Durante cinco anos, houve autos de contra-ordenação relativos ao não pagamento de taxas de estacionamento à superfície que terão sido adulterados por funcionários da Câmara de Valongo para que os infractores não pagassem as multas.
O esquema foi denunciado por uma reportagem da TVI que falava em casos repetidos em que eram adicionados letras ou números às matrículas para que os carros fossem assumidos como tendo matriculas estrangeiras. As multas eram, assim, arquivadas.
A comprovar-se, adiantava a reportagem baseada em exemplos de autos adulterados, e tendo em conta que, além do valor do estacionamento os infractores deviam pagar 30 euros pela contra-ordenação, esta adulteração de documentos pode ter lesado o Estado, a Câmara e a Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária em vários milhões de euros.
Nas contas de Domingos Correia, administrador da Parque VE, empresa concessionária do estacionamento à superfície em Valongo e Ermesinde que fiscalizou os parquímetros em 2018, ouvido pela TVI, só no ano passado foram emitidas 25 mil cobranças de taxas. “Seriam 25 mil autos a multiplicar por 30 euros”, afirmou. Só que a Câmara de Valongo não avançou com qualquer processo de contra-ordenação em 2018. “Estamos a falar de cinco anos e cerca de quatro milhões de euros que a câmara, com esta falta de proactividade de actuação, lesou os cofres do Estado e da própria Câmara”, assegurou, salientando que desde que a empresa concessionária de estacionamento fiscaliza a receita triplicou.
A investigação da TVI avançava que o Ministério Público já teria as provas na sua posse e estaria a investigar e que, ficando provada uma actuação ilícita por parte do município, pode haver perda de mandato para o presidente da Câmara Municipal de Valongo.
Ao jornalista da TVI, José Manuel Ribeiro afirmou não ter conhecimento destes dados, mas prometeu mandar investigar e terá emitido posteriormente um despacho para que situação fosse verificada internamente.
Presidente da Câmara abriu investigação interna
Questionada, a Câmara de Valongo emitiu, esta sexta-feira, um esclarecimento, dizendo desconhecer a alegada existência de situações de adulteração de registos de processos de contra-ordenação na aplicação informática do município, até ser confrontado pelo jornalista da TVI.
“Este assunto nunca tinha chegado ao conhecimento do executivo municipal, pelo que foi com grande surpresa e apreensão que o presidente da Câmara recebeu a informação de tal suspeita. De imediato solicitou ao jornalista cópia dos documentos que fundamentavam tal afirmação, constatando que as suspeitas se referiam a situações ocorridas entre os anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, ou seja, período maioritariamente correspondente a anterior executivo do PSD”, descreve o esclarecimento enviado. “Face à gravidade dos indícios e factos descritos o presidente da Câmara determinou nesse mesmo dia, 20 de Março, a abertura de um inquérito tendo em vista apurar os factos e procedeu à participação junto do Ministério Público”, sustenta a mesma fonte.
PSD exige esclarecimento público
Em comunicado, o PSD Valongo afirma que “o clima de incerteza que, nos últimos tempos, envolve todo o processo de concessão do estacionamento à superfície no concelho de Valongo adensou-se agora com os factos revelados pela reportagem da TVI”.
“Urge, por isso, apurar a veracidade e apresentar também publicamente, de forma transparente, factos que esclareçam os munícipes”, defende o partido, atribuindo o esclarecimento a José Manuel Ribeiro.
“A actual gestão política da concessão de estacionamento, como já tivemos oportunidade de o frisar, está envolta em dúvidas e factos não totalmente claros, nomeadamente os dois últimos anos em que a fiscalização foi alvo de decisões por parte do presidente da câmara que nunca ficaram perfeitamente entendidas, com avanços e recuos e desconhecimento alegado pelo presidente da câmara do quadro legal em que suportou as suas decisões”, argumenta o partido da oposição.
