Teresa Ribeiro da Silva não esperava chegar aos 100 anos, mas também não esconde a “vaidade” de tal ter acontecido.
Se fossemos avaliar os segredos para esta longevidade, o mais certo, sobretudo neste caso, era concluirmos que pode estar relacionado com a genética. Os pais tiveram nove filhos e cinco irmãs de Teresa, já falecidas, chegaram a centenárias.
Alegre desde jovem, a vida desta mulher de Paços de Ferreira ficou marcada pela tragédia de perder o marido e o filho num acidente. Vive sozinha há 34 anos, mas não perdeu a vontade de sorrir. Tem na neta, e sobretudo na bisneta, motivação para continuar.
Aos 100 anos, ainda gosta de fazer renda e bordar, arruma a casa, caminha pelo próprio pé e sai para lanchar e almoçar com as amigas.
Garante que fez tudo o que queria na vida e não há sonhos a concretizar, ou melhor, há um só: “ver a minha bisneta feliz”. “A ela e a todos, que eu não desejo mal a ninguém”, comenta a centenária.
Número de centenários duplicou no Tâmega e Sousa
Portugal tinha, em 2021, data do último Censos, um total de 2801 centenários, ou seja, pessoas com mais de 100 anos. Trata-se de um aumento de 84% face a 2011, quando 1526 habitantes tinham atingido essa idade no país, revelam os dados do Instituto Nacional de Estatística.
Numa década, o número de centenários na região do Tâmega e Sousa duplicou. Se 24 pessoas tinham 100 ou mais anos em 2011, em 2021, o número já tinha subido para as 49. São quase todas mulheres (44).
Olhando aos cinco concelhos acompanhados pelo Verdadeiro Olhar – Lousada, Paços de Ferreira, Paredes, Penafiel e Valongo -, em 2011 eram 13 os centenários, número que aumentou para 30, em 2021, – 131% -, dando mostras de que poderá continuar a crescer nos próximos anos.
O concelho com mais centenários à data do último Censos era Penafiel, que passou de um para 11, um aumento de mil por cento. Segue-se Valongo, com nove pessoas com 100 anos (eram oito em 2011), Paredes, com seis (quatro em 2011), e Paços de Ferreira, com quatro (zero em 2011). Lousada era, em 2021, o único concelho em que não existiam centenários.
Iam distribuir carne a pé
Teresa Ribeiro da Silva nasceu a 3 de Junho de 1922, na Feira do Cô, em Penamaior, Paços de Ferreira. Reside, actualmente, em Meixomil e frequenta o Centro Social e Paroquial de Frazão-Arreigada.
“A casa dos meus pais agora é um restaurante (Os Trigalhos). Nasceram naquela casa sete raparigas a fio, de dois em dois anos, e só depois dois rapazes”, conta a mulher, que ainda conserva uma memória de fazer inveja a muitos mais novos. Cinco irmãs já faleceram, todas com idades acima dos 100 anos. Restam-lhe uma irmã e dois irmãos, todos mais novos. “A minha irmã que faleceu mais recentemente ia fazer 102”, aponta a sénior.
Ficaram sem o pai relativamente cedo e coube à mãe tomar as rédeas da família. Tiveram uma mercearia e depois dois talhos (um na Feira do Cô e outro em Paços de Ferreira). Todos os filhos trabalharam desde pequenos. “As filhas é que matavam o gado”, recorda a centenária. Quando isso acontecia, relata ainda, misturavam meio copo de vinho com meio copo de sangue e bebiam. A umas cabia partir a carne e às outras ir distribui-la a pé. Inicialmente, ela tomava conta dos três irmãos mais novos, mas depois também Teresa, por volta dos 13 anos, andou a calcorrear muitos caminhos.
“Íamos ao sábado levar a carne e trazíamos encomendas. Na terça voltávamos a entregar. Íamos a pé, com o cesto à cabeça, e só parávamos para entregar a carne. Eu lembro-me de tudo, desde que era pequenina”, comenta a mulher.
A par disso, enquanto jovens, também trabalhavam na lavoura, quando os familiares precisavam de ajuda, faziam alpercatas ou bordados e rendas. “Eu andei nas freirinhas da Trindade a aprender, mas por pouco tempo, que a mãe precisava da nossa ajuda”, lembra a pacense.
Cada semana cabia a uma das filhas cozinhar, lavar a roupa, limpar ou trabalhar no quintal, “a ver quem fazia melhor as coisas”.
