Há utentes que entram crianças e por ali se mantêm vida fora. Ou não fosse esta a única instituição que dá resposta à área da deficiência no concelho de Paços de Ferreira e uma das poucas na região. A lista de espera é grande.
No Centro de Actividades Ocupacionais da Obra Social e Cultural Sílvia Cardoso (OSCSC) há espaço para múltiplas deficiências, para quem tem poucas capacidades e mobilidade e para aqueles que, com um sorriso, estão sempre prontos a participar em iniciativas. Aprendem coisas do dia-a-dia, estimulam a motricidade, fazem trabalhos de multimédia e de carpintaria e têm ainda acesso a actividades de hidroginástica, boccia, natação ou caminhada.
São cerca de 30 utentes de várias idades e, em breve, terão um edifício novo, construído de raiz.
Valências “desde os mais pequenos aos mais crescidos”
A caminho dos 100 anos, a Obra Social e Cultural Sílvia Cardoso nasceu em 1921, pela mão da benemérita com o mesmo nome, Sílvia Cardoso (ou Dona Sílvia), cujo processo de beatificação está a decorrer. “Inicialmente foi criada como um asilo creche Santo António para acolher crianças carenciadas e depois, mais tarde, por volta de 1950 deu origem à instituição com os seus estatutos e que se constituiu como IPSS”, explica Cláudia Dimitri, directora executiva.
O foco foi, desde sempre, nas crianças e jovens com necessidades de inclusão, com a criação do ensino especial, entretanto extinto.
Hoje, a Obra “detém valências desde os mais pequeninos aos mais crescidos”, dando apoio a mais de 150 utentes. No Centro de Actividades Ocupacionais (CAO) estão 30 utentes. Têm mais de 16 anos e alguns mantém-se ao longo da vida. De forma complementar, existe o departamento de formação profissional, “que trabalha fundamentalmente com apoios de fundos comunitários para dar formação a pessoas que têm necessidades de qualificação, mas que têm alguma incapacidade ou deficiência e precisam de um percurso formativo com vista à sua integração profissional na vida activa”, refere Cláudia Dimitri.
No âmbito de acordos de cooperação com a Segurança Social e os Ministérios da Saúde e Educação, a instituição faz também intervenção precoce, com terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e psicólogos a trabalharem com crianças que tenham necessidades de inclusão entre os zero e os cinco anos, com apoios domiciliários e na escola. “Estas equipas de intervenção precoce trabalham em Paços de Ferreira e também no concelho de Lousada e Felgueiras”, descreve a responsável da instituição.
Creche e pré-escolar dão prioridade a crianças com necessidades especiais numa “diferenciação positiva”
A par disso, existe ainda um Centro de Recursos para a Inclusão (CRI), acordado com o Ministério da Educação, uma resposta de carácter educativo, integrada nos agrupamentos escolares do concelho de Paços de Ferreira. “É um acordo que temos há bastante tempo, que satisfaz as necessidades sentidas pelos agrupamentos escolares no apoio e integração para o sucesso educativo de crianças que têm estas necessidades de inclusão”, dá como exemplo a directora executiva. Em causa estão apoios ligados à psicologia, terapia ocupacional, hidroterapia e fisioterapia desde o 1.º ano até ao 12.º ano. Alguns destes alunos, em articulação com o CAO, vão sendo integrados para serem preparados para uma arte, “uma competência mais técnica que possam vir a desenvolver em contexto de trabalho”.
A instituição também tem um departamento de formação profissional com projectos aprovados no âmbito da formação modular destinados à população em geral.
Para além destas respostas, existem ainda de apoio à infância. Uma creche com 34 crianças e o ensino pré-escolar com 75 crianças. “Quer na creche quer no pré-escolar temos sempre por orientação e missão preferencial acolher em primeiro lugar as crianças que tenham sido identificadas com alguma necessidade especial”, afirma Cláudia Dimitri. Essa é uma “característica diferenciadora”, numa atitude de “diferenciação positiva”. A Obra tem ainda um centro de actividades de tempos livres, que visa apoiar as famílias, acolhendo as crianças de manhã, levando-as à escola, dando-lhes almoço e lanche ao final do dia e onde desenvolvem actividades.
“Temos aqui uma dimensão já significativa de crianças. Estamos a falar de um número global de cerca de 150 utentes e na formação profissional são três cursos de formação”, salienta a técnica.
