A «Scholas Occurrentes» é uma fundação de direito pontifício dedicada a actividades desportivas e artísticas que fomentem a integração social. Começou na Argentina, mas hoje colabora com 400 mil escolas de uma centena de países.
A 29 de Maio, no dia da sessão de encerramento do congresso mundial da Scholas, em Roma, o Governo argentino anunciou um donativo (soube-se depois) de 16.666 mil pesos. Passado pouco tempo, os responsáveis da organização escreviam ao Governo, a devolver a oferta. Que aconteceu?
Esta carta do Papa Francisco aos responsáveis de Scholas Occurrentes, que a imprensa argentina acaba de divulgar:
«Queridos irmãos, no meio de tanto trabalho, quase não tivemos tempo de nos despedirmos… ao menos, o telefonema compensou.
»Agradeço-vos todo o esforço para realizar este Congresso e, como sempre, o conselho: cuidem a saúde, não passem das marcas no trabalho (sobretudo tu, José María, com o enfarte que já tiveste). “Soldado que foge, serve para outra guerra”, dizem no campo. A “rapidização” põe a alma em progressão geométrica e isso é perigoso. Descansemos (…). Novamente, obrigado pelo trabalho».
O Papa passa ao tal congresso mundial, em Roma:
«Houve uma coisa que me inquietou e quero partilhar convosco. Já me tinham dito que o Governo Nacional tinha feito um Decreto de reconhecimento da Scholas, que seria lido na sessão de encerramento (diverti-me quando o funcionário [do Governo] se dispôs a ler o Decreto… e o Decreto não aparecia). O reconhecimento oficial da Scholas alegrou-me, porque lhe confere estabilidade e legalidade na Argentina. (…) Já no final, de passagem, tu, Quique, disseste-me que o Governo tinha atribuído à Scholas um andar numa escola pobre.
»Perguntei-te o que isso significava e disseste-me que era o orçamento de uma escola pobre de bairro. Não fiquei tranquilo, mas não era o momento para pedir explicações. Ontem, soube que a ajuda ou subsídio atinge o montante colossal de 16.666.000 pesos (um milhão de dólares). E a inquietação transformou-se em preocupação e zanga (não o 666).
»A mística da Scholas é de serviço e gratuidade. Necessitam de ajuda e está bem que a peçam às instituições e ONGs que a possam dar, (…) mas não ao Governo».
A carta de Francisco pede aos dirigentes da Scholas que devolvam o dinheiro e lhe façam chegar uma cópia do comprovativo da devolução, acrescentando: «Sei que vocês não actuaram com má vontade, foi só um descuido».
E continua:
«Porquê tanta complicação com esses “666”? Não se assustem com a expressão mas, como pai e irmão e porque vos quero, falo claramente. Tenho medo de que comecem a escorregar pelo caminho da corrupção. Desculpem-me, se vos ofendo… mas tenho medo. É um escorregar suave, quase sem a pessoa se dar conta, e que depois continua como todas as tentações: cresce, contagia e justifica-se… e no final ficamos pior que no princípio».
A carta acrescenta a referência a Lucas 11, 26. É aquela passagem em que Jesus previne os discípulos acerca da actuação do demónio. E continua:
«É um caminho resvaladiço, suave e cómodo… e teremos mil razões para o justificar, mas é um caminho que mata. Prefiro um jogo de futebol improvisado pelos rapazes num pátio do bairro, com uma bola comum e com alegria limpa, a um grande campeonato num estádio famoso, encharcado de corrupção (lembrem-se da FIFA do ano passado)».
O final da carta, resume: «para fugir do risco da corrupção é preciso austeridade, pobreza e trabalho nobre. Sois apóstolos de uma mensagem e não “executivos” de organizações internacionais».
«Queridos José María e Quique, obrigado por escutarem isto que vos digo. Rezo por vocês e pela Scholas. Por favor, peço-vos que rezem e façam rezar por mim. Jesus vos abençoe e a Virgem Santa vos cuide. Fraternalmente, Francisco».
Os dirigentes da Scholas confirmaram, em comunicado, que cumpriram imediatamente o que o Papa pediu.