“Na ecocozinha pedagógica usamos produtos da nossa horta e executamos receitas. Usamos Português e Matemática e, às vezes, receitas noutras línguas, como Inglês e Francês”, testemunham os alunos. São assim as aulas nos estabelecimentos de ensino do Agrupamento de Escolas de Cristelo, em Paredes, que contam com mil alunos, do pré-escolar ao 9.º ano.
No âmbito da flexibilização do currículo e autonomia, desde há três anos que a escola integrou um Projecto-Piloto de Inovação Pedagógica para combater o insucesso escolar, fazendo alterações nos horários, nas turmas e nos programas, entre outros.
Este ano avança com nova mudança. Será a primeira escola do país a adoptar quatro períodos escolares. Os alunos passam a ter uma paragem lectiva, ou seja, uma semana de férias, a cada oito semanas de aulas.
A meta é continuar a obter bons resultados escolares, como mostram os indicadores revelados por Mário Rocha, director do Agrupamento de Escolas. No último ano lectivo, o 4.º e 6.º anos tiveram taxa de retenção zero. No 9.º ano houve apenas 7% dos alunos retidos. Mais que isso, Mário Rocha salienta a excelência. “Há três anos tínhamos 48% de alunos sem negativas, com sucesso pleno em todas as disciplinas. Hoje temos cerca de 80%. A taxa de alunos com quatros e cincos aumentou um terço”, adianta.
Ministro entrevistado por alunos e guiado numa visita
Tiago Brandão Rodrigues foi recebido na EB 2,3 de Cristelo por um grupo de alunos de microfone e máquina fotográfica em punho. À Lara, à Mariana, ao Tomás, ao Miguel, ao Gabriel e ao Fábio, além de executarem a reportagem para o jornal da escola, coube guiar o Ministro da Educação pela escola para lhe dar a conhecer os diferentes projectos educativos.
Começou por uma “tertúlia ideológica” que decorria na biblioteca, com alunos do 5.º ano sentados em círculo a debater. “Lemos um livro e escolhemos um parágrafo. Depois falamos sobre ele dando opiniões diferentes”, resume o Martim. “Quando estamos só um temos uma opinião e quando estamos todos juntos podemos dar a nossa opinião. E se a do outro for diferente da nossa não há problema”, acrescenta quando questionado pelo governante sobre se opiniões divergentes são problemáticas. “Este intercâmbio de ideias é fundamental”, diz o ministro.
O texto em debate era “A árvore generosa”. “As árvores podem ser generosas?”, questiona Tiago Brandão Rodrigues. “As árvores são generosas para nós”, garante Ana. “Uma árvore no dá-nos ar e sem ar não vivemos. Dá-nos o papel do seu tronco, a madeira para fazer móveis. Dá-nos resina”, exemplifica.
No auditório da escola continuou o debate com dezenas de alunos que lhe falaram sobre o que é são os “RIC”, referenciais de integração curricular, que dentro de um tema abrangem várias disciplinas. São quatro: Ecocozinha pedagógica; Nós e a Europa; Entre Artes e Jogos Olímpicos 2035. “Então aqui na escola, num projecto inovador, muitas vezes, saem da sala de aula. Têm mais do que uma disciplina com vários professores. O que tem a ver Português com História?”, dá como exemplo Tiago Brandão Rodrigues.
“Viemos visitar a vossa escola porque não é uma escola qualquer. Há muitas escolas que querem fazer coisas como vocês fazem aqui. Vocês têm mostrado ao resto do país que é possível fazer diferente”, assegurou o governante.
“Estou muito orgulhosa de estar na escola que estou”, disse Maria João, arrancando uma salva de palmas dos colegas.
“As aprendizagens tocam-se umas às outras. O Português pode tocar no Inglês, na Matemática, no Francês, na Geografia, nas Ciências”
Tirando partido da autonomia dada, o Agrupamento de Escolas de Cristelo integrou, em 2016, um Projecto-Piloto de Inovação Pedagógica. E foi introduzindo mudanças de flexibilização curricular.
“Esta é uma escola pública como todas as outras. Tentamos incluir todos os alunos. O que queremos fazer diferente é uma aprendizagem em que toda a comunidade educativa é convocada para que a aprendizagem aconteça de forma globalizante, incluindo e integrando todos”, destaca o director.
Além disso, fazem integração curricular. “Conseguimos que várias disciplinas se integrem em torno de referenciais que nós estabelecemos com os alunos que escolheram os quatro que norteiam o nosso currículo. Desde o primeiro ano até ao nono ano os alunos trabalham através desses referenciais várias disciplinas ao mesmo tempo, trazendo para a discussão aquilo que é importante que aconteça nas escolas: que as crianças sejam mais interventivas na sociedade e comunidade em que vivem”, acredita Mário Rocha. “As aprendizagens tocam-se umas às outras. O Português pode tocar no Inglês, na Matemática, no Francês, na Geografia, nas Ciências”, dá como exemplo.
O ano lectivo passou a estar dividido em oito semanas, mas até agora vigoravam os três períodos. A última de cada oito semanas é uma semana temática que traz a comunidade educativa à escola, como pais, parceiros locais e universidades, e em que as “áreas de competência do perfil dos alunos são aprofundadas”, privilegiando o pensamento critico, a criatividade, a resolução de problemas, o bem-estar, saúde e ambiente, a leitura e texto.