Utentes do CAO têm acesso a vários ateliês consoante as capacidades
A Obra Social e Cultural Sílvia Cardoso é a única instituição de Paços de Ferreira que dá apoio à deficiência. “Acabamos por ter também uma intervenção supra-concelhia porque recebemos jovens de outros concelhos, porque mesmo nos concelhos limítrofes a resposta não é adequada a todas as necessidades”, sustenta a directora executiva. O leque de idades é abrangente, desde os seis meses da creche até aos 65 anos do CAO, que tem uma lista de espera “significativa” e que vai ser requalificado com um investimento superior a 470 mil euros.
Mas até lá, é em dois edifícios pré-fabricados que se desenvolvem as inúmeras actividades.
“Os nossos utentes estão no CAO durante o dia, em actividades planeadas e distribuídos por diferentes ateliês”, refere Mara Coelho, directora técnica da área da deficiência. Cada um serve para treinar competências.
Passamos por todos. Primeiro os dedicados às actividades de vida diária onde treinam a gestão de uma casa. Há dois espaços, um de lavandaria e outro que simula uma cozinha, um quarto e uma sala de estar.
Na lavandaria aprendem a lavar e secar roupa e a fazer alguns arranjos de costura e bordados. “Tratam da roupa da instituição, como toalhas de mesa e roupas da creche. Põem a lavar e passam a ferro e aprendem a cozer à mão, fazer bainhas, a cozer botões ou a bordar”, diz Madalena Coelho, que os acompanha.
Ana Patrícia, uma das utentes, voluntaria-se com um sorriso para explicar o que fazem. “Ajudo as meninas a pôr as máquinas a lavar, a pôr a roupa na máquina de secar e agora estamos a fazer ponto de cruz. Depois vou pôr a mesa para os meninos das cadeiras de rodas, e descasco fruta”, conta. Também fazem pequenos cozinhados nesse segundo espaço. “Aprendi a fazer tarte de maça, bolos, sopa e chá, a fazer a cama e a limpar o pó”, afirma com orgulho.
Para os utentes com “mais limitações”, diz Mara Coelho, há ateliês de qualidade de vida e bem-estar. Espaços em que são desenvolvidas actividades que estimulam a motricidade e ajudam a não perder as capacidades adquiridas.
“Promovemos a qualidade de vida deles. Não têm muitas competências, mas o objectivo é tentar que não percam as que têm. Fazemos jogos, pintura e trabalhos manuais, massagens de rosto e das mãos. Alguns ainda vão à piscina e participam nas caminhadas”, elenca Catarina Costa, uma das monitoras.
No ateliê de carpintaria fazem restauro de móveis e constroem jogos
Se na lavandaria só encontramos raparigas, curiosamente ou não, na sala de multimédia eram só rapazes. Ali tenta-se dar estímulos ao nível cognitivo e da motricidade fina, tendo por base as novas tecnologias. “Tentam fazer coisas que para nós são fáceis, mas para eles não. Têm níveis de concentração baixa e usamos o rato e o teclado para os estimular. Até jogos permitem trabalhar muitas competências”, explica Marco Pereira, monitor. Os utentes ajudam a fazer cartazes e panfletos para a instituição e até a gerir a rede social Facebook.
“Estou a fazer uma cópia e gosto muito de jogar jogos de carros”, diz Luís Fernandes, de 30 anos. “Gosto destas aulas. Este ano criei um email e uma página de Facebook. Todos os dias digo lá olá ao professor e aviso quando cheguei a casa”, acrescenta o jovem.
Por fim, há um ateliê de carpintaria onde são feitos trabalhos de restauro e criação com peças de madeira.
Segundo Carlos Pinto, o objectivo é ocupar o tempo com actividades de carpintaria, potenciando capacidades e fazendo algo útil para a instituição. “Fazemos o restauro do mobiliário das salas, construímos jogos para as terapias e lembranças da Dona Sílvia, desde que passou a venerável, para oferecer às visitas. Algumas coisas também são vendidas nas feiras sociais. Tudo o que se pode fazer em madeira nós fazemos”, adianta o monitor deste ateliê. Querem melhorar a motricidade fina e treinar movimentos. “O nosso trabalho é retardar ao máximo as limitações, mais do que reabilitar é adiar problemas”, acredita.
