer alguma coisa. Não gosto de estar parado”. É com esta simplicidade que João Teixeira da Silva, de Penamaior, Paços de Ferreira, justifica o porquê de, aos 88 anos, dedicar os dias a fazer peças de madeira numa pequena oficina. Não faz para vender, mas pelo gosto de se manter activo e praticar a arte que aprendeu na juventude.

Faz caixas, molduras, sagradas famílias e alguns móveis de pequena dimensão, às vezes a pedido. Ainda recentemente idealizou uma grande moldura, em formato de árvore, e um móvel para guardar os medicamentos dos seniores do Centro Social da Paróquia de Penamaior, onde é utente do apoio domiciliário.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Promete não parar e não dar descanso às ferramentas.

Trabalhar na madeira é reviver tempos antigos

Na oficina de João Teixeira da Silva as peças vão-se acumulando onde há espaço, nas paredes, nas bancadas ou em pequenas mesas. Vê-se um pouco de tudo o que a imaginação lhe permite ir inventando com os restos de madeiras que amigos lhe arranjam. O importante não é o resultado, é o tempo que passa a fazer cada peça. A algumas dedica vários dias.

Mas a cada movimento das ferramentas a cabeça fica preenchida de memórias de tempos felizes. Nasceu a 14 de Outubro de 1930 na terra onde permaneceu até hoje. Fez apenas a quarta classe, algo normal naqueles tempos. Aos 11 anos começou a trabalhar na arte de marceneiro que o pai, carpinteiro, o mandou aprender. “Este martelo aqui é a minha herança”, mostra o sénior.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Naquela altura o futuro não oferecia escolhas. “Fui para marceneiro porque o meu pai disse. Era um tempo pobre. A minha paixão era ser advogado, ir para tribunal defender as pessoas, mas nesse tempo, nem pensar”, confessa. O irmão seguiu a mesma arte.

Construiu peças de mobiliário até aos 20 e poucos anos. “Nessa altura pousei a ferramenta e passei a chefe. Estive em três firmas de móveis”, explica. As tarefas passavam por ensinar e orientar os trabalhadores e arranjar serviço. “Andava pelo país fora, mas passei a vida em Lordelo. Era só nessa zona que se trabalhava. O meu irmão foi para França, mas eu fiquei cá”, conta.

Aos 27 anos casou. “Tive sete filhos e tenho 12 netos. A minha família está toda acolá”, diz apontando um dos quadros que fez. “Esta é professora de matemática, este é engenheiro. Estão todos formados”, diz com orgulho sobre os netos, que já lhe deram também bisnetos. O único lamento é a mulher com quem é casado há décadas estar acamada. “Custa-me dormirmos separados. 60 anos é uma vida. Nós somos só um. O casal é só um. Agora esse respeito está um bocado acabado nos tempos de hoje, mas não pode ser”, aponta o pacense, que cuida da mulher com o apoio da família e do Centro Social e Paroquial de Penamaior.

Aos filhos ensinou a arte. “Dois estiveram aqui 16 anos a trabalhar nesta oficina”, recorda João Teixeira da Silva.

“Já dei mais de 100 peças. Não faço para vender, nunca ganhei um tostão com isto”

Rodeado de peças de pequena dimensão, entre as quais uma réplica da sua cozinha de antigamente, ou um quarto feito a pormenor, mas em tamanho de casa de bonecas, o natural de Penamaior conta como sempre gostou de trabalhar com estas ferramentas, enquanto termina uma moldura. “Assim mato a paixão com estes bocadinhos, a recordar os tempos antigos”, resume. “A gente enquanto puder tem de romper para a frente”, acrescenta logo com jovialidade.

“O tempo agora é mais fácil do que era. Antigamente era mais difícil de se levar. Não havia meios, mas também havia menos que comprar. Não havia emprego para as mulheres, que estavam só em casa e na agricultura. Era só eu a tratar do sustento. Felizmente nunca faltou nada. Cheguei a trabalhar 70 horas por semana”, lembra o sénior.

Foto: Fernanda Pinto/Verdadeiro Olhar

Reformou-se aos 58 anos, por motivos de saúde. Não queria. “Agora não sou capaz de fazer peças grandes, toca a desenhar coisas pequenas para me entreter”, justifica. Faz de cabeça, o que a imaginação mandar. “Tinha um pau de laranjeira e fiz um candeeiro. Vou fazendo assim estas coisas para gastar o tempo. Há aqui muito a que só quem for da arte dá valor. Há aqui coisas que levaram horas a fazer”, descreve João Teixeira da Silva que, todos os dias, faz qualquer coisa. “Até ao domingo venho para aqui”, comenta.

Como não vende, muitas vezes oferece as coisas que faz. “Já dei mais de 100 peças. Não faço para vender, nunca ganhei um tostão com isto”, garante. Mas vai fazendo pequenas coisas que lhe pedem com todo o gosto. “Ainda agora acabei três molduras que me tinham pedido”, refere.

Por isso, não disse não ao desafio quando o Centro Social e Paroquial de Penamaior lhe pediu uma grande moldura de parede para colocar as fotografias de 58 utentes. “Fui lá ver a parede e depois andei aqui de joelhos muitas horas para desenhar a árvore. Até que encontrei a solução para encaixar tudo”, conta o pacense. Depois desse desafio cumprido veio outro. Fazer um móvel, todo ele composto por gavetas que por sua vez se dividem em compartimentos, onde são guardados os medicamentos de cada utente do Centro. “Tem lá uma placa com o meu nome”, diz com orgulho o homem.