Os sociólogos são levados da breca!

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Não assisti ao programa, mas os meus colegas na universidade contaram-me. Foi um debate de banalidades, dedicado a horóscopos, adivinhações e magias desse tipo. Os convidados eram todos adivinhos «profissionais», excepto um professor da universidade que eu conhecia muito bem. Um homem com muitas qualidades e um defeito: não resistia a um convite para falar na televisão, nem que fosse para tratar de horóscopos.

Contaram-me aquela conversa surrealista, em que ele estava completamente deslocado. Não concordava com nada do que os outros diziam e o seu desagrado ia crescendo, até que uma «medium» teve o descaramento de declarar, referindo-se possivelmente à presença dele: «sinto que há aqui uma energia negativa»! O aludido explodiu em directo na televisão, com grande veemência: «Minha senhora! A sua energia nem tem unidades!».

É difícil arrasar mais completamente uma «medium»! Por definição, as grandezas materiais são mensuráveis e podem estudar-se experimentalmente. Por vezes, ainda hoje me divirto quando algum colega da universidade, mais dotado para imitações, reproduz o episódio.

Por definição, as realidades espirituais são o oposto. Imateriais, impossíveis de medir e, por isso, sem unidades. A justiça é real, mas não se podem comparar duas situações, uma 34% mais justa que a outra; tal como não há uma liberdade 73% mais livre que outra. É assim com todas as dimensões espirituais e por isso a sociologia tem um desafio curioso quando procura avaliar estas realidades intrinsecamente não mensuráveis. Uma investigação séria e interessante – que não ofende a inteligência, como os horóscopos –, baseada em indicadores indirectos que nos fazem pensar.

Esta semana, a jornalista Helena Oliveira, do boletim electrónico «VER», apresentou os resultados de um estudo do Pew Research Center sobre a relação da prática religiosa com o grau de felicidade, o envolvimento cívico e a saúde (www.ver.pt/pessoas-activamente-religiosas-sao-mais-felizes/). O trabalho de campo abrangeu um universo estatístico de milhares de adultos de 35 países.

As observações são sugestivas. Estatisticamente, os que vão regularmente à igreja declaram mais frequentemente que são felizes, votam mais nas eleições e estão mais envolvidos na vida comunitária, por exemplo colaborando com associações cívicas, para além da actividade religiosa. No que respeita à saúde, quem pratica uma religião tem menos tendência para fumar, para cair no alcoolismo e adoptar comportamentos de risco. Pelo menos nalguns países, as pessoas que participam regularmente em actividades religiosas vivem mais tempo, sofrem menos de algumas doenças e, em geral, lidam melhor com o «stress» da doença. Em contrapartida, não se não encontraram diferenças significativas no que respeita ao exercício físico e à obesidade.

Os próprios autores do estudo reconhecem que fica por explicar o porquê destas correlações estatísticas e que não se consegue excluir a influência de outras variáveis. Dentro de alguns anos, o resultado poderá ser diferente?

Este estudo corrobora análises anteriores, de âmbito mais local. Todos concluem que há mesmo uma correlação, mas ela expressa uma relação causal directa? Há quem defenda que o número de amigos explica os níveis de felicidade e quem vai à igreja tem geralmente um maior número de amigos. Por sua vez, isso cria uma rede de apoio, que ajuda a lidar com os problemas da vida. Outros argumentam que são as virtudes promovidas pela religião, como a compaixão, o perdão e o desejo de ajudar os outros, que contribuem para melhorar os níveis de felicidade e até a saúde física. Seja como for, a correlação tem interesse prático.

Alguns estudiosos de ciência política observaram que, se a frequência religiosa diminuir numa determinada sociedade, as iniciativas de voluntariado ficam comprometidas a prazo e o nível de criminalidade tende a aumentar. Pelos vistos, convém ser feliz.