Formação procura dar competências
A mesma sala é muitas vezes preenchida com jovens, “com alguma incapacidade, mas potencial de empregabilidade”, de fora do CAO, que estão a realizar formações.
“Têm sido realizados vários cursos ligados à carpintaria, ou Paços de Ferreira não fosse a Capital do Móvel”, explica Judite Ganhão, engenheira ligada à formação desde 2013. “O que fazemos é falar da matéria-prima e dos trabalhos e aplicações que podem ser feitos com madeira, de forma simples, com aulas práticas, de que eles gostam muito”, garante. Também são trabalhadas competências sociais.
A formação é de 3.600 horas, havendo ainda 1.200 horas em contexto de integração profissional para pôr em prática o que aprenderam. “Fazemos os possíveis para que terminada a formação tenham algumas competências. Temos casos de sucesso de jovens que ficaram nas empresas onde fizeram estágio”, dá como exemplo.
Nuno Pinto, de 37 anos, é um dos utentes da formação ministrada na OSCSC. “Comecei este curso há cerca de meio ano e estou a gostar imenso. Além de ter o 9.º ano fico com a formação de estofador. Depois quero tirar o 12.º ano na área de auxiliar. Tenho um sonho: Quero ser auxiliar e trabalhar num lar ou num hospital”, admite. Actualmente estava em casa, sem trabalho. Mora com a mãe. Começou a trabalhar aos 15 anos, muito cedo, na construção civil e nos móveis. “Aqui já apreendi muita coisa. Tenho aulas de informática, linguagem e comunicação, matemática para a vida e procura activa de emprego. Ter vindo para esta formação foi o melhor que podia fazer”, sustenta Nuno Pinto.
“A integração no mercado de trabalho é dos maiores desafios”
A integração profissional destes formandos é a meta. Mas a instituição admite que não é tarefa fácil. “Na formação profissional treinamos um conjunto vasto de competências e o objectivo é criar competências que permitam que no final dos cursos possam arranjar um trabalho. É óbvio que não é fácil, mas temos tido casos de formandos que terminaram acções e conseguiram ficar integrados em algumas empresas onde fizeram formação prática em contexto de trabalho”, afirma Mara Coelho. “Temos um plano no sentido de termos uma equipa técnica que trabalhe mais internamente, com os formandos, para desenvolver competências quer sociais quer pessoais, em paralelo com o trabalho desenvolvido pelos formadores, e que faça uma ligação e de informação junto das empresas e dar a conhecer apoios previstos para as que estejam dispostas a dar uma oportunidade de emprego às pessoas com deficiência”, avança a responsável pela área da deficiência.
“A integração no mercado de trabalho é dos maiores desafios. Costumo dizer que se não conseguirmos integrar todos e conseguirmos integrar um já é um sucesso”, sustenta Cláudia Dimitri.
Além de todos os ateliês disponibilizados no CAO, os utentes têm ainda acesso a actividades físicas, como natação, boccia, hidroterapia e caminhada, para o desenvolvimento de outras competências.
Utilizam ainda uma sala de snoezelen, com sessões individuais de terapia ocupacional e trabalho de estímulo às sensações e diminuição da agressividade, se for o caso, através de luzes e toques, explica Ana Quintas, Terapeuta Ocupacional.
“Alguns deles vimo-los crescer, somos também a família deles”
Todo este trabalho é desenvolvido por 48 funcionários da Obra Social. “Estão distribuídos por todas as valências. Só alguns é que estão afectos exclusivamente a uma delas”, diz a directora executiva da instituição. “No CAO temos um quadro de recursos humanos com técnicos superiores na área da psicologia, da educação social, da educação física e da terapia ocupacional que também dão apoio a outros projectos”, além de quatro monitores e alguns ajudantes. Há sete técnicos superiores ligados ao CRI distribuídos pelos agrupamentos de escolas; um psicólogo, um terapeuta ocupacional, um assistente social e um terapeuta da fala na equipa de intervenção precoce; os formadores ligados à formação profissional e ainda os vários educadores ligados à creche e pré-escolar, entre outros.
Grande parte dos 30 utentes do CAO já estão na instituição há vários anos. “Temos alguns utentes que entraram cá muito novos, ainda crianças. Tínhamos outras valências em funcionamento, nomeadamente o ensino sócio-educativo, e que acabaram por depois integrar o CAO. Por isso, alguns deles vimo-los crescer, somos também a família deles”, garante Mara Coelho.