“Não é o carro que faz a diferença, é estar lá um médico. (…) Estamos a levar um médico à porta das pessoas, ao local onde têm o acidente, onde vivem, aos sítios recônditos”. A afirmação é de Filipe Serralva, médico de emergência médica que presta serviço na viatura médica de emergência e reanimação (VMER) do Vale do Sousa e já foi director do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS). Foi proferida esta manhã, na Comissão da Saúde, na Assembleia da República, onde foi chamado pelo PSD para falar da necessidade de uma segunda VMER no Tâmega e Sousa, quando comparava o serviço prestado com o de uma ambulância de Suporte Imediato de Vida (SIV).
Aquele que será “um dos médicos com mais horas de emergência médica no país” salientou, como já tinha feito ao Verdadeiro Olhar, que a VMER do Vale do Sousa serve uma população muito acima da média nacional, cerca do dobro, e defendeu que a ambulância SIV de Amarante deve ser convertida em VMER. A diferença de custo, argumentou, seria de cerca de 125 mil euros por ano.
Existe uma rede integrada de socorro pré-hospitalar, concordou, mas Filipe Serralva acredita que há “um buraco” na zona do Tâmega e Sousa. “No pré-hospitalar temos de pecar por excesso e neste caso estamos a falar de mais 25 cêntimos por habitante por ano”, apelou aos deputados.
“Uma lacuna grave na resposta pré-hospitalar na região do Tâmega e Sousa”
Filipe Serralva foi ouvido na Comissão da Saúde por Pedro Melo Lopes (PSD), Sofia Andrade (PS), Pedro Frazão (Chega), Joana Cordeiro (Iniciativa Liberal) e João Dias (PCP).
Os deputados quiseram saber como é que a VMER do Vale do Sousa se integra na rede de emergência pré-hospitalar, nomeadamente com as SIV de Amarante e Cinfães, se a resposta tem sido insuficiente e se já foi posto em causa o socorro, que justificações são dadas para que esta VMER sirva uma maior população, quanto custaria uma segunda VMER e o que acontece quando a actual não está disponível, entre outros. Na maioria mostraram-se favoráveis à instalação de uma segunda VMER na região.
“Este requerimento para ouvir Filipe Serralva surgiu porque detectamos uma lacuna grave na resposta pré-hospitalar na região do Tâmega e Sousa. A VMER dá resposta a cerca de 500 mil pessoas quando directivas de 2007 apontam que cada VMER deveria servir 250 mil pessoas”, apontou Pedro Melo Lopes, do PSD.
Filipe Serralva explicou que a VMER do Vale do Sousa serve cerca do dobro da média nacional de habitantes por VMER que, em 2021, era de 234 mil habitantes (para as 44 VMER existentes). Lembrou que, já em 2015, quando foi director do serviço de Urgência, propôs a criação de uma segunda VMER em Amarante para servir a região.
“A média de saídas da VMER do Vale do Sousa é superior à nacional (a nacional é de 5,2 e a do Vale do Sousa de 7,0). Mas mais do que a média de saídas preocupa-me o tempo de ocupação. A do São João faz médias de 10 a 15 minutos, nós mais de 50 minutos para chegar a Baião, Celorico de Basto, Resende ou Cinfães”, por estradas difíceis, deu como exemplo o médico. “A nossa área é enorme, com muita população e distâncias enormes e como o Hospital Padre Américo não é polivalente os doentes depois ainda vão, muitas vezes, para outros hospitais”, acrescentou. Além disso, como os distritos com mais carências em termos de rácio da VMER são os contíguos e servem zonas com elevada densidade populacional, caso do Porto, também não se pode esperar “grande ajuda”.
“Há sem dúvida uma resposta insuficiente, sinto isso todos os dias. Houve um dia em que tive uma saída para Castelo de Paiva, para alteração de um estado de consciência, e, quando estava chegar, também chegou um médico que trabalha comigo. A filha com pouco mais de dois anos tinha-se esfaqueado a ela própria sem querer e não havia VMER disponível”, lamentou o especialista em emergência médica. Como esse, há muitos outros casos em que teve de ir a SIV ou VMER de outros locais.
“É uma diferença de 125 mil euros, são 25 cêntimos por cada habitante da região ano”
“O que estamos a propor é uma troca de uma SIV (tripulada por enfermeiro e técnico de emergência pré-hospitalar) por uma VMER (médico e enfermeiro), já temos uma resposta pré-hospitalar em Amarante, mas não tem a mesma qualidade”, sustentou. Em Portugal, citou, há 44 VMER e 43 SIV, sendo que as SIV saíram 33.478 vezes em 2021 e as VMER 83.429. “Isto ilustra bem a eficiência e rentabilidade das VMER em relação às SIV”, disse. A par disso, elencou várias vantagens da VMER em relação às SIV, desde a rapidez, ao facto de a VMER, por não transportar doentes, ficar logo disponível para ir responder a outro caso, a autonomia de poder declarar óbitos, enquanto a equipa da SIV tem de manter manobras de reanimação até ao hospital, as aptidões e técnicas específicas que só um médico pode aplicar e que podem salvar vidas e o facto de poder ser feito na hora um diagnóstico e encaminhamento definitivo. Um “AVC necessita de trombectomia apenas disponível no Porto. Enfarte que necessita de cateterismo, o que muitas vezes não está disponível em Penafiel, ou acidentados que necessitam de ir directamente para o Porto, pois em Penafiel, não existem certas especialidades tais como neurocirurgia ou maxillo-facial. Em todas está situações se não estiver um médico no local não vão directamente para o Porto, mas sim para Penafiel, perdendo-se tempo precioso para o doente”, exemplificou aos deputados. “Há manobras que só são feitas por um médico que salvam vidas em um minuto. Na rua um minuto faz a diferença”, sentenciou.
Respondendo sobre quanto custaria este serviço, Filipe Serralva sustentou que o principal custo será com os recursos humanos. Numa SIV os custos rondarão os 225 mil euros (ano) e os de uma VMER cerca de 350 mil, estimou. “É uma diferença de 125 mil euros, são 25 cêntimos por cada habitante da região ano”, frisou.
O médico concordou que existe uma rede integrada e até apontou que “o sistema pré-hospitalar em Portugal até funciona bem globalmente”, mas, no Tâmega e Sousa, “não está a funcionar” e existe “um buraco”.
A proposta passa então por ter uma segunda VMER no Hospital de São Gonçalo, em Amarante. Serralva defende que há médicos suficientes para dar resposta para que o veículo não fique inoperacional.
“Está toda a gente a favor da VMER, quem está contra é o conselho de administração do CHTS”, afirmou, lembrando que, apesar de Amarante ter um serviço de urgência básica, já existem excepções no país de VMER integradas nestes serviços.
Hoje foram também ouvidos, a pedido da bancada do PSD, o presidente do INEM, Luís Meira, e a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa, tendo Pedro Machado defendido uma segunda VMER para a região, dizendo que os autarcas estão alinhados neste propósito. Amanhã é ouvido o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, a pedido do PS.