O Museu Municipal de Penafiel nasceu há 70 anos resultado de uma ideia que germinou durante décadas. É hoje um espaço cultural de referência na cidade e no concelho de Penafiel e assume-se como motor de desenvolvimento do território.
O ano de 2009, reconhece a directora do Museu, Maria José Santos, foi um ano de viragem. Com as novas e modernas instalações no palacete Pereira do Lago, na Rua do Paço, o Museu passou a ter condições para tornar-se a sala dos grandes eventos do concelho e passou “do oito para o oito mil” em termos de visitantes. Só desde essa altura já passaram pelo Museu (sede) e pelos seus quatro núcleos museológicos mais de 190 mil pessoas.
História do Museu e da Biblioteca esteve ligada durante décadas
A data oficial de fundação do Museu Municipal de Penafiel é 17 de Abril de 1948. No entanto, o sonho pela sua existência começaria muitas décadas antes.
“A história do Museu Municipal é bastante longa. É uma história que está umbilicalmente ligada à da primeira biblioteca municipal, criada em 1885, desde essa altura que começou a falar-se e começou a germinar uma ideia que estava muito em voga no século XIX de criação de um museu industrial ou museu da escola”, conta Maria José Santos.
Segundo a directora do Museu de Penafiel, o percurso foi “difícil e acidentado”. “A biblioteca só abriu ao público em 1917, por um período curto, e encerrou em 1919. Houve depois um empenho muito grande de quem consideramos o nosso fundador, Abílio Miranda, que foi vereador da cultura e delegado da Junta Nacional de Educação, para criar um museu na cidade de Penafiel”, explica.
Abílio Mirando reabriria a Biblioteca em 1927, numa altura em que as circunstâncias políticas não lhe eram favoráveis, o que não permitiu cumprir logo a ideia de avançar com um museu. Isso acabaria por acontecer só em 1948, ficando as duas instituições no palacete do Barão do Calvário. Durante anos, manteve-se a ligação entre o museu e a biblioteca. De facto, só em 1985 é que as duas instituições se separaram. “Até lá é uma história conjunta que se funde”, diz Maria José Santos.
Escavações no Mozinho no pós-25 de Abril trouxeram mais dinâmica
Ainda antes, na década de 60, o Museu Municipal ficou sob a alçada de uma comissão municipal de cultura, depois da morte do fundador. Em 1968 seria contratada a única funcionária que o museu teve durante muitos anos, Maria Adelina Brandão, “uma figura muito conhecida da cidade e que era incansável na defesa do espólio, do funcionamento, da abertura do museu ao público”. “Mas foi também uma altura com aberturas intermitentes, problemas de logística e de recursos humanos”, refere a actual directora.
O segundo momento chave da história do equipamento cultural chega no pós-25 de Abril. “Os novos ventos da revolução e a entrada em cena de Carlos Alberto Ferreira de Almeida, entre 1974 e 1979, a partir da escavação do Castro de Monte Mozinho, ao qual o Museu está umbilicalmente ligado, foi uma lufada de ar fresco”, assume Maria José Santos. Com o retomar da escavação no Mozinho há uma nova abordagem do que devia ser a investigação mas também a disponibilização do património e dos conhecimentos, com uma nova dinâmica que trouxe ao território uma geração de jovens investigadores, nacionais e estrangeiros.
Teresa Soeiro, na altura estudante da Faculdade de Letras, integra-se nesse lote e acabaria por tonar-se directora da Biblioteca-Museu a partir do início da década de 80 do século XX, mantendo-se no cargo até final de 2007.
No âmbito da nova dinâmica criada, diz Maria José Santos, começou a preparar-se a ideia de construir um museu com instalações próprias e condignas, com um quadro de pessoal qualificado, estruturando-se a modernização necessária num museu municipal. “É a partir da década de 90 que começamos a ver a concretização dessas ideias que germinaram durante décadas e temos todo o processo de criação de um espaço preparado de raiz para albergar o museu, desde as reservas à exposição permanente e aos serviços”, sustenta a directora da instituição.
“2009 foi realmente o terceiro grande ponto de viragem na história do museu dos últimos 70 anos”
O antigo museu teve duas instalações “marcantes” para a cidade e para os seus utilizadores. No edifício da Biblioteca Municipal funcionava no rés-do-chão, tinha cerca de cinco salas e as condições não eram as ideais. Quando foi separado da biblioteca foi instalado na Rua Conde Ferreira, onde é actualmente o Espaço do Cidadão.
