No Domingo 4 de Setembro de 2022, vai ser beatificado na praça de S. Pedro, em Roma, o Papa João Paulo I.
Albino Luciani, eleito Papa depois da morte de Paulo VI, escolheu o nome de João Paulo I por devoção aos seus dois antecessores, os Papas do Concílio Vaticano II, João XXIII e Paulo VI. Nenhum Papa tinha jamais escolhido um nome composto, pelo que foi simultaneamente uma ruptura com a tradição e um sinal muito forte de continuidade.
Embora o pontificado de João Paulo I tenha durado apenas um mês, deixou uma marca tão profunda na Igreja que o seu sucessor, Karol Wojtyla, não hesitou em repetir o nome: João Paulo II. A devoção a João Paulo I, em vez de se apagar com o tempo, foi crescendo desde o ano da sua morte. Por exemplo, em 1990, todos os 226 bispos da Conferência Episcopal Brasileira assinaram um pedido para que se iniciasse a sua causa de canonização.
As causas de canonização dos Papas são particularmente trabalhosas porque é preciso examinar tudo o que escreveram e ouvir uma selecção grande dos que o conheceram de perto. No caso de João Paulo I, ouviram-se 167 testemunhos, vários deles com material suficiente para publicar um livro inteiro, e depois mais outros 21 testemunhos, um dos quais de Bento XVI. O resumo da causa de João Paulo I consta de 5 volumes com um total de mais de 3600 páginas. A documentação reunida foi estudada por várias equipas de peritos e finalmente por uma comissão de cardeais, que entregou as conclusões ao Papa Francisco. Em 2017, Francisco publicou o decreto acerca das virtudes heróicas de João Paulo I.
Quando se dá este passo, depois do processo exaustivo referido, espera-se que Deus confirme a conclusão com um milagre. Esse milagre, atribuído à intercessão de João Paulo I, ocorreu em Buenos Aires quando o Cardeal Jorge Bergoglio ainda era o Arcebispo da diocese. Uma menina de 11 anos estava no hospital, com um quadro clínico terrível (uma forma extrema de epilepsia, com danos irrecuperáveis no cérebro, entubada, com broncopneumonia, etc., etc.). O prognóstico provável era a morte a curto prazo, talvez adiada durante algum tempo, se se conseguisse manter a paciente em estado vegetativo. A situação crítica durava há meses, mas em 22 de Julho de 2011 precipitou-se de tal maneira que a família foi avisada do desenlace iminente. No momento em que se esperava o desfecho fatal, o Pe. José, da paróquia vizinha do hospital, propôs à mãe que, por intercessão de João Paulo I, pedissem a Deus a cura da rapariga. O resultado desta oração intensa foi uma sucessão de surpresas: no dia seguinte já estava muito melhor, nas semanas seguintes recuperou completamente a saúde, incluindo a cura total da epilepsia. Passaram-se 10 anos e a rapariga concluiu os estudos secundários e frequenta neste momento a universidade. Na altura, o processo passou pelo Cardeal Bergoglio e, depois de verificado por juntas médicas e equipas de outros especialistas, chegou à mesa do Papa Francisco, que assinou o respectivo decreto.
João Paulo I teve uma origem muito humilde. Passou a infância com a mãe e os 3 irmãos, enquanto o pai vivia no estrangeiro, de contratos ocasionais de construção civil. O pequeno Albino Luciani pôde fazer os estudos porque a paróquia os pagou. O curioso é que um percurso deste tipo não é caso único entre os Papas deste último século. A maioria dos Papas vieram de famílias pobres e, várias delas, à beira da miséria. É um dado estatístico que poderia talvez ajudar alguns a compreenderem melhor o funcionamento da Igreja católica.
João Paulo I é o quinto Papa do século XX a ser declarado beato ou santo e decorrem ainda os processos de canonização de outros. Por ordem cronológica: Pio X, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II.
Se, com Papas tão santos, alguns têm dificuldade em estimar o Papa e aceitar a sua autoridade, qual seria a situação da Igreja nos nossos dias se Deus tivesse permitido Papas menos bons neste último século?
que bom jornal, António Damásio
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