A grande novidade é agora ser introduzida uma paragem lectiva de uma semana no final destas oito semanas, dividindo o ano em quatro períodos. “Mudando o currículo de oito em oito semanas sentimos a necessidade de avaliar de forma efectiva ao final das oito semanas. Agora há uma paragem de uma semana em que há uma avaliação, um planeamento das oito semanas seguintes e um momento em que as crianças podem descansar numa interrupção lectiva de uma semana e voltar de baterias recarregadas”, adianta o director de Cristelo.
Zero retenções no 4.º e 6.º anos e excelência a crescer
As mudanças conseguidas ao longo dos últimos anos são evidentes. Mais do que números destaca a forma “como os alunos se olham uns aos outros, se respeitam uns aos outros e trabalham com alunos de outras turmas ao mesmo tempo”. “Faz com que se conheçam melhor e criem um compromisso de aprendizagem entre todos, desenvolve-se a cidadania, conhecem a comunidade, porque os pais também vêm para as salas de aula, vão para fora de portas, conhecem os problemas da comunidade e intervêm sobre eles”, refere.
Mas também há resultados que podem ser medidos, como a excelência educativa. “Há três anos tínhamos 48% de alunos sem negativas, ou seja, com sucesso pleno em todas as disciplinas. Hoje temos cerca de 80% e uma taxa de alunos com quatros e cincos que aumentou um terço”, adianta.
Houve ainda muitas melhorias nas taxas de progressão/de não retenção. “A nossa avaliação é feita ao longo de um ciclo. Os alunos acompanham o grupo e só reprovam no 4.º ano, 6.º e 9.º anos. Nos anos intermédios só se houver alunos com faltas injustificadas e estejam mesmo desligados do ensino é que podem ficar retidos”, começa por dizer Mário Rocha. No último ano lectivo houve 0% de retenções no 4.º ano, seguindo os critérios nacionais de que alunos com negativa a Português e Matemática reprovam. No 5.º e 6.º anos também não houve reprovações. “Do 1.º ao 2.º ciclo temos 100% de sucesso na retenção, quando antes havia sempre taxas de retenção não muito altas, mas preocupantes”, admite.
“O grande problema era o sétimo ano, tínhamos taxas de retenção à volta dos 20%, no 8.º ano eram de 28% e no 9.º ano, de 33%”, acrescenta o responsável pelo Agrupamento de Escolas de Cristelo. “Os alunos iam ficando retidos e no final do ciclo um terço dos alunos reprovava”, completa. No ano lectivo passado apenas 7% dos alunos reprovaram no 9.º ano e praticamente não houve retenções no 7.º e 8.º anos. “São indicadores tangíveis que permitem mostrar o sucesso desta escola”, frisa.
A associação de pais concorda, mas não esconde que ainda há pais com dúvidas. “Estou plenamente de acordo com o plano implantado. Nem todos os pais estão de acordo, mas estamos a trabalhar no sentido de que haja evolução e que se notem as diferenças”, salienta Conceição Mendes. Segundo a presidente da Associação de Pais da EB 2,3 de Cristelo, com este projecto pedagógico “os alunos partilham mais as coisas”. “Uma coisa é estarem dentro de uma sala de aulas, uma turma, sempre os mesmos meninos, outra coisa é estarem com outros alunos, num mundo diferente. Acabam por estar mais preparados para a sociedade que têm de enfrentar e conhecem-se mais uns aos outros”, defende. Por outro lado, há “muitas diferenças positivas” nos resultados escolares. Os pais estão agora à espera de perceber como vai correr a nova paragem lectiva. “Acho que foi a decisão certa. Ficando oito semanas na escola e uma semana em casa os meninos vão progredir mais por descansarem”, acredita Conceição Mendes.
“Cada vez que confiamos nas escolas elas têm dado a resposta certa. É o caso desta”
Quem também acredita no sucesso deste projecto é o ministro da Educação, que realça que cada escola é uma escola.
“Esta é uma das propostas apresentadas no âmbito da autonomia de cada uma das escolas para responder a uma questão central do sistema educativo: o insucesso escolar. Estes esforços de flexibilização, baseados na autonomia das escolas, dão a cada uma a oportunidade de desenhar o seu projecto pedagógico. Os motivos de insucesso escolar são muito variáveis e multi-factoriais. O que funciona num grande bairro, de uma grande urbe, é necessariamente diferente de um projecto pedagógico que funciona em Paredes, no Alto Minho, no Alentejo ou em qualquer outra parte do território nacional”, sustentou Tiago Brandão Rodrigues.
Salientando que este é um dos instrumentos, mas há vários para alcançar o mesmo fim, que é conseguir sucesso escolar para todos, o governante afirmou que é preciso que autarquias, Governo, escola e docentes trabalhem em conjunto para que sejam construídos “projectos pedagógicos que possam dar respostas às necessidades das escolas e para que as crianças se possam sentir atraídas para aprenderem e terem cada vez mais conhecimento e competências”.
O ministro não vê com estranheza que, neste agrupamento, não tenham sido implementados semestres. “Cada uma das escolas tem de ter o seu projecto. É importante confiar nas escolas. Cada vez que confiamos nas escolas elas têm dado a resposta certa. É o caso desta. Confiamos no projecto pedagógico desta escola”, avançou aos jornalistas.
Tiago Brandão Rodrigues disse-se “encantado” com o que viu em Paredes. “Este trabalho que se nota nestes alunos mostra bem a sua capacidade de oratória, de comunicação, de interpelar ou esclarecer e mostra que o processo de ensino-aprendizagem está a acontecer nesta escola”, concluiu.