Foto: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República

Teve uma infância partilhada entre Lousada e o Zaire e, hoje, olhando para trás, Elisabete Silva, militar, entende que a falta de segurança daquele país africano (actual República Democrática do Congo) pode ter influenciado a sua opção pelo Exército.

Esta lousadense de 42 anos, casada, com dois filhos, que já esteve destacada em missões internacionais na Bósnia-Herzegovina e já recebeu várias condecorações e louvores, foi a primeira mulher a ser porta-voz do Exército e agora é a primeira mulher comandante do Grupo de Carros de Combate da Brigada Mecanizada. “A nomeação para esta função materializa um dos meus maiores objectivos e realizações profissionais e não poderia estar mais grata pela oportunidade que me foi concedida”, revela em entrevista ao Verdadeiro Olhar.

“Eu gosto de ser militar e penso que serei militar para sempre”, sentencia a Tenente-Coronel de Cavalaria.

Cresceu em duas realidades distintas

Patrulha de Reconhecimento da Área de Responsabilidade enquanto Comandante de Pelotão de Atiradores SFOR na Bósnia-Herzegovina

Elisabete Maria Rodrigues da Silva nasceu em Lousada a 30 de Janeiro de 1980, mais concretamente na freguesia de Silvares, mas também residiu em Casais.

Viveu parte da infância neste concelho. “Quando tinha cerca de seis anos emigrei com a minha família para o Zaїre, actual República Democrática do Congo, e apenas regressei a Lousada com 11 anos”, conta. Essas duas realidades muito distintas – Lousada e Kinshasa (Zaїre) – deixaram diferentes memórias das brincadeiras que partilhou com a irmã mais velha e o irmão mais novo, assim como da vida escolar e familiar. “No Zaїre o leque de actividades de ocupação de tempos livres era maior e mais diversificado do que em Lousada naqueles tempos (década de 80/90), onde eu e os meus irmãos tínhamos possibilidade de praticar várias actividades, desde a ginástica rítmica, ténis e até mesmo motocrosse”, revela Elisabete Silva.

Só mais tarde, reconhece, percebeu que os locais de convívio, tanto a nível escolar, como de lazer e até mesmo o condomínio onde moravam “estavam inseridos em autênticas ‘bolhas de segurança’”, sendo que a realidade fora delas “era completamente diferente”. “Apenas tive noção desse facto quando as tais ‘bolhas de segurança’ começaram a ser alvo dos motins da população local, foi nessa época que os meus pais decidiram regressar a Portugal. Esse regresso prematuro marcou-a, reconhece, pela “repentina necessidade de adaptação a uma realidade tão distinta”.

Operação de Cerco e Busca enquanto Comandante de Pelotão de Atiradores SFOR, em 2004, na Bósnia-Herzegovina

Toda esta experiência, observa agora olhando para trás, e visto que nem na infância nem juventude teve ligações à vida militar, pode ter condicionado a sua opção de carreira. “O facto de ter vivido num país onde não havia segurança pode ter influenciado a minha opção de vida”, diz.

O gosto pelo Desporto e uma Academia Militar que veio “quase que por acaso”

A isso terá acrescido o gosto pela “actividade desportiva, principalmente ao ar livre, e com algum grau de aventura” que a acompanha desde jovem.

No ensino secundário, acabou por optar pela área de Desporto, visto que Educação Física era a “disciplina favorita”. E quando chegou à altura de concorrer ao ensino superior foi essa área que priorizou: “Apenas concorri para a área de Desporto e para Academia Militar”. “O meu conhecimento sobre a vida militar era quase nulo, mas através dos panfletos informativos da Academia Militar percebi que para o ingresso eram exigidas provas físicas, à semelhança das licenciaturas na área de Desporto e foi assim, quase que por acaso, que eu concorri”, resume a lousadense.