“Aí já houve uma preparação mais cuidada, era um espaço aberto e polivalente onde já se conseguia ter uma exposição permanente condigna e com alguns espaços para acolher exposições temporárias e os espaços dos serviços dos funcionários para além dos espaços de reserva, embora com dimensão diferente da que temos hoje”, resume Maria José Santos. “Era um espaço muito visitado e muito utilizado. Tinha a particularidade de termos, durante muitos anos, o Diário da República e muita gente o vinha consultar e depois aproveitava e fazia uma visita e havia muito o apoio aos estudantes para a realização de trabalhos. O museu sempre teve uma componente de centro de documentação e biblioteca especifica voltada para a história local, etnografia e arqueologia”, destaca.
Mas só com a transferência para as actuais instalações, no palacete setecentista dos Pereira do Lago, em 2009, o Museu Municipal de Penafiel dá um salto em termos de qualidade. Desde logo notória no número de visitantes. “Com a transferência para este edifício há uma diferença brutal do número de visitantes. Nos melhores anos que tínhamos nas instalações da Rua Conde Ferreira andávamos pelos seis mil visitantes, já contando com os que iam ao Mozinho, o que é completamente diferente dos números que temos hoje”, admite a directora.
“2009 foi realmente o terceiro grande ponto de viragem na história do museu dos últimos 70 anos. Este espaço para além das condições físicas absolutamente excepcionais que tem, conseguiu ir acompanhando com os recursos humanos e técnicos necessários”, afirma.
“O Museu assume-se como o espaço cultural de referência, a sala de visitas da cidade e como equipamento de educação não formal ao dispor da comunidade”
Nesta nova etapa, o Museu, agora com a capacidade para criar novas actividades e usufruir de novos espaços, voltou-se para o serviço educativo e para a comunidade. “O Museu organiza os seus próprios eventos e iniciativas mas também está sempre aberto a acolher iniciativas externas. A pedra de toque que coincide com a vinda para estas novas instalações foi sempre uma abertura cada vez maior à comunidade”, garante Maria José Santos. No início, não esconde, houve resistência. “A comunidade não compreendia muito bem porque é que precisávamos de ter este espaço tão grande, com impacto tão grande na cidade. Mas o tempo veio dar-nos razão. Desde o início que quisemos fazer a comunidade perceber que esta casa é da comunidade e para a comunidade”, realça.
A prova de que a apropriação do espaço haveria de chegar foi surgindo, com o Museu a tornar-se o espaço de grandes eventos. Mas também nas pequenas coisas. “Costumo contar sempre esta história. Um dos momentos mais gratos que tive foi, cerca de um ano ou um ano e meio depois da inauguração, estava em casa a fazer zapping e, de repente, em entrevistas de rua, vejo o jornalista entrevistar uma senhora já de alguma idade e perguntar o que é que as pessoas podiam visitar em Penafiel. E a primeira coisa que a senhora responde foi ‘o nosso museu’, não só ‘o museu’ mas ‘o nosso museu’. E isso é motivo de orgulho para todos”, argumenta Maria José Santos.
Hoje, assume a directora, o Museu “assume-se como o espaço cultural de referência, a sala de visitas da cidade e como equipamento de educação não formal ao dispor da comunidade mas também como motor de desenvolvimento local e um recurso turístico também”. Os comerciantes locais passaram a ter um equipamento âncora que estimulou a economia e permitiu o surgimento de novos negócios para dar apoio ao espaço.
Uma das grandes apostas do Museu tem passado pelo trabalho educativo continuo. “Essa é a vocação do Museu, é garantir a preservação e a fruição do património cultural para as gerações futuras”, defende Maria José Santos.
E para isso, é importante que as crianças se habituem desde cedo a conviver com o museu como espaço de cultura, lúdico e de estudo. “Este é um museu de território, de identidade e de memória colectiva e é para nós importante, sobretudo com a comunidade educativa local, que as crianças vejam as raízes da sua comunidade”, sustenta.
Número de visitantes mudou “do oito para o 8.000”. Desde 2009 o Museu de Penafiel já recebeu mais de 190 mil pessoas
Nos últimos anos, o número de visitantes do Museu Municipal de Penafiel aumentou exponencialmente.
Segundo a directora da instituição, os números não podem sequer ser comparados aos do museu nas antigas instalações. “Eu não costumo dizer que passamos do oito para os oitenta, digo que passamos do oito para o oito mil”, brinca. “O museu antigo tinha um horário reduzido, estava fechado só à hora de almoço, só abria ao sábado de manhã, fechava aos feriados… não tinha sequer condições para acolhermos o público da forma que acolhemos hoje”, admite.
Actualmente, a média anual de visitantes ronda as 16 mil pessoas, no núcleo sede. Números que sobem para os 21 a 22 mil visitantes quando se incluem os outros núcleos do Museu: o Castro do Monte Mozinho, a aldeia de Quintandona, o Moinho de Novelas e o engenho de Sebolido.
