Uma eleita pela coligação Penafiel Quer (PSD/CDS-PP), que integra a Assembleia Municipal de Penafiel desde 2021, fez dois contratos com a Câmara de Penafiel, no ano de 2022, que ascendem a mais de 90 mil euros (a que acresce o IVA). O Estatuto dos Eleitos Locais estabelece que Sílvia Mota, gerente da Expressão Feliz Unipessoal, Lda, tem, entre outros “deveres”, o de não pode fazer contratos com o município, o que terá sido, neste caso, violado.
Mas, contactada, a autarquia penafidelense garante a legalidade da contratação, lembra que o processo de consulta prévia é “cego” e que a empresa em causa também já perdeu noutros procedimentos lançados. Defende-se ainda com um parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDR Centro) que conclui que “não tendo a assembleia municipal intervenção nos contratos de prestação de serviços celebrados com a câmara municipal” não há um “impedimento legal” nestes contratos.
Membros da Assembleia têm o dever de “não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão”
Do portal Base.Gov constam dois contratos entre a empresa Expressão Feliz Unipessoal, Lda assinados em 2022. Um é de Março e diz respeito ao “Programa Jardim em Férias – Verão e Férias Educativas”, tendo o valor de 61.224 euros mais IVA (75.305,22 euros) e o outro, assinado em Setembro, e que deu entrada no portal em Outubro, tem o valor de 29.400 euros mais IVA (36.162 euros), referindo-se a “Serviços do Projecto Inclusão pela Música”.
Em 2019, quando Sílvia Mota ainda não era deputada municipal, a mesma empresa já tinha celebrado contratos com o município, por consulta prévia e ajuste directo, para os mesmos fins, no valor global de quase 96 mil euros (mais IVA). No âmbito da Inclusão pela Música, a Expressão Feliz também já realizou contratos com a Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa, revela o Portal Base.Gov.
Mas, o Estatuto dos Eleitos Locais, que abrange “os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias” – ou seja, incluindo os deputados eleitos para a Assembleia Municipal, que é um órgão deliberativo – estabelece que, entre os “deveres” dos eleitos locais, estão, entre outros, o de “não intervir em processo administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado nem participar na apresentação, discussão ou votação de assuntos em que tenha interesse ou intervenção, por si ou como representante ou gestor de negócios de outra pessoa, ou em que tenha interesse ou intervenção em idênticas qualidades o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum”, assim como “não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão”.
Consulta prévia é “um processo ‘cego’, uma vez que é conduzido através de plataforma electrónica”
Confrontada com a possível ilegalidade, a Câmara de Penafiel atesta a validade dos contratos e defende-se com um parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro que advoga a legalidade de um membro de uma assembleia municipal contratar com a câmara.
No esclarecimento enviado, a autarquia penafidelense salienta que Sílvia Mota “tem prestado serviços através da empresa Expressão Feliz Unipessoal, desde 2018/2019, sendo que foi eleita pela primeira vez deputada municipal apenas em 2021”. Sobre os contratos de prestação de serviços em causa, a Câmara refere que estão relacionados com programas de férias educativas que garantam actividades lectivas e prolongamento de horário às crianças das escolas e também a serviços de inclusão social pela música nos jardins-de-infância.
“Estas prestações de serviços foram efectuadas através do procedimento de consulta prévia, que consiste em consultar várias empresas (no mínimo três), sendo adjudicada à que apresenta o preço mais baixo”, diz o município, frisando que se trata de “um processo ‘cego’, uma vez que é conduzido através de plataforma electrónica” e só “são conhecidas as propostas aquando da sua abertura”.
A Câmara de Penafiel realça ainda que a empresa de Sílvia Mota já participou noutros procedimentos e “perdeu por não ter apresentado a melhor proposta, tendo ganho outras entidades, nomeadamente de Lisboa”.
Em resumo, a autarquia “entende não existir ainda qualquer incompatibilidade” já que “a empresa em causa já concorre antes do elemento em causa ter sido eleita deputada”, “a Assembleia Municipal é um órgão deliberativo e não executivo, que não tem qualquer intervenção nos contratos públicos municipais” e porque “existem pareceres, nomeadamente da CCDR Centro que afastam a existência de qualquer incompatibilidade”.
O referido parecer, emitido em Fevereiro de 2020, aborda a “existência ou não de incompatibilidade das funções do membro da Assembleia Municipal” partindo de um caso concreto. Conclui, entre outros, que “não existe incompatibilidade entre o exercício do membro de uma assembleia municipal (não considerado como actividade profissional) e o exercício de outras actividades, públicas ou privadas”, destaca o município, e que “não tendo a Assembleia Municipal intervenção nos contratos de prestação de serviços celebrados com a câmara municipal, também não existe um impedimento legal, nos termos do artigo 69.º do CPA”. O documento dá ainda nota de que a lei que aprova o regime de exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos “não é aplicável aos membros das assembleias municipais”.
“A Assembleia Municipal não intervém em procedimentos pré-contratuais nem celebra contratos de prestação de serviços. Essa competência pertence à câmara municipal ou ao presidente da câmara, de acordo com o valor dos contratos a celebrar. Assim, também poderemos concluir que não tendo a assembleia municipal intervenção nos contratos de prestação de serviços celebrados com a câmara municipal, também não existe na situação em análise um impedimento legal, nos termos do artigo 69.º do CPA”, resume o parecer nas conclusões.
O Verdadeiro Olhar tentou ouvir Sílvia Mota, mas sem sucesso até à publicação desta notícia.