As três Teresas
“Fui sempre muito alegre”, resume Teresa quanto à sua juventude. “As minhas irmãs não eram tanto”, acrescenta a, agora, centenária. “Quando saíamos brincava e falava com toda a gente”, diz.
Aos domingos havia namoro, mas com hora para terminar, que a mãe era protectora e educou-os bem, garante. Fez de pai e de mãe e os irmãos sempre foram muito unidos.
Ela casou só aos 30 anos, com um viúvo sem filhos. “Quando ele vinha para falar comigo eu ia lá para fora varrer, mas ele falava com a minha irmã e ela transmitia-me a mim”, explica. A cerimónia foi no Bonfim, no Porto, na Igreja de Santa Clara, no dia da festa. Teresa Ribeiro da Silva teve um único filho que a vida se encarregou de lhe retirar.
“Uma explosão levou-me o filho e o marido. O estrondo ouviu-se em Paredes”, conta a mulher. Já passaram 34 anos, mas as lágrimas começam-se logo a formar à medida que as memórias lhe trazem de volta a situação mais difícil que já viveu nestes 100 anos.
A família explorava uma empresa de pirotecnia. Ela também lá costumava estar a trabalhar com eles. Eram alturas da Páscoa. Ela tinha vindo embora para fazer o almoço quando tudo aconteceu. “Estava à espera deles quando ouvi a explosão, diz com lágrimas já a caírem. “Ainda fui a correr, mas já nem cheguei lá. Foi a maior tristeza que tive na vida”, admite.
O filho tinha 27 anos. Já era casado à época. Deixou-lhe uma neta, chamada Teresa, que muito cuida dela. Tem também já uma bisneta, cujo nome é também Teresa, com 13 anos. “A minha bisneta é o ver dos meus olhos”, assume. Está com a neta todos os dias e com a bisneta todos os fins-de-semana.
“Não tenho medo de morrer”
Desde o acidente que vive sozinha e, aos 100 anos, continua a fazer tudo em casa. A neta ainda tentou que fosse morar com a família, mas não quis. Frequenta o centro paroquial desde que abriu.
“Faço flores, roupas, joga-se, aprende-se… saímos. Aqui está-se muito bem. O tempo passa mais depressa”, garante a sénior. Aos sábados e domingos, quando não há centro de convívio, entretém-se em casa e vai lanchar e/ou almoçar com as amigas.
Teresa já foi operada aos dois joelhos e tem próteses e tem um coração “fraquinho”. Mas, apesar da idade, não tem grandes problemas de saúde e a bengala que usa é só para se amparar ocasionalmente. Ouve mal, mas usa aparelho. E tem óculos, que praticamente não usa. “Ainda enfio a agulha na máquina sem óculos”, brinca a pacense que sempre costurou as suas roupas.
Adora bordados e rendas e ainda faz, embora a vista já não ajude. “Já fiz renda para várias igrejas do concelho”, conta com visível orgulho. Volta e meia ainda vai ajudar no restaurante que é da família e onde já esteve aos comandos do fogão no passado.
Gosta de passear. Quando casada foi a vários países com o marido, como Brasil, Israel, Espanha e França. “Ele dizia ‘vamos?’ e eu dizia ‘já devíamos ter ido’”, recorda. Depois de ele falecer ainda viajou, mas dentro do país.
Teresa Ribeiro da Silva sorri com facilidade, gaba-se da “boa memória” e de ter atravessado a pandemia sem apanhar covid-19: “Tomei as vacinas todas e ficava por casa e ia a casa dos familiares, de máscara”.
Quando fez 100 anos, juntou amigos e família e fez uma festa. “Nunca pensei que podia chegar a esta idade. Graças a Deus cheguei. Ter 100 anos é bom, vamos a ver se a minha irmã chega lá”, comenta.
O mundo mudou muito desde que nasceu, em 1922. Em algumas coisas para pior. “Vê-se tanta gente a precisar e a não ter, é triste”, lamenta a centenária. Ela não se queixa. É de outra geração. “Aquilo que a gente ganha, poupadinho, dá para comer. O pouquinho que seja vai-se tenteando”, garante.
“Tenho gosto e vaidade em ser ‘velha’, em ter 100 anos”, afirma Teresa Ribeiro da Silva. “Não tenho medo de morrer”, garante ainda. Quando se deita reza a oração do costume – ‘Com Deus me deito, com Deus me levanto…’ murmura – e isso deixa-a tranquila. É uma mulher de fé. “O Senhor me dê saúde para ver a minha bisneta crescer”, é só isso que pede.