Pode parecer estranho qualificar de “grande” o mais pequeno sinal gráfico que existe. No entanto, na sua pequenês, o ponto transcende muito a sua função de dar, na escrita, uma frase por terminada: quem quer dar ênfase a um argumento, acrescenta- lhe, com peculiar inflexão da voz, um categórico “ponto final” ou mesmo o definitivo “ponto final-parágrafo”. Também há a gráfica expressão de pôr os pontos nos “is” quando se pretende colocar uma questão nos seus devidos termos. Talvez seja uma discriminação injusta que não haja a expressão pôr os pontos nos “jotas” mas que eu saiba ainda ninguém se lembrou disso: se alguém quiser começar, faça o favor!
O ponto é muito gregário e dá-se bem ao duplicar-se nos dois pontos, triplicar-se nas reticências ou associar-se a outros elementos gráficos, dando o ponto e vírgula, o ponto de exclamação e o de interrogação. Estes dois parecem-me bizarros quando no Espanhol aparecem de “pernas para o ar” no começo de uma expressão exclamativa ou interrogativa… mas isso é lá com eles (os Espanhóis).
Há uma grande confusão quando se trata de separar a parte inteira de um número da parte decimal: acontece que no preponderante Inglês o sinal gráfico é o ponto mas em Portugal o sinal gráfico é a vírgula. Este facto é ignorado com muita frequência tanto na economia como no desporto e de um modo geral na locução da rádio e da televisão. Deve dizer-se 4,9 e não 4.9 quando se trata de quatro e nove décimas seja num valor económico, numa temperatura ou num tempo de segundos e décimos de segundo. Pelo contrário, quando se trata de separar os milhares das centenas na expressão anglo-saxónica utiliza-se a vírgula mas em Portugal usa-se o ponto. Devo confessar que não tenho muita esperança de que esta confusão termine tão cedo.
Onde o ponto ocupa um lugar de relevo é nos endereços da Internet: quem escapa aos omnipresentes .com, www. ou .pt? Neste ambiente verifica-se uma interessante realidade: quem intercalar um ponto no seu próprio endereço eletrónico, tal ponto é ignorado e a mensagem segue na mesma. Uma novidade que parece encaixar-se na grafia da Net é o “Porto.” que a edilidade da minha cidade adotou em cartazes variados.
Também há pontos noutras realidades, como a pessoa que num teatro recorda aos atores uma palavra ou frase que esqueceram. E a sua versão moderna, o teleponto, um monitor com o texto de um discurso ou telejornal. Noutros territórios não faltam pontos como o de fusão ou o de ebulição. Este até me lembra a clássica asneira de um aluno que afirmou ao professor que a água fervia aos 90º. Quando este lhe perguntou onde tinha visto tal coisa, o rapaz pega num livro, folheia-o e diz, atrapalhado: “Enganei-me; o que ferve a 90º é o ângulo reto”.
Também há os temíveis pontos, nome das provas escritas nas escolas, bem como os antigos livros de ponto que depois deram origem aos relógios de ponto. Estes, cuja função é um tanto detestada, têm atualmente a forma, não mais popular, de um leitor eletrónico de impressões digitais, sendo os dados registados informaticamente.
E ainda podia considerar os pontos de vista na dialética, o ponto de rebuçado na culinária e o ponto de fuga na perspetiva, e acho que vou aproveitar este mesmo para dar por findo o artigo. Mas não queria fazê-lo sem recordar com saudade o “grande ponto” que foi o Raúl Solnado, o inesquecível humorista que nos deixou há uns dez anos.