“A decisão do resgate da concessão do estacionamento à superfície no concelho de Valongo veio lançar dúvidas nos munícipes sobre quem fiscaliza o estacionamento e mesmo sobre a obrigatoriedade de pagamento. O presidente da Câmara Municipal, enquanto responsável máximo da autarquia, destaque-se, tem de fornecer as explicações que acabem com este processo de incerteza e de instabilidade. Não chega alegar desconhecimento quando os factos não lhe são favoráveis”, frisa o comunicado, prometendo o PSD pedir todas as explicações até que o município de Valongo seja “ressarcido dos prejuízos causados por decisões erradamente tomadas e pela incompetência e desresponsabilização que o presidente da câmara tem demonstrado na gestão deste assunto”.
Em resposta ao PSD, José Manuel Ribeiro salienta que “esta é mais uma ‘prenda’” que este executivo recebeu do passado. “Lamento mais uma vez que o PSD Valongo não tenha ainda pedido desculpa aos valonguenses pelas duas concessões ruinosas de estacionamento à superfície que trouxe para as cidades de Ermesinde e de Valongo em 2003, e que muito prejudicaram o comércio das duas cidades durante muitos anos”, afirma o autarca. “Fui eleito para defender o interesse público, e mais uma vez vai ser o executivo a que presido a solucionar mais uma pesada herança do PSD Valongo com mais de 16 anos. Esperamos que o PSD Valongo seja sempre solidário com o interesse público municipal!”, desafia o presidente da câmara.
Resgate da concessão em curso. Fiscalização será assegurada pela Câmara
Desde 2003 que o município de Valongo concessionou o estacionamento à superfície em Valongo e Ermesinde à Parque VE. A empresa ainda exerceu a fiscalização durante alguns anos, até que, em 2007, por força da alteração do Código da Estrada, a fiscalização de estacionamento passou para a Câmara Municipal, recorda a autarquia, no esclarecimento enviado ao Verdadeiro Olhar.
“Em Dezembro de 2017, no âmbito do processo judicial interposto pela Câmara Municipal contra a Parque VE, foi acordado em sede de transacção judicial, celebrar um aditamento aos contratos de concessão para adaptá-los ao novo regime do Código dos Contratos Públicos, reorganizar os lugares concessionados, assegurar o novo local para a Feira Semanal de Valongo, e atribuir a fiscalização do estacionamento à Parque VE, no sentido de libertar a Câmara dos custos de manutenção de uma extensa equipa de fiscais municipais afecta àquelas funções”, descreve o município.
Mas isso estava dependente da equiparação dos funcionários da empresa a agentes de autoridade administrativa, conforme manda a lei.
Como a empresa não conseguiu essa equiparação e porque havia “um comportamento agressivo e persecutório” por parte dos fiscais junto dos cidadãos, “tendo o município recebido centenas de queixas sobre essas práticas agressivas de autêntica caça à multa”, a Câmara lembra que emitiu um despacho a proibir essa fiscalização enquanto os funcionários da empresa não obtivessem a equiparação dos fiscais a agentes de autoridade administrativa.
“Dado que a Parque VE não cumpriu aquela proibição, decidiu-se pela suspensão da norma regulamentar que atribuiu a competência de fiscalização à Parque VE, tornando automaticamente inválidos todos os actos dos fiscais da empresa”, afirma ainda o município. A decisão foi tomada pela Assembleia Municipal em Fevereiro.
“No entanto, a empresa Parque VE continuou a sua prática fora da lei, usurpando funções, o que é crime, e motivou participação ao Ministério Público”, argumenta a Câmara de Valongo. “Em consequência desta deliberação, a Parque VE está impedida de exercer aquela competência fiscalizadora, e todos os actos do seu pessoal de fiscalização são nulos e de nenhum efeito, designadamente a colocação nas viaturas estacionados dos denominados ‘Avisos de Pagamento’”, assegura a autarquia, explicando, no entanto, que “até à concretização do resgate das duas concessões, a ocorrer entre Agosto/Setembro do corrente ano, a fiscalização do Regulamento Municipal de Trânsito e de Estacionamento de Duração Limitada será assegurada pelos fiscais municipais, e os utilizadores do estacionamento à superfície devem continuar a pagar o estacionamento”.