Seguiu-se uma prova de um mês de aptidão militar durante a fase de concurso que a deixou perceber que se “identificava com o serviço militar” e se sentia “realizada” naquele ambiente.

Segunda missão na Bósnia-Herzegovina, em 2006

O ingresso na Academia Militar aconteceu em 1997. Licenciou-se em Ciências Militares e possui, para além dos cursos militares de carreira, o curso de Instrutores do Sistema de Lança Mísseis TOW 2, o curso de Chefe de Carros de Combate Leopard 2 A6 e os cursos de Estado-Maior Exército e Conjunto, refere o seu vasto currículo.

“Ao longo da carreira desempenhou funções de comando no Regimento de Cavalaria n.º 4, como comandante de Pelotão de Carros de Combate M60, comandante do Esquadrão de Comando e Serviços e comandante do 2.º Esquadrão de Esquadrão de Carros de Combate Leopard 2 A6, do Grupo de Carros de Combate; e no Esquadrão de Reconhecimento, como comandante de Pelotão e Esquadrão de Reconhecimento da Brigada Mecanizada”, lê-se.

Também desempenhou funções de Estado-Maior no Comando da Brigada Mecanizada como chefe da Secção de Informações e no Gabinete do Chefe do Estado-Maior do Exército como porta-voz do Exército, tendo ainda sido professora adjunta e regente de táctica de Cavalaria e, em acumulação de funções, directora dos Cursos da Arma de Cavalaria, na Academia Militar.

Elisabete Silva desempenhou funções de Assessoria na Casa Militar da Presidência da República, sendo ajudante de campo do Presidente da República Portuguesa.

Por duas vezes, serviu em missões das Forças Nacionais Destacadas na Bósnia-Herzegovina: uma em 2004, na Missão da SFOR, como comandante de pelotão de Atiradores do 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizada; e outra em 2006, na missão da EUFOR, como adjunta de operações do Centro de Operações Táctico no Comando do Maneuver Battalion.

Foto: Exército | Nas funções de porta-voz

Primeira missão internacional foi a mais “desafiante” e a função de porta-voz do Exército a mais “exigente”

Estas missões internacionais aconteceram numa fase inicial da carreira. “Na minha primeira missão, que considero que foi a mais desafiante porque tinha saído há menos de um ano da Academia Militar, e porque estava em funções de Comando, aconteceram situações que me testaram a vários níveis. Posso destacar uma em particular que ocorreu numa das várias operações que efectuávamos. Um casal de idosos ao reparar que estavam mulheres presentes na força Portuguesa dirigiu-se a mim para entregar ao meu cuidado a neta deles. Esta situação, marcou-me porque foi notória a confiança da população nos militares portugueses e porque foi um desafio à minha resiliência psicológica e emocional”, apesar de todo o treino recebido, descreve Elisabete Silva. E embora todas as missões e funções que ocupou até hoje tenham sido gratificantes, não deixa de destacar esta experiência. “Estava a comandar um pelotão na Bósnia-Herzegovina, onde as decisões que eu tomava podiam ter um impacto real tanto nos militares que comandava como na vida das populações locais”, sustenta.

Já a função mais “exigente” que teve até aqui, a militar de Lousada avança a de porta-voz do Exército. “Primeiro pela conjuntura que se vivia na altura e, segundo, por considerar que era a função para a qual estava menos preparada e que tinha menos ‘ferramentas’ para a desempenhar”, explica. Essa foi, por isso, “uma experiência de grande aprendizagem e crescimento”, tendo sido também a primeira vez que uma mulher desempenhou o cargo. Mas, salienta, “as nomeações para as mais variadas funções, no Exército, não são influenciadas pelo género”.

Elisabete Silva foi, como já referido, ajudante de campo do Presidente da República, “numa altura bastante desafiante que abrangeu: uma pandemia, uma dissolução da Assembleia da República e uma Guerra na Europa de impacto mundial”, que lhe deixaram “uma admiração e um respeito ainda maior” por Marcelo Rebelo de Sousa.

