Feliz e visivelmente emocionado, Hugo Magalhães, antigo bombeiro, de 43 anos, agradeceu, este domingo, a entrega simbólica de uma casa adaptada às suas necessidades de mobilidade, construída graças a um evento solidário da Polícia Municipal de Gondomar e a outras ajudas angariadas.
Diagnosticado com esclerose múltipla em 2010, Hugo teve de deixar a profissão que amava – está já reformado por incapacidade -, chegou a passar por uma depressão, e vivia quase fechado em casa porque a habitação dos sogros, onde morava, tinha muitos degraus e limitações à mobilidade.
Esta nova casa, garante, está totalmente adaptada e permite-lhe ser mais autónomo e dá mais qualidade de vida à família.
“Sempre que estive do vosso lado, com e sem farda, fi-lo sempre com muito orgulho e amor ao que fazia. Um grande obrigado por me terem ajudado a realizar este sonho. As portas de minha casa estarão sempre abertas para receber os amigos”, disse, com lágrimas à mistura, perante várias entidades ligadas à Polícia Municipal, Bombeiros e Protecção Civil.
“O que ele mais amava era a profissão dele e ter de deixar de trabalhar foi muito doloroso”
Hugo Magalhães tinha “uma vida normal e activa” e “fazia aquilo que amava”. Foi bombeiro em Gondomar desde os 18 anos. Entrou na Força Especial de Bombeiros em 2004, onde esteve por seis anos, chegando a Chefe de Brigada em 2008.
Mas, em 2010, viu a vida mudar da noite para o dia quando recebeu um diagnóstico de esclerose múltipla. Começou a sentir formigueiro nas pernas, os pés a arrastar, depois problemas nos olhos, mas o diagnóstico não foi imediato. Só depois de vários exames recebeu a notícia. “Quando a Neurologista me disse tem esclerose múltipla eu olhei para ela e para a minha esposa e pensei ‘vou tomar tipo um Bem-u-ron e isto passa. Não sabia o que era isso. Só depois percebi e caí na realidade”, assume. Ainda passou para as funções de operador de telecomunicações, mas depois teve um surto que lhe afectou a visão. Seguiram-se três anos de baixa e a reforma por incapacidade.
Manuela Ribeiro acompanhou tudo. Estavam juntos há dois meses quando começaram os sintomas. “Tínhamos meio ano de relação quando a esclerose múltipla foi detectada. Na altura nem sabia o que era a doença, mas fiquei sempre do lado dele”, recorda a esposa. “Ele entrou em depressão, não aceitava a doença e lidava mal com isso. Tinha muita revolta, chorava muito. O que ele mais amava era a profissão dele e ter de deixar de trabalhar foi muito doloroso. Quando havia incêndios ele chorava em frente à televisão por não conseguir estar lá com os colegas”, descreve a lousadense.
Pelo caminho, para concretizar o sonho de ter filhos e dar-lhe alegria e razão de viver nasceram a Matilde, hoje com nove anos, e o Gabriel, com seis anos.
“Esta casa mudou muito a minha vida”
Até há pouco tempo, Hugo e a família viviam em casa dos sogros. Mas há medida que foi perdendo mobilidade e capacidades, a habitação tornou-se desadequada para as suas necessidades. “Fui perdendo o equilíbrio e já só me desloco de cadeira de rodas”, explica Hugo Magalhães. “Lá para chegar ao rés-do-chão tinha nove degraus e para ir aos quartos e casa de banho 15 degraus. Precisava de ajuda para tudo. Cheguei a cair várias vezes”, uma delas dentro da banheira e fracturou duas costelas, dá como exemplo.
E foi aí que surgiu uma ajuda inesperada. Em 2018, a Polícia Municipal de Gondomar, que já tinha apoiado outras causas, decidiu que o valor angariado com o evento Trail das Fardas reverteria para construir ao antigo bombeiro uma casa adaptada num terreno cedido pelos sogros.
“Ele tinha este terreno, vivia num segundo andar e ficava o dia inteiro em casa porque não conseguia descer e andar na rua”, lembra António Carvalho, Polícia Municipal em Gondomar. “Limitamos as inscrições a mil pessoas, cerca de 70% eram forças de segurança, protecção civil ou socorro, e angariaram-se quase 58 mil euros”, adianta. Depois, foram conseguindo outras ajudas que duplicaram o apoio. A casa modular teve desconto, os vidreiros e serralheiros apoiaram e houve quem oferecesse a cozinha. Já os polícias municipais vieram sempre ajudar. “Quando era precisa mão-de-obra ou vinha eu ou outros polícias municipais. Ele agora já consegue sair de casa, ir à rua, apanhar sol, dentro das limitações dele. Um lar adaptado à condição dele traz-lhe outra qualidade de vida”, acredita António Carvalho.
Hugo Magalhães confirma: “Esta casa mudou muito a minha vida”. “Se quero ir lá fora vou, na cadeira, as portas são todas adaptadas, o quarto e a casa de banho também. Está tudo adaptado às minhas condições e estou muito feliz. Continuo a precisar de ajudas, mas consigo fazer uma vida mais autónoma”, garante o antigo bombeiro. Actualmente, já a viver na habitação, Hugo até consegue pegar na cadeira adaptada e ir ao café conviver para não estar sempre sozinho. “Na outra casa só podia sair se a minha mulher estivesse e, pelo trabalho que dava, às vezes nem queria sair de casa”, admite.
“Ainda hoje lhe custa dar-nos trabalho, isso revolta-o”, acrescenta a esposa. “Esta casa muda a nossa vida. Ele aqui consegue ser mais autónomo, na outra casa tinha muitas escadas e chegou a sofrer várias quedas, inclusive pelas escadas abaixo. Ele se estivesse lá ia estar fechado numa divisão, já nem com ajuda seria fácil de subir ou descer”, sustenta Manuela Ribeiro.
Na entrega simbólica da casa, Artur Teixeira, comandante da Polícia Municipal e Protecção Civil de Gondomar, lembrou o percurso. “Ele disse-me a chorar que o sonho dele já não era realizável: deixar um tecto para a mulher e para os filhos. Disse que não conseguia uma casa e conseguimos, graças a uma cadeia de solidariedade”, salientou, concluindo “o Hugo foi um bombeiro que tudo deu em serviço e ao serviço de todos”.