Mota Amaral: “Actualmente os deputados assumem-se como funcionários do partido” (C/ VÍDEO)

João Bosco Mota Amaral falou do seu percurso de vida e da forma como exerceu os seus mandatos. Diz não gostar dos “yes-men”, mostrando-se exigente consigo próprio. Acredita que os deputados devem representar o povo e não serem funcionários do partido, como acontece actualmente. Durante uma hora de conversa, arrancou muitos sorrisos e aplausos da plateia.

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Mota Amaral, ex-presidente da Assembleia da República e ex-presidente do Governo Regional dos Açores, esteve em Penafiel, no Museu Municipal, na noite de quarta-feira para uma conversa.

A primeira edição das Conversas com Saber, organizado pelo Jornal Verdadeiro Olhar e a Câmara Municipal de Penafiel, abordou a biografia de João Bosco Mota Amaral, nascido na ilha de São Miguel, nos Açores, em 1943, entre alguns sorrisos da plateia perante o seu bom humor.

Diz gostar muito de ler, especialmente poesia e também jornais. Chegou até a ter as chaves das estantes da biblioteca do Liceu Antero de Quental, onde estudou. “Gosto do livro, do cheiro do livro, do pó do livro. Gosto de espirrar com o pó dos livros”, refere. E foi por defender essa ideia que foi um dos impulsionadores do Plano Regional de Leitura, nos Açores, para convencer, principalmente os mais novos, de que “é preciso ler livros, não basta ter muita informação e, menos ainda, não se pode estar dependente da informação”.

Em 1960, terminou os estudos no ensino secundário e recebeu a distinção de melhor aluno do país. Foi depois estudar para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e trabalhou no escritório de advogados de Marcelo Caetano.

“Francisco Sá Carneiro tinha uma grande capacidade de liderança”

Mota Amaral, que foi dos fundadores e primeiros militantes do Partido Popular Democrático (PPD), em Maio de 1974, juntamente com Francisco Sá Carneiro, referiu que este “tinha uma visão para Portugal muito adequada” e “uma grande capacidade de liderança”. “Quando fundou o Partido Social-Democrata, imediatamente, levanta uma grande onda de apoio à sua personalidade e ao seu partido, que, desde o princípio da nossa democracia, foi um partido decisivo para o equilíbrio do poder democrático”, refere, apontando que houve projectos semelhantes que também realizou.

Foto: Rafael Telmo

Foi presidente da Comissão Política Regional do PSD – partido que, na altura da sua fundação, define como estando no centro do espectro político e “plural” e não de direita – desde esse ano até Dezembro de 1995. Integrou também a Assembleia Constituinte e foi depois deputado da Assembleia da República, mas, entretanto, abandonou o cargo para regressar à sua terra. De 1976 até 1995, acabou por ser eleito como presidente do Governo da Região Autónoma dos Açores.

“Na sua fundação, o PSD não era uma partido de direita. Era de centro e plural.”

Enquanto se manteve nesse cargo, o objectivo que tinha com as suas propostas era a “transformação dos Açores numa região autónoma” e afirma que era preciso “dar um salto qualitativo”. Nos 19 anos que lá esteve, teve “muito gosto em protagonizar esse salto” e conta que, quando era jovem, havia muitas crianças que iam para a escola descalças e muitas pessoas que não tinham electricidade nem água canalizada. “Lançámos um grande programa de obras públicas e as nossas condições de vida mudaram substancialmente”, aponta.

Como morava perto do Palácio da Conceição, sede do Governo Regional dos Açores, as pessoas abordavam-no todos os dias no caminho. “É a vantagem da proximidade do poder. Era um presidente à porta”, aponta. Diz que recebia sempre as queixas dos cidadãos e que tentava dar-lhes resposta, mas, às vezes, direccionava-os para “o Senhor Santo Cristo dos Milagres”, brinca.

“Nunca gostei de estar rodeado dos yes-men”

Na altura, refere que pedia aos seus colaboradores que o avisassem quando ele errasse porque acredita que é preciso que haja “esta facilidade de crítica, de dizer que está mal” e diz que sempre apreciou quem o confrontava. “Nunca gostei de estar rodeado dos yes-men”, afirma.

Foto: Rafael Telmo

Acabou por deixar o poder livremente, porque “mais vale sair pelo próprio pé e esfregar os pés à saída e deixar as coisas correrem”. “Ao fim de tantos anos, uma pessoa percebe que é preciso ideias novas, novas energias e caras novas”, explica, referindo também que é a favor da limitação de mandatos porque ajuda a pessoa “a ter um limite”.

 “Ao fim de tantos anos, uma pessoa percebe que é preciso ideias novas, novas energias e caras novas”

Em jeito de balanço sobre o tempo que lá esteve, refere que o projecto de “autonomia e desenvolvimento” que apresentou “corresponde às necessidades da ilhas e do povo dos Açores e que, para além disso, serve Portugal”. “Com o desenvolvimento das ilhas, com a emancipação dos açorianos, que passaram a tomar conta dos seus próprios problemas, estabeleceu-se a unidade nacional. Este sonho e projecto estava certo e é útil para os Açores, para Portugal, conseguiu colocar os Açores no lugar certo no âmbito europeu”, descreve, referindo que “é um enriquecimento para a União Europeia”, uma vez que ajuda-a a afirmar-se como uma “potência marítima”. “Este projecto continua a ser executado. Vejo isso com muita satisfação. Valeu a pena”, continuou.

“Não penses que o mundo vai acabar, não vai. Há problemas, mas é possível encontrar soluções para os problemas”

Em relação ao cargo que ocupou como presidente da Assembleia da República, na IX Legislatura, em 2002, afirma que nunca o ambicionou e que “estes lugares foram surgindo”, mas que foi “uma honra enorme” e procurou “ir desempenhando como sabia”. “Consegui começar as sessões a horas e que as pessoas falassem no tempo estipulado”, comentou, provocando alguns risos na plateia.

Foto: Rafael Telmo

Hoje em dia, acredita que “o mundo tem mudado muito” e que “parece que está tudo muito rápido”. “Pelas notícias que nos chegam, parece que estamos a viver sobre guerra, até há varias guerras em curso e é evidente que isso alarma as pessoas. Não penses que o mundo vai acabar, não vai. Há problemas, mas é possível encontrar soluções para os problemas”, aconselha. “É preciso desfazer e olhar com sentimento crítico aquilo que nos chega através da comunicação social, a ver se se perde um pouco na consideração do imediato. Tenham calma e moderação”, acrescentou.

Rematou ainda, dizendo que “um dos problemas do Parlamento actual é que os deputados, em vez de se assumirem como representantes do povo, eleitos do povo, assumem-se como funcionários do partido e isso é que é péssimo”, o que provocou um grande aplauso.