Tomada de Posse do Esquadrão de Reconhecimento

Agora é comandante do Grupo de Carros de Combate da Brigada Mecanizada, assumindo ainda o comando do quartel de Cavalaria, por inerência. “A nomeação para esta função materializa um dos meus maiores objectivos e realizações profissionais e não poderia estar mais grata pela oportunidade que me foi concedida”, reconhece. “Considero que é a evolução natural visto ter feito o meu percurso até à promoção ao posto de Major, nas unidades de Cavalaria da Brigada Mecanizada. A função por si só acarreta grandes responsabilidades por ser tratar de uma função de comando de uma Unidade de Combate. Penso que os maiores desafios desta função serão na área de gestão de recursos Humanos e Materiais”, acredita a lousadense. Segundo a militar, o trabalho diário no Grupo de Carros de Combate passa por “aprontar forças, através de ciclos de treino operacional, para estarmos preparados para ser empregues em diversas missões tanto no âmbito nacional como internacional”. “Eu gosto de ser militar e penso que serei militar para sempre”, assume, quanto ao futuro.

Todo este percurso levou-a a acumular “vários louvores e condecorações”. Destaca o primeiro louvor referente à prestação como comandante de pelotão na missão da Bósnia-Herzegovina e a condecoração concedida recentemente pelo Presidente da República.

Exército não discrimina géneros, garante: “Acredito que ser mãe me tornou melhor militar e melhor comandante”

Enquanto Comandante do Esquadrão de Reconhecimento

Questionada sobre o aumento do número de mulheres a optar pela vida militar e se há, agora, mais aceitação num mundo antes exclusivamente masculino, a lousadense confirma que “o número de candidatas tem vindo a aumentar, o que constitui uma demonstração inequívoca de que a predisposição para o serviço militar de rapazes e raparigas está a aproximar-se”. “Actualmente, 14,7% do efectivo do Exército é do sexo feminino, existindo a expectativa que a percentagem de mulheres nas fileiras continue a aumentar de forma sustentada”, adianta.

Elisabete Silva clarifica ainda que “a igualdade entre homens e mulheres é um imperativo constitucional e um dever de todos”. “Entre as evoluções verificadas ao longo das últimas décadas, a alteração do papel das mulheres na sociedade, destaca-se como um contributo para a promoção da igualdade e o Exército Português congratula-se por ter tido sempre um papel muito activo na integração das mulheres e promoção da paridade entre os dois sexos. Os vencimentos, as oportunidades, o acesso aos cargos e postos e o desempenho de funções não são influenciados pelo género, não havendo lugar a qualquer tipo de discriminação no Exército”, garante.

Foto: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República | Na tomada de posse do comando do Grupo de Carros de Combate da Brigada Mecanizada

O mesmo se passa na conciliação do papel de mãe com o de militar, onde sempre encontrou apoio. “Apesar de socialmente, ainda penderem muito sobre a mulher as obrigações parentais e domésticas, não é esse o meu entendimento nem o do meu marido, pelo que a conjugação da vida familiar com a vida militar será sempre uma dinâmica que tem de ser gerida por ambos e não só por um”, diz. “Acredito que ser mãe me tornou melhor militar e melhor comandante, porque em ambos os papéis temos de ter bem presente o dever de tutela e a total disponibilidade”, sentencia.

Tem dois filhos, de 13 e nove anos. Actualmente, mora em Abrantes, devido às funções que ocupa, mas salienta que a “condição militar compreende alguma flexibilidade de colocações”.

Já um regresso a Lousada não está para já em cima da mesa, apesar de considerar que o concelho “oferece uma boa qualidade de vida”.

Foto: Miguel Figueiredo Lopes/Presidência da República | Na tomada de posse do comando do Grupo de Carros de Combate da Brigada Mecanizada
Na tomada de posse do comando do Grupo de Carros de Combate da Brigada Mecanizada