O espartilho antidemocrático

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Não há mulher – nem homem, já agora – que não saiba o que é um espartilho. Elas porque se viram durante séculos apertadas por essas peças de vestuário feminino que juntavam os arames à roupa e, como se isso não bastasse, ainda eram amarrados. Amarrados e bem esticados. Era assim que que as mulheres se obrigavam a reduzir a cintura e a manter o tronco ereto. À dita elegante indumentária feminina juntava-se, não raras vezes, a ereção masculina, porque apertando o tronco feminino emergiam, obviamente, proeminentes, os seios, sempre parecendo maiores do que realmente eram e mais hirtos do que normalmente seriam.

E o que tem o espartilho a ver com a democracia?

Mais, muito mais do que à primeira vista parece. Ou talvez com a falta dela.

Repare-se, por exemplo, na lei eleitoral que define a composição dos órgãos autárquicos. Qualquer um serve, mas tomemos um por exemplo: a assembleia municipal.

 Já alguém se deu ao cuidado de perceber o espartilho em que estão metidos os presidentes das juntas de freguesia, membros por inerência do órgão? Veem-se permanentemente apertados pelas decisões do executivo municipal que lhe solta o “arame” com que se fazem as obras da moda e alarga ou aperta a indumentária consoante eles satisfazem o promíscuo voyeurismo das deliberações do executivo, que é como quem diz: mostras-me o teu voto favorável e eu solto-te os fios com que te aperto quando quero.

Há solução para tamanhos apertos, para tanta condescendência, para a exigida subserviência?

Claro que sim. Bastaria que às assembleias municipais só pertencessem os membros diretamente eleitos e se criasse um órgão composto só pelos presidentes de junta.

Primeiro e desde logo aumentava substancialmente a capacidade e o rigor daquela que é a principal função da assembleia municipal: verificar e aprovar ou não as ações do executivo.

Criando um órgão só com os presidentes de junta constituía-se a capacidade reivindicativa que, com o funcionamento atual, o poder local não dispõe. Ao mesmo tempo, o presidente da câmara deixava de poder olhar como filhos os eleitos pelo seu partido e enteados os outros. Aliás, só assim os presidentes das juntas podiam representar eficazmente os seus eleitores e só assim a maioria do executivo perdia a tentação de “comprar” presidentes de junta à custa da distribuição dos recursos que devem ser distribuídos consoante as necessidades de cada freguesia e não fazer depender essa obrigação da cor política do presidente de junta eleito com a mesma legitimidade democrática do presidente da câmara.

O espartilho enquanto peça de vestuário era, para além da moda, um opressor da estética feminina natural.

A lei enquanto espartilho na mão do presidente de câmara é um instrumento repressor dos direitos democráticos fundamentais.

E era tão antidemocrático as mulheres exibirem os peitos  por força do espartilho como é antidemocrático  sujeitarem os presidentes das juntas a aprovar as decisões do executivo com as quais não concordam.

Isto para não falar da nova lei, aprovada pelo PS e PSD, que condiciona e comprime os direitos dos partidos mais pequenos e sobretudo tenta impedir que grupos de eleitores independentes se candidatem em eleições autárquicas.