“Desde a abertura destas novas instalações até ao ano passado o museu e os núcleos já receberam mais de 190 mil visitantes. E este ano, no primeiro trimestre, já vamos quase com cinco mil visitantes”, adianta Maria José Santos. “Gostávamos sempre que fossem mais visitantes, mas temos que ver as coisas à realidade da sua escala. Penafiel é uma cidade com cerca de 9.000 habitantes, já daqui estamos a falar de uma percentagem muitíssimo elevada”, refere.
A maior parte dos visitantes são nacionais e a grande fatia são penafidelenses. “Para nós é bom ver também que a visita do museu não se esgota. Há uma elevada taxa de repetição da visita, até porque o museu tem uma área grande. São cinco salas de exposição permanente e depois temos as exposições temporárias, os eventos e as iniciativas que acabam por fidelizar o público que retorna ao museu várias vezes. Isso tem sido muito gratificante. Em termos de números estamos muito contentes”, garante.
Mais de 10 distinções e prémios conquistados desde 2009
Algo que também mudou, nos últimos anos, foi o número de pessoas afecta aos serviços do Museu. Foi isso que permitiu uma diversificação das actividades e serviços prestados.
“Até 2007, o total de funcionários do museu antigo era de cinco. Hoje temos 15, o que ainda assim é insuficiente para o grau de actividade que gostaríamos de ter”, explica Maria José Santos.
Ainda assim, desde 2009, o museu já recebeu mais de 10 distinções de diferentes graus e tipologias. Recorde-se que, em 2010, foi eleito o Melhor Museu Português pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM), tendo nesse mesmo ano sido também nomeado para o prémio EMYA – European Museum of the Year Award, pelo European Museum Forum. “A distinção do Fórum Europeu dos Museus, quando fomos nomeados para o prémio de museu europeu do ano, e da Associação Portuguesa de Museologia, quando fomos museu do ano e depois ganhamos mais dois prémios nos anos seguintes, são importantes porque são dadas pelos nossos pares. Isso colocou o museu a um nível de reconhecimento e qualidade nacional e internacional inter pares bastante elevado”, reconhece a directora. “A expectativa aí foi bastante alta e fazemos o nosso melhor para todos os dias honrar esse reconhecimento que nos é dado a nível interno e externo”, acrescenta.
Maria José Santos salienta ainda que estes prémios não se esgotaram no ano da inauguração. “O último prémio que recebemos foi em 2014, da Associação Ibérica de Museus, um prémio para um projecto do serviço educativo. Isso para nós também é importante porque vamos vendo que a comunidade museológica vai monitorizando o nosso trabalho ao longo dos anos. Portanto, não ganhamos prémios porque somos um museu muito bonito numa casa muito bonita, ganhamos prémios porque somos um serviço de excelência”, salienta.
A responsável pelo equipamento cultural acredita que a nomeação para o prémio de Museu Europeu do Ano foi importantíssima na divulgação do projecto. “Em Portugal há muito a ideia de que o que é bom está lá fora ou no Porto e em Lisboa. Ter conseguido esta distinção para Penafiel e, dois anos depois, ter acolhido aqui no museu em Penafiel o 35.º encontro do Fórum Europeu com 120 países e a entrega do prémio de Museu Europeu do Ano foi um motivo de enorme orgulho para a cidade e penso que foi aí que as pessoas tiveram o clique de reconhecer que tinham à sua porta um museu de excelência, um museu equiparado aos melhores museus europeus e do que mais moderno e melhor se fazia pela Europa”, acredita.
“Gostava muito que este Museu daqui a 70 anos continuasse no coração dos penafidelenses, fizesse parte do seu dia-a-dia, e que continuasse a ser a referência da cidade e do concelho”
O Museu Municipal de Penafiel é hoje “um equipamento e um serviço absolutamente fundamental” no concelho. “Por um lado, é esta instalação física que permite o acolhimento de alguns dos mais importantes eventos que marcam o nome da cidade, como é o caso da Escritaria, ou cerimónias solenes, como o 3 de Março. E é um espaço cultural de referência. Sendo a sala de visitas do município também vemos com muito agrado que a comunidade quando quer um evento que se distinga e que tenha a sua importância também quer que ele se realize no museu ou nalgum dos seus equipamentos”, dá como exemplo.
Para o futuro, Maria José Santos diz que as grandes linhas de actuação do Museu passarão por manter a acção interventiva e activa na gestão e ordenamento do território; continuar a promover a investigação, “que faz parte da acção do Museu e é absolutamente fundamental”; continuar com a abertura e ligação à comunidade e com a política de acolhimento de iniciativas; e fortalecer o Museu enquanto equipamento de educação não formal e recurso turístico e de desenvolvimento local.
“O que gostava que este museu fosse daqui a 70 anos?”, perguntamos no final da conversa que tivemos na Sala dos Ofícios. “Eu gostava muito que este Museu daqui a 70 anos continuasse no coração dos penafidelenses, fizesse parte do seu dia-a-dia, e que continuasse a ser a referência da cidade e do concelho e que ajudasse ao desenvolvimento e ao progresso deste município e desta região”, afirmou Maria José Santos com um sorriso.
Museu tem cinco salas temáticas e quatro núcleos museológicos
O Museu Municipal de Penafiel conta com cinco salas temáticas de exposição permanente dedicadas à Identidade, ao Território, à Arqueologia, aos Ofícios e à Terra e Água. “É quase como tivéssemos cinco pequenos museus dentro desta grande estrutura”, explica Maria José Santos.
Na Sala da Identidade é retratado o percurso histórico do território. “Abordam-se aspectos da história administrativa e arqueológica, mas sobretudo é uma sala que tem referências identitárias muito fortes para a comunidade local, através de objectos da colecção. Tem por exemplo a colcha municipal que costumava ir à câmara para engalanar a varanda para a procissão do corpo de Deus e há também a representação do São Jorge que se relacionam com esse património imaterial importantíssimo para a cidade e concelho e temos também a referência à figura do Padre Américo, incontornável na história recente”, descreve.
A Sala do Território está mais voltada para uma matriz mais experimental e tecnológica. “Tem uma peça de design, o ‘Olhómetro’ onde as pessoas podem ver cinco filmes temáticos diferentes, todos eles apelando para a visita ao território, para a partir daqui explorarem o concelho de Penafiel”, refere a directora.
Na Sala da Arqueologia, são retratados cinco milénios de história, desde a ocupação da pré-história ate ao final da época romana, que é também ilustrativa da colecção do museu. “Também tem referências ao território com as réplicas da Anta de Santa Marta e do Menir de Luzim, com o objectivo que a pessoa depois vá ver esses monumentos in situ”, explica Maria José Santos.
Já a Sala dos Ofícios, procura mostrar o património imaterial, com o visionamento dos filmes da procissão do Corpos Christi mas também da Feira de São Martinho, ligando-a às matérias primas que se relacionavam com os ofícios tradicionais do ferro e da madeira, desde a produção do calçado à cestaria e tanoaria.
Em termos de exposição permanente, existe ainda a Sala da Terra e da Água que retrata a ruralidade do concelho e que tem por base os ciclos agrícolas, a actividade piscícola e a moageira, fazendo a ligação ao Moinho de Novelas.
O Museu realiza também várias exposições temáticas. Existem ainda os quatro núcleos museológicos: o Castro do Monte Mozinho, o Moinho da Ponte de Novelas, o Engenho de Sebolido e a Aldeia de Quintandona. O esforço tem sido por aproximar todos os espaços com visitas guiadas. “O que queremos é que o núcleo sede seja o suporte que vai motivar a visita a esses núcleos externos. Tentamos suscitar a curiosidade do visitante para depois ir explorar o território. Ou então o contrário, que as pessoas nos núcleos, com pequenos apontamentos, possam depois vir colher mais informação ao núcleo sede, na cidade”, afirma Maria José Santos. “Nos dias comemorativos, como Dia Internacional dos Museus, Jornadas Europeias do Património, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, normalmente não assinalamos na sede, mas passamos as actividades para os núcleos precisamente para fazer essa ligação mais abrangente ao território”, justifica.
No próximo ano, o Museu Municipal de Penafiel vai comemorar os 100 anos que o Mozinho foi pela primeira vez divulgado, com uma exposição temporária, um congresso e visitas ao castro. “O Museu não é só este edifício”, garante.
Programa de comemorações prevê actividades e entrada gratuita
As comemorações dos 70 anos do Museu Municipal de Penafiel acontecem esta terça-feira e sábado, com entrada gratuita.
Esta terça-feira, será inaugurada, às 18h30, a exposição evocativa “70 anos do Museu”, que estará patente até 30 de Setembro. No sábado, às 10h00 haverá uma visita guiada pela exposição alusiva ao aniversário do Museu, seguindo-se a cerimónia de entrega do Prémio Valor e Mérito da Associação de Amigos do Museu Municipal de Penafiel. À tarde, às 14h30, decorre a iniciativa “Contos e estórias para todos”, seguindo-se, às 16h00, um teatro de marionetas “Um monumento, um enredo”, da Rota do Românico, com interpretação da equipa do Museu.
Segundo a autarquia, também durante a tarde haverá ainda mostra de ofícios tradicionais (tecelagem, cestaria e artesanato em madeira), bem como jogos matemáticos e pinturas faciais. Já às 17h30 terá início o concerto dos Dal Capo e, às 21h30, o concerto do Grupo de Guitarras